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Sob efeitos da pandemia, crise econômica e política fortalece onda de protestos no Líbano

Em meio a desordem, o governo divulgará um plano de socorro econômico para negociar com credores uma dívida externa superior a 90 bilhões de dólares
Armando Reyes Calderín
Prensa Latina
Líbano

Tradução:

Na opinião do primeiro ministro do Líbano, Hassan Diab, separar política do Estado aplainará o caminho para uma solução no país dos cedros. “O que se requer hoje é a separação entre o Estado e os interesses dos políticos, e um maior vínculo com o povo”, afirmou.

O professor universitário que se tornou chefe de governo reiterou assim suas críticas à elite arraigada ao poder desde o final da guerra civil (1975-1990), à qual a percepção popular atribui a pior crise econômica e financeira em décadas.

Por esse motivo, acrescentou Diab, a imagem do Estado é nevoenta aos olhos populares; não existe na mente das pessoas. O Estado é débil como resultado de práticas não correspondentes com seu papel, denunciou.

Segundo o primeiro ministro, perdeu-se prestígio por golpes profundos que, além disso, anularam a confiança do povo. Sua identidade, acrescentou, diluiu-se em uma fusão de política, poder e forças sectárias.

Em meio a desordem, o governo divulgará um plano de socorro econômico para negociar com credores uma dívida externa superior a 90 bilhões de dólares

Prensa Latina
Os protestos em massa e agora violentos continuaram hoje no Líbano

Oposição critica argumentos de Diab

Os opositores de Diab e da equipe governamental alegam que com esses argumentos o Executivo se afasta dos acordos de Taif (Arábia Saudita), feitos em 1989, que puseram fim ao conflito interno libanês.

Esse acordo distribuiu em partes iguais os poderes entre às duas religiões predominantes no Líbano, o islamismo e o cristianismo.

De tal maneira que a distribuição de cargos inscrito na Constituição, depois da libertação da França, em 1943, registrou alguma melhora naquela ocasião, mas não resolveu de todos os problemas, como se vê hoje.

Nas últimas três décadas, a fórmula de governo levou à perda de condições de vida de todos os setores da sociedade, enquanto a riqueza se concentrou em uns poucos.

Desconfiança internacional e popular

A comunidade internacional espera desde abril de 2018 por um programa de reformas que seja de sua confiança para conceder empréstimos e subvenções de cerca de 11 bilhões de dólares, o que daria um impulso à economia libanesa.
Mas, em cada ocasião em que o governo debatia seus termos, interesses sectários ou políticos se opunham, por uma ou outra razão.

Um dos temas polêmicos deriva da aprovação de leis destinadas ao controle de capital para tornar transparentes as operações bancárias, que alguns atrasam para resguardar sua riqueza.

À percepção popular não escapa que foi parar nos bolsos da elite política grande parte da atual dívida externa, que ascende a mais de 90 bilhões de dólares, equivalentes a 170% do Produto Interno Bruto.

Entre outras manobras daqueles que temem que se saiba a origem de suas posses, agora se verifica uma desvalorização da moeda nacional superior a 60% com relação ao dólar estadunidense.

Manipulações

Diab afirma que se trata de manipulações para gerar instabilidade e insegurança no país, de modo que os projetos de ordenação governamental passem a um segundo plano.

Há uma má política sobre a cotização de uma média de 3.800 libras libanesas por dólar no mercado paralelo contra a taxa oficial de 1500, denunciou.

Essa tarifa cambial converte em nada o poder aquisitivo dos cidadãos, 90% dos quais ganham seus salários em moeda nacional.

A isso se soma o aumento dos preços que, segundo estudos da empresa Lebanon Consumer, chegou a escalar até 55% de seu valor. E neste ano, revelou o primeiro ministro, o país sofreu perdas adicionais no valor de sete bilhões de dólares por transferências ao exterior.

Quanto a isso acrescentou que se estuda um projeto de lei para obrigar proprietários de bancos e grandes acionistas a devolver o dinheiro remetido ao exterior.

Em qualquer caso, o governo não tolerará alteração alguma, na estabilidade financeira do país, garantiu.

Vazamentos e oposição popular

Partes desse programa filtraram, provocando uma oposição popular e dos políticos porque circularam menções ao uso de contas de rentistas para pagar a dívida pública.

“Os depósitos do povo são uma linha vermelha!”, clamaram políticos, religiosos e a população em geral, ao difundir-se essa possível medida.

Em algum dos parágrafos do projeto propunha-se que grandes depositantes realizassem uma contribuição excepcional transitória para tapar o buraco de 62.4 bilhões dos bancos libaneses.

“Esse plano não é o mais pernicioso, e sim a estrutura econômica, o governo político e as ineficiências de décadas”, comentou o especialista Andy Khalil.
De todo modo, como quer que o governo apresente seu plano de socorro, o Parlamento se manifestará como sempre, controvérsia e polêmica entre muçulmanos e cristãos, o maior obstáculo ao funcionamento do Congresso, afirmou o chefe dos deputados, Nabih Berri.

Protestos em massa

Os protestos em massa e agora violentos continuaram hoje no Líbano, apesar das medidas para frear a Covid-19, que as multidões temem menos do que a deterioração de suas condições de vida.

Em Trípoli, 80 quilômetros ao norte desta capital, os manifestantes lançaram mão da pirotecnia e de pedras para expressar sua insatisfação.

O Exército dispersou a multidão com balas de borracha e como resultado foram registrados vários feridos e, também, detenções.

Nesta terça-feira, morreu um dos manifestantes na cidade do norte, devido a um disparo com munição real, depois do que houve uma exacerbação do levantamento popular, que destruiu agências bancárias com bombas caseiras e objetos contundentes.

Enquanto isso, em Sidom, no sul, a manifestação pôs fogo com gasolina em um edifício do Banco Central.

As autoridades detiveram sete pessoas.

Para os protestos em Beirute, os manifestantes recorreram ao bloqueio de estradas, mas as forças de segurança as reabriram.

O levantamento popular reiniciou sua atividade há quatro dias, depois de um recesso de dois meses devido às medidas adotadas contra a pandemia.

A razão, a desvalorização drástica da libra libanesa com relação ao dólar estadunidense, que reduziu a quase nada os salários dos cidadãos. Os cambistas cotizavam a nota verde a quase quatro mil unidades, enquanto a taxa oficial continua fixada em 1500.

A tal situação se soma o aumento dos preços dos artigos, pois os varejistas pressionados por pagar em dólar aos fornecedores, repassam a diferença aos consumidores.

Os bancos que restringiram extrações e transferências em divisas, são os objetivos principais dos protestos, tendo havido várias sucursais e caixas automáticas destruídas.

E, em meio a tal desordem, o governo se dispõe a divulgar um plano de socorro econômico sobre o qual se baseará para negociar com credores uma dívida externa superior a 90 bilhões de dólares.

Armando Reyes, correspondente da Prensa Latina em Beirute, Líbano

Prensa Latina, especial para Diálogos do Sul — Direitos reservados.

Tradução: Ana Corbisier


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.
Armando Reyes Calderín

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