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Somente governo eleito pode resolver crise agravada pela Covid na Bolívia, afirma ex-ministra

“Há um ex-ministro, em prisão domiciliar devido ao superfaturamento na compra de respiradores. Neste fato também estão comprometidas pessoas próximas à família de Áñez”, destaca Gabriela Montaño
Leonardo Wexell Severo
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

Nesta semana, mais de 400 corpos foram retirados de casas e calçadas na Bolívia, o que mostra que a pandemia de Covid-19 é muito mais grave do que vinha sendo revelado até agora pela autoproclamada presidente Jeanine Áñez. 

Nesta entrevista, a médica Gabriela Montaño, ex-ministra da Saúde do governo de Evo Morales, ex-presidente do Senado e da Câmara dos Deputados, analisa a situação do país andino, as consequências do golpe de Estado para a saúde da população, a censura e o controle da mídia, e a ameaça à realização de eleições livres e transparentes. Perseguida política, exilada na Argentina, Gabriela fala de luta, de confiança e esperança na América Latina. 

Esta entrevista foi realizada na quarta-feira (22), um dia antes de o Tribunal Supremo Eleitoral (TSE), nomeado por Áñez, ter postergado a data das eleições. 

LEONARDO – Quando te conheci em Santa Cruz de la Sierra, em 2008, eras delegada presidencial neste departamento (Estado), depois foste presidente do Senado, presidente da Câmara dos Deputados e ministra da Saúde. Há 12 anos, a extrema-direita organizava quebra-quebras na localidade, por ser contrária à nacionalização da Empresa Nacional de Telecomunicações (Entel). Chegaram inclusive a destruir a sede da Coordenação dos Povos Étnicos por não reconhecer o papel da instituição e dos indígenas na nova Bolívia que começava a surgir. Qual a semelhança daquele período de tensão para o atual?

GABRIELA MONTAÑO – Em primeiro lugar é importante marcar, de maneira categórica, que não estamos vivendo um momento de exercício pleno da democracia, mas numa situação posterior ao golpe de Estado ocorrido em novembro do ano passado. Neste período foram realizados dois massacres terríveis em Senkata e Sacaba. Afastaram um presidente eleito democraticamente nas urnas, escolhido pelo povo boliviano.

Isso fez com que nestes oito meses fossemos governados por uma autoproclamada presidenta, que é esta senhora Jeanine Áñez, que ninguém elegeu. E nós teríamos que eleger em 3 de maio, em eleições que foram novamente postergadas e estabelecidas para 6 de setembro. [Nesta quinta-feira, um dia após a entrevista, o pleito foi remarcado para 18 de outubro, por um Tribunal Supremo Eleitoral nomeado por Áñez].

Tudo isso com enormes restrições de direito, sobretudo de pessoas que respaldam o Movimento Ao Socialismo (MAS) e ex-autoridades, como é o meu caso. Estou refugiada na Argentina, como muitos que participaram do processo democrático e de profundas transformações dos últimos 14 anos. Há outros companheiros que se encontram asilados em embaixadas como a do México em La Paz, ex-ministros do governo do presidente Evo Morales.

É uma situação de perseguição. Há múltiplos casos de prisões ilegais, feitas por este regime fortemente repressor, absolutamente desrespeitoso com os direitos humanos, que também conduziu de forma desastrosa a crise sanitária do coronavírus. Estamos em meio a uma situação realmente dramática em virtude do péssimo manejo por parte do Estado.

O fato é que todo o sistema de saúde está colapsado, incluindo o sistema público, o de seguridade social e o privado. A situação chega a tal ponto que cidades como a sede do governo, em La Paz, em Cochabamba e no interior as pessoas não podem encontrar medicamentos básicos como aspirina ou paracetamol, antibióticos básicos que não vão curar a enfermidade. São remédios que estão sendo utilizados para tratar as etapas iniciais da doença, para que não avancem e se compliquem, a fim de evitar que estas pessoas tenham que entrar em terapia intensiva. Imagine-se o que é hoje em La Paz uma pessoa tendo que peregrinar por 30 farmácias em busca de aspirinas. É uma situação realmente muito difícil a que está passando o povo boliviano, acompanhado obviamente de uma crise econômica muito grande. 

“E em meio a toda esta crise, sanitária, econômica, política, a grande maioria dos bolivianos acredita que é necessário ter um governo legítimo, eleito nas urnas, em eleições livres, democráticas, para que se possa reconduzir o país a um novo caminho”

As pesquisas publicadas nas últimas semanas mostram que mais de 40% da população, quase 50%, perdeu absolutamente toda a sua renda nestes meses durante a crise agravada pelo coronavírus. Imagine-se o que é perder tudo o que alguém tinha, para ter o que comer, viver, ter um teto, pagar um aluguel. Este é o contexto que atravessa o povo boliviano. E em meio a toda esta crise, sanitária, econômica, política, a grande maioria dos bolivianos acredita que é necessário ter um governo legítimo, eleito nas urnas, em eleições livres, democráticas, para que se possa reconduzir o país a um novo caminho, diferente desta péssima administração de Áñez junto com outros membros da oposição a Evo, como Carlos Mesa e Luis Fernando Camacho.

Bom, o que quer ou o que vê como solução o povo boliviano é ir a eleições.

VANESSA – Antes de entrar no tema eleitoral propriamente dito, hoje chegou até nós a informação de que nos últimos cinco dias a polícia retirou das ruas e das casas mais de 400 corpos, 85% deles com covid-19, sobretudo em La Paz e Cochabamba. Qual é a situação real vivida pelo povo boliviano neste momento?

GABRIELA MONTAÑO – Em primeiro lugar posso dizer categoricamente que os dados oficiais têm uma enorme subnotificação de casos. Isso se deve a que não foram tomadas as medidas necessárias a fim de adquirir os testes de laboratório suficientes para poder enfrentar esta situação sanitária. Como não temos testes laboratoriais e os poucos que estão à disposição na grande parte dos casos encontram-se em mãos privadas, que custam por cima dos US$ 100 por pessoa, isto implica que a grande maioria da população não tem acesso a elas simplesmente porque não pode pagar.

Seja pessoas com sintomas leves e, inclusive com sintomas moderados e graves, não têm acesso a uma prova laboratorial para que se verifique definitivamente se é ou não um paciente com covid. Portanto, temos cifras que são muito pouco certeiras em termos de traduzir a realidade do que está se passando. O primeiro e principal foco de coronavírus desde o início apareceu no departamento de Santa Cruz, e as equivocadas e inoportunas medidas tomadas por parte do governo de Jeanine Áñez possibilitaram que esse foco fosse se estendendo para o resto dos nove departamentos. Desde as capitais até o interior.

“Há um ministro, agora ex-ministro golpista, em prisão domiciliar devido ao superfaturamento na compra de respiradores. Neste fato de corrupção também estão comprometidas pessoas muito próximas à família de Áñez”

É claro que onde há maior concentração de pessoas, como acontece em todo mundo, temos maior quantidade de casos. Mas tem sido extremamente irracional a condução da crise sanitária, inclusive com fatos de corrupção evidentes. Há um ministro, agora ex-ministro, de Áñez em prisão domiciliar neste momento por um processo penal [devido ao superfaturamento de mais de 300%] na compra de respiradores. Quer dizer, mesmo para a aquisição de equipamentos básicos à atenção de pacientes em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) havia fatos de corrupção evidentes.

Neste fato de corrupção estiveram comprometidas pessoas muito próximas à família de Jeanine Áñez. E isto ocorreu não somente com os respiradores, mas com os equipamentos de biossegurança para o pessoal de saúde, com elementos básicos. Ou seja, praticou corrupção em pleno período de quarentena, em que deveria ter pedido à população que não saísse de casa, que deixasse de trabalhar, que deveria ter servido para fortalecer o sistema sanitário comprando respiradores e equipando hospitais.

Quando o presidente Evo Morales saiu, no momento em que aconteceu o golpe de Estado, tínhamos onze hospitais de primeiro e segundo nível que estavam prontos em termos de infraestrutura. Porque eram parte de um plano de hospitais muito ambicioso que o Movimento Ao Socialismo havia desenvolvido durante o seu governo, que estão prontos e não foram equipados quando se tinha recursos garantidos para isso.

Há países que construíram hospitais desde o zero para poder atender a crise sanitária. Como é que um país como a Bolívia pode se dar ao luxo de ter onze hospitais prontos e não serem equipados para enfrentar a pandemia? É uma irracionalidade tão grande, simplesmente por tentar defenestrar o que foi feito durante 14 anos, porque seu discurso inicial foi “o MAS não fez nada para melhorar a saúde do povo boliviano”. 

Então, se houvessem seguido equipando esses 11 hospitais, se houvesse caído mais rapidamente este argumento… Mas o que fizeram? Paralisaram obras e todos os investimentos públicos e, obviamente, não somente na área da saúde, mas também na área de rodovias, de infraestrutura e tudo mais.

O investimento público na Bolívia está totalmente paralisado e isso implica obviamente num maior impacto no aparato econômico. Porque um dos grandes êxitos da condução econômica foi precisamente que o Estado assumiu uma enorme responsabilidade em termos de investimento público para construir estradas, escolas e hospitais. E este é o motor da economia, o que gera mais empregos e a reativação do aparato produtivo. Então o que estão fazendo é destruir em sete meses o que tanto custou para ser feito em 14 anos.

LEONARDO – Áñez inviabilizou a continuidade dos médicos cubanos, que realizaram gratuitamente mais de 270 mil cirurgias gerais e 700 mil oftalmológicas na Bolívia. Hoje os médicos cubanos são reconhecidamente uma arma importante de vários países do mundo no combate à pandemia. Qual a sua opinião sobre isso? 

GABRIELA MONTAÑO – Bom, de um governo golpista, que tomou o poder de assalto, pouco lhe importa a vida e a saúde das pessoas. Para eles, por cima de tudo está a necessidade de se manter no poder, já que chegaram ao poder não pelo voto popular ou pelo apoio do povo boliviano, mas das forças armadas e da polícia. A eles lhes interessa manter uma crise e utilizaram lastimosamente a pandemia do coronavírus como mecanismo para meter medo na população e claro, entre a crise econômica, o medo e tudo mais tentam prorrogar-se no poder.

Estão tentando, permanentemente, que se suspendam as eleições e tudo mais, o que é demonstrado na expulsão dos médicos cubanos de uma maneira muito lamentável. Bom, o que foi visto também no Brasil. Mas por que expulsam os médicos cubanos? Porque são o estandarte de um tipo de medicina e de saúde, para a Bolívia e para o mundo inteiro, em que o centro é o ser humano, não o lucro que uma doença pode gerar. Uma medicina em que o centro é a vida, a atenção às pessoas e à saúde como um direito humano. Por isso não importa aos golpistas se os cubanos salvaram milhares de vidas, se puderam atender nos locais mais distantes, onde o sistema sanitário ainda não chegou.

“Fomos colocados sob um regime de muitíssimo medo e terror contra quem pense diferente deles”

Eles os expulsaram porque a direita boliviana utiliza os médicos cubanos como lição para que ninguém mais pense em ir por este caminho. Por isso fomos colocados sob este regime de muitíssimo medo e terror a partir do Estado. O Estado é o que promove o medo e o terror contra quem pense diferente deles. Então quando tens um Estado fundamentalmente repressor, não importa a vida, a saúde, a educação, não importa nada disso. Somente os utiliza no discurso, mas nos fatos são capazes de fazer estas terríveis coisas. 

O fato é que não somente expulsaram os médicos cubanos, mas praticamente inutilizaram todas as ferramentas com que trabalhavam. E muitos destes equipamentos são propriedade do Estado cubano, em clínicas e hospitais onde atendiam gratuitamente. Deixaram os equipamentos inutilizados em alguns casos, destruídos. É algo absolutamente irracional. 

Como que em um tempo como este podem fazer esse tipo de coisas? Claro, fazem shows políticos e mentem. Na última quarta-feira, por exemplo, o ministro de governo, que é um dos promotores do terror como ferramenta do Estado, entrou numa clínica em La Paz, utilizada por médicos cubanos para atender muitíssima gente de escassos recursos e, portanto, sempre gratuita. Conheço centenas de pessoas que foram atendidas nela. No entanto, apresentaram nos meios de comunicação como se esta fosse uma clínica exclusiva de Evo Morales, o que é mentira. É evidente que o presidente Evo Morales foi atendido muitas vezes nesta clínica, porém ali eram atendidas as pessoas mais humildes das periferias de cidades como El Alto e La Paz sem cobrar um centavo, de forma absolutamente gratuita.

Então isso é o que não suportam esses regimes. Porque além disso, em toda região, Cuba é o caso mais exitoso de luta contra o coronavírus. Claro, isso não é mostrado pelos meios de comunicação de massa porque a eles não convêm demonstrar que essa pequena ilha, porém com uma enorme soberania, toma suas próprias decisões. E Cuba consegue fazê-lo muito melhor do que fizeram muitos países chamados desenvolvidos da Europa e, obviamente, muitíssimo melhor do que os Estados Unidos que tem 1000 mortos por dia. 

Nestes tempos de coronavírus, obviamente isso é o que não querem. Não querem uma saúde que seja gratuita, que seja universal, na qual o estado seja o fiador do cumprimento deste direito. É o que a pandemia está nos deixando como lição, que o Estado deve ser forte para que possa proteger a todos e todas no âmbito da saúde, da educação, da economia e de tudo mais. Não podem seguir querendo nos fazer crer que o “livre mercado” irá resolver os temas fundamentais da vida dos seres humanos e do equilíbrio neste planeta. Não será. O mercado será sempre o que beneficia a quem tem muitos milhões. Porém aos mais pobres, que somos a maioria no mundo, simplesmente seremos usados como fichas descartáveis.

VANESSA – Qual a sua avaliação da judicialização da política, como estamos vendo no Brasil e no Equador, como se buscou fazer na Argentina e agora na Bolívia com a tentativa de cassar o registro do MAS? Gostaria que você nos falasse a respeito do autoritarismo de Áñez e a situação do MAS para a disputa eleitoral. 

GABRIELA MONTAÑO – O bloco conservador e de direita apresentou durante esta semana várias denúncias ao Tribunal Supremo Eleitoral (TSE) para tentar inabilitar o MAS e retirar sua personalidade jurídica, a fim de que não possa participar das eleições. Isso seria uma loucura sem precedentes, implicaria na cassação não de um candidato ou de uma pessoa, mas de todo o partido. Desta forma, nenhum dos candidatos do Movimento Ao Socialismo em todo o país poderia se presentar às eleições deste ano. 

“O Movimento Ao Socialismo (MAS) continua sendo, como foi nas eleições de outubro do ano passado, o partido de preferência do eleitorado. Nenhum dos outros candidatos chega à cifra de Luis Arce, nem somados” 

O fato é que o MAS continua sendo, como foi nas eleições de outubro do ano passado, o partido da preferência do eleitorado. Segue sendo, porque nós ganhamos as eleições de maneira limpa, não houve fraude, e se mantém por cima dos 40%. Nenhum dos outros candidatos do bloco de direita conservadora chega a esta cifra, nem somados. O candidato que nos segue na preferência eleitoral é Carlos Mesa, que apoiou o golpe em novembro, e não passa de 20%, 24% ou 25%, conforme as pesquisas.

Já o MAS ultrapassa os 40%. Então, claro, como este bloco conservador sabe que não vai poder nos ganhar em eleições transparentes, honestas e limpas. Estão tentando apelar para inutilizar, bloquear e proscrever o partido mais importante da democracia boliviana e, desta forma, evitar a vitória de Luis Arce, que é o nosso candidato à presidência. Ex-ministro da Economia durante grande parte dos 14 anos em que Evo Morales foi presidente, Luis Arce é um companheiro brilhante e com muita clareza dos princípios que defende. Por isso buscaram que este candidato, que conta com a maior preferência do eleitorado, desaparecesse.

Desta forma não estariam apenas violando o direito do MAS em termos de participação democrática, mas violando o direito de 40% do eleitorado boliviano que hoje tem como candidato preferido Luis Arce e o MAS. Querem bloquear 40% do eleitorado boliviano, que representa entre 3,5 e 3,7 milhões de pessoas, uma cifra impressionante no meio de um eleitorado que fica entre 7 e 7,5 milhões de votantes, numa população de 11 milhões. Mas o fato é que bloquear a participação do MAS seria negar o direito político a uma enorme parcela da população, uma situação sem precedentes na história democrática de nossos países, e isso é muito perigoso. 

Algo similar está sucedendo no Equador com a intencionalidade de bloquear a participação de Rafael Correa e de seu partido político. Eu sempre digo que o Equador e a Bolívia são irmãos gêmeos de muitas coisas. Ambos somos países com uma enorme população indígena em nossos territórios, iniciamos nossos processos constituintes de maneira quase paralela e tivemos muitas similaridades nestes últimos 15 anos. Parece que realmente temos que nos dar conta do que isso implicaria. Seria violar não somente o direito de ser eleito dos candidatos e candidatas do MAS, mas violar o direito fundamental que é o de eleger que tem esses milhões de bolivianos e bolivianas, que têm como preferência eleitoral o MAS. Isso é brutal porque abriria um sério precedente para a região e para o mundo, que poderíamos lamentar profundamente.

LEONARDO – Frente à censura a que a mídia boliviana se encontra submetida pelo atual governo, qual a sua avaliação da relevância de que meios de comunicação externos acompanhem o atual processo eleitoral?

GABRIELA MONTAÑO – Eu acredito que é importantíssimo o acompanhamento da comunidade internacional e uma presença que possa ser feita não apenas no dia ou na semana antes das eleições, mas durante todo o processo. E é fundamental uma observação que não se dê somente por estruturas como as da Organização dos Estados Americanos (OEA), como vimos na Bolívia. Foi um claro exemplo de manipulação, que degenerou na apresentação de relatórios utilizados como ferramentas pela direita e os setores conservadores para avançar no golpe do ano passado.

Diferente disso, informes acadêmicos e científicos demonstraram que o relatório da OEA era inconsistente e que na Bolívia não houve fraude eleitoral no ano passado. Portanto é muito importante que possa haver um acompanhamento e uma observação de todo o processo eleitoral boliviano. Em virtude de tudo o que estamos dizendo, também é preciso, obviamente, um acompanhamento por parte dos meios de comunicação da região, porque a direita continental está experimentando na Bolívia o que logo poderia tentar fazer em qualquer outra parte. Então é fundamental este acompanhamento.

LEONARDO – Os bolivianos no Brasil deram uma vitória para o MAS superior a 70% em outubro do ano passado. Uma mensagem aos seus compatriotas. 

GABRIELA MONTAÑO – Em relação a esta enorme população boliviana que vive sobretudo em São Paulo e no Rio de Janeiro e teve como preferência eleitoral o MAS, gostaria de dizer que a única maneira de gerar uma saída certeira para a crise sanitária, política e econômica que estamos vivendo é retomar os avanços que tivemos durante 14 anos. E isso somente quem vai fazer é o MAS. O resto dos partidos e das opções eleitorais somente busca o retorno há 15 anos, é voltar atrás, é perder soberania, é aplicar fórmulas econômicas que levaram o país à pobreza e que, precisamente, desembocaram na migração de milhares e milhares de compatriotas ao exterior.

“É preciso que todos estejam atentos ao processo eleitoral boliviano. Não podemos permitir a destruição da pouca institucionalidade que nos resta”

Quero dizer-lhes que estejam atentos e que acompanhemos todo este processo, sabendo que por cima das suas opções partidárias, o que não podemos permitir é a destruição da pouca institucionalidade democrática que nos resta. Porque a única coisa que isso iria gerar seria uma onda, aumentando a pressão que só iria agravar a crise política e econômica em curso. O que sempre leva ao risco de mais violência e confrontação, o que os que somos realmente democratas não queremos.

VANESSA – Durante os anos 60, 70 e até os 80 era comum que tivéssemos exilados em outro país, fugindo das ditaduras. Jamais poderíamos pensar que em pleno 2020 viveríamos uma situação similar. De forma mais pessoal, como está a vida de exilada na Argentina, longe da tua Pátria, particularmente em um momento eleitoral tão importante?

GABRIELA MONTAÑO – Acredito que em qualquer momento da história da humanidade, retirar uma pessoa de sua comunidade, afastá-la de seu entorno, de sua família, foi sempre um dos piores castigos, obviamente junto com a perda da liberdade e da vida.

Agradecemos profundamente ao povo e ao governo argentino, e eu do ponto de vista pessoal também agradeço ao povo e ao governo mexicano, que no primeiro momento abriram as portas e nos deram asilo. Temos recebido inúmeras demonstrações de irmandade e companheirismo à nossa situação pessoal na Argentina. Sempre se quer  estar em seu país, muito mais em um momento tão duro como o que estamos vivendo todos os que estamos refugiados no exterior e temos família. Temos amigos, temos nossos núcleos de militância política, nossa história de vida, fundamentalmente na Bolívia.

Como médica me desespero todos os dias. Tenho o coração e a mente, as quase 24 horas do meu tempo da minha vida, na Bolívia. É lógico porque não é fácil numa crise tão dura, na que se vê morrer tantas pessoas, uma situação de desespero, e tantos compatriotas na Bolívia. Às vezes é mais doloroso estar distante, não? Obviamente isso não tem nada a ver com o enorme agradecimento e reconhecimento que temos pelos povos irmãos que nos abriram as portas de seus países para nos salvar a vida, para poder nos manter em liberdade, depois de uma perseguição política que ainda não acabou.

Também quero dizer e dividir com vocês que a perseguição política na Bolívia é cotidiana. Todos os dias se abrem novos processos judiciais inventados sem nenhuma sustentação legal nem jurídica, porém o fazem para perseguir dirigentes sociais e ex-autoridades do MAS. E isso se converteu num dos centros de ação política da direita, do bloco conservador contra as vítimas do lawfare – da guerra jurídica – na Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, Colômbia… É uma ferramenta que usam cada vez mais os atores conservadores para perseguir a esquerda continental. Portanto, este não é um problema de Evo Morales isoladamente, é um problema de todos e todas, porque quanto mais permitirmos que avancem e se aperfeiçoem neste campo, maior restrição haverá para a democracia e para a possibilidade de exercermos os direitos políticos e todos os demais direitos no continente.

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Leonardo Wexell Severo

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