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ToggleLideranças indígenas da Amazônia se posicionaram, nesta quinta-feira (6), contrárias ao projeto de lei do governo Jair Bolsonaro que foi enviado ao Congresso Nacional para alterar os artigos 176 e 231 da Constituição Federal de 1988 e regularizar as atividades de mineração, produção de petróleo e gás natural, produção de energia hidrelétrica e agropecuária em terras indígenas. Os indígenas dizem que mineração e hidrelétricas podem afetar florestas nas quais existem populações isoladas em áreas remotas da região amazônica.
Desmatamentos, queimadas, poluição de mananciais podem se transformar em extermínio de populações. Segundo a Fundação Nacional do Índio (Funai), na Amazônia brasileira existem ao menos 100 grupos de indígenas isolados, sem contato com a sociedade nacional.
A medida, que é uma promessa de campanha do presidente da República, tramita em projeto semelhante no parlamento brasileiro desde 1995, quando o ex-senador Romero Jucá (MDB) ingressou com a polêmica emenda para regularizar a exploração e o aproveitamento de recursos minerais em terras indígenas, de que tratam os artigos 176, parágrafo 1º, e 231, parágrafo 3º, da Constituição Federal.
A proposta de Bolsonaro prevê a consulta prévia obrigatória aos povos indígenas apenas quando houver solicitação para exploração de garimpo por não indígena, mas para megaempreendimentos como mineração, extração de petróleo e gás, geração de energia elétrica e agropecuária a proposta não terá poder de veto das comunidades indígenas. Essa decisão contraria a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), agência das Organizações das Nações Unidas (ONU), que é o instrumento de diálogo somado à Constituição Federal.
Ao anunciar o projeto de exploração dos recursos minerais nesta quarta-feira (5), no Palácio do Planalto, Bolsonaro afirmou que estava concretizando um dos seus “sonhos”.
“Espero que esse sonho (…) se concretize. O índio é um ser humano exatamente igual a nós. Tem coração, tem sentimento, tem alma, tem desejo, tem necessidades e é tão brasileiro quanto nós”, disse o presidente durante a cerimônia oficial na qual assinou o texto, na última quarta-feira.
Para quem vive em equilíbrio com os recursos da floresta como as águas, os peixes, as árvores, o “sonho” de Bolsonaro é risco e contribui para o aquecimento global do planeta.
Foto: Vinícius Mendonça/Ibama
Ibama, combate garimpo na Terra Indígena Tenharim do Igarapé Preto, no Amazonas
Sônia Guajajara reage e critica sonho de Bolsonaro
Nas redes sociais, a coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Sônia Guajajara, criticou o “sonho” de Jair Bolsonaro. “Em seu discurso, Bolsonaro disse que isso é um ‘sonho’ e que o indígena é tão brasileiro quanto eles, os brancos. O seu sonho, Bolsonaro, é o nosso pesadelo e o nosso extermínio, porque o garimpo traz morte, doenças, miséria e acaba com o futuro dos nossos filhos”, declarou.
“Nós sabemos que é o seu verdadeiro sonho é o nosso genocídio, mas nós não aceitamos o nosso genocídio institucionalizado, não aceitamos mineração ou hidrelétricas em nossos territórios e não vamos recuar. O sangue que corre em nossos corpos é de luta e resistência, e nós não vamos deixar este pesadelo acontecer”, acrescentou Sônia.
Para Clóvis Marubo, da coordenação da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), localizada no sudoeste do Amazonas, qualquer atividade de mineração, petróleo ou produção de energia irá impactar o meio ambiente. Na Terra Indígena Vale do Javari vivem os povos isolados Korubo e os de recente contato Marubo, Mayoruna (Matsés), Matis, Kanamary, Kulina-Pano e Tsohom-Djapá. “Nós, do Vale do Javari, vamos usar a força do nosso movimento social e a nossa força espiritual para impedir que esses planos se concretizem”, disse a liderança.
“É uma grande violação. Ele vai atingir pessoas inocentes como os índios isolados que vivem nessas terras. Porque quando demarcam terras, é para garantir vidas indígenas, meio ambiente e vidas que vive nela. São cinco povos contatados, dois povos de recente contato e sete povos isolados não contatados”, disse Clóvis Marubo.
“Essas ideias do Bolsonaro não trazem benefícios, somente prejuízos socioambientais para a Amazônia. Sem contar que não demonstram qualquer resquício de responsabilidade do governo para com a região, mas todas as evidências de compromisso com as empresas privadas que vão se beneficiar com a exploração”, afirma Edinho Macuxi, vice coordenador da Coordenação Indígena de Roraima (CIR).
“Nós, do movimento indígena de Roraima, estamos muito bem preparados para brigar pelos nossos direitos nas esferas do Judiciário e do Legislativo”, completou Edinho, que representa a Terra Indígena Raposa Serra do Sol, uma das regiões alvo dos interesses dos setores da mineração e energético.
Marivelton Baré, presidente da Federação das Organizações Indígenas do Alto Rio Negro (Foirn), no Amazonas, afirma que Jair Bolsonaro tem que respeitar a Convenção da OIT. “Nós temos protocolos de consulta prontos e outros em andamento. Isso não é uma frivolidade, mas é ouvir quem de fato está dentro do território e vai ser afetado por essas medidas”, diz o líder indígena.
“A exploração predatória vai secar os rios da Amazônia, provocando problemas na reprodução dos peixes, o que vai impactar as cadeias alimentares de todas as espécies do ecossistema. Bolsonaro pode criar leis, portarias, medidas, ele pode dar o nome que quiser. Mas a natureza não é minha, nem dele. É da mãe natureza. Portanto, a natureza se vinga, a exemplo da Mariana e Brumadinho”, disse Clóvis Marubo, da Univaja.
A batalha no Congresso
O projeto de lei do governo Bolsonaro que visa regulamentar os artigos 176 e 231 da Constituição Federal para as atividades de mineração, produção de petróleo e gás natural, produção de energia hidrelétrica e agropecuária em terras indígenas, precisará de aprovação na Câmara dos Deputados e no Senado Federal.
O artigo 176 diz que jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra. “A exploração desses recursos depende de autorização prévia da União com regras específicas quando se desenvolverem em faixas de fronteira e terras indígenas”.
Já o artigo 231 da Constituição Federal diz que são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.
“O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei”.
O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM) já se posicionou anteriormente a favor dos povos indígenas quando o governo Bolsonaro retirou o processo de demarcação de terras da Fundação Nacional do Índio (Funai) para o Ministério da Agricultura quando baixou a Medida Provisória no. 870/2019. Na ocasião, em reunião com lideranças, Maia disse que, no que depender da presidência da Câmara para tramitação da MP, haverá consultas aos povos indígenas.
“A Câmara dos Deputados é de todos aqui, nós não trabalhamos a favor de uma parte da sociedade, trabalhamos a favor do nosso Brasil, então vocês [os indígenas] podem contar comigo”, disse Rodrigo Maia.
O vice-coordenador do CIR, Edinho Macuxi, acredita que não será fácil para Bolsonaro aprovar a medida no Congresso. “Nós, do movimento indígena de Roraima, estamos muito bem preparados para brigar pelos nossos direitos nas esferas do Judiciário e do Legislativo”, assegura.
Ele destaca também a promessa do presidente da Câmara Federal, Rodrigo Maia (DEM), de não colocar propostas polêmicas na pauta da casa. “Ainda que o presidente Bolsonaro use de outros instrumentos como uma portaria ou um decreto, estamos conscientes que ele estaria indo contra a Constituição”, diz.
“Não vamos deixar ninguém invadir nossos territórios. Não vamos retroceder nas conquistas alcançadas com nosso sangue, nossas lágrimas e com as vidas dos nossos parentes. Vamos ter uma briga política e uma briga jurídica. Estamos muito preparados para isso”, garante ele, destacando “o pagamento de royalties pela exploração das nossas terras é irrelevante diante das consequências que podem vir”, garante Edinho Macuxi.
Marivelton Baré, da Foirn, também reclama da falta de diálogo com o governo. “O Bolsonaro sequer nos recebe! Ele só abre as portas do gabinete aos empresários”, diz. “Nós temos políticas territoriais que abarcam tudo o que diz respeito às terras indígenas. Essa medida do Bolsonaro só vem para tentar nos massacrar”, completa.
“Esse governo não nos consulta sobre nada, sequer sobre mudanças na Funai! Isso é um retrocesso. Como é que se faz uma alteração nesse órgão sem nos consultar? Nós não somos contra o progresso, queremos oportunidades, mas temos que ser consultados, envolvidos e não podemos ter nosso modo de vida prejudicado”, questiona Darcy Marubo, secretário de assuntos indígenas da Prefeitura de Atalaia do Norte e membro da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Unijava).
Darcy diz que os indígenas nunca são parte dos projetos do governo. Ele reivindica alternativas econômicas que estejam de acordo com a realidade do Vale do Javari. “Existem vários projetos desse tipo que não dão certo pra gente, porque não somos previamente consultados, eles não se adequam a nossa realidade. Por exemplo, garimpo! Grande parte da exploração tem destino internacional. Nas nossas terras vão restar buracos e danos ambientais”, diz.
A “Lei Áurea” de Onyx
De acordo com informações divulgadas pelo governo, o projeto de lei que prevê a regulamentação das atividades de mineração, produção de petróleo e gás natural, produção de energia hidrelétrica e agropecuária em terras indígenas, foi elaborado por um grupo de trabalho coordenado pela Casa Civil em parceria com os ministérios de Minas e Energia. O ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, chegou a comparar a medida com a “Lei Áurea”.
“Pois hoje, presidente, com a sua assinatura será a libertação. Ou seja, nós teremos a partir de agora a autonomia dos povos indígenas e sua liberdade de escolha. Será possível minerar, gerar energia, transmitir energia, exploração de petróleo e gás e cultivo das terras indígenas. Ou seja, será a Lei Áurea”, afirmou.
A convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) é o instrumento que, através dos artigos 232 e 231 da Constituição Federal, reconhece a autonomia que é, entre outras, coisas o reconhecimento do modo de vida, crenças e costumes dos indígenas. As comunidades devem ser consultadas através de um protocolo elaborado por elas.
“Entrar sem licença no quintal dos outros é ferir a nossa integridade, de uma forma que só ladrão ou bandido faz. A atitude do Bolsonaro caminha na contramão, pois ele não respeita indígenas, não indígenas e meio ambiente. Isso está claro na reformulação da Funai, que vem perdendo autonomia e está cada vez mais fragilizado, sem recurso humanos e financeiros para operacionalizar suas ações nas terras indígenas”, diz Clóvis Marubo, da Univaja.
A especialista em Direito Indígena, Chantelle Teixeira, explica que a Convenção 169 da OIT é uma ferramenta de diálogo entre os povos indígenas e governos. “O objetivo das consultas é buscar um acordo e chegar a um consentimento. A consulta é o procedimento e o consentimento é a concordância ou readequação a partir do ponto de vista da comunidade”, disse, destacando que essas medidas não podem ser executadas se afetar o modo de vida das comunidades.
Essa consulta deve ser prévia, ou seja, anterior à decisão do governo, anterior à medida ser aprovada, e deve ser feita nos termos da cultura, língua, calendário, costumes e tempo dos indígenas em questão. Além disso, deve ser livre, sem coação ou pressão, informada com transparência e clareza, e de boa fé, pois o Estado não pode passar informações enganosas.
O dispositivo legal pode ser acionado pelos indígenas a qualquer momento quando eles acharam que estão tendo sua autonomia, organização social, usos, costumes, tradições línguas e crenças ameaçados. “Eles têm o direito de opinar sobre qualquer medida de desenvolvimento econômico, sendo medidas administrativas ou legislativas, que possa afeta-los diretamente”, diz Chantelle.
Os povos indígenas devem ser consultados através de um protocolo elaborado por eles mesmos. Ela pode ser feita da maneira que os indígenas quiserem, como métodos e idioma. O primeiro documento do tipo elaborado no Brasil foi Protocolo Wajãpi (Agyvo tã age´e jaiko japosiko karai rovijã gwerã kõ revê ky´y – É desse jeito que nós, governo e Wajãpi, vamos trabalhar agora), em 2014, sobre a regulamentação do uso de uma parte da sua terra indígena. Hoje, o Brasil possui mais de 30 protocolos além daqueles em andamento.
Atualmente os indígenas Kinja, conhecidos como Waimiri-Atroari, estão passando pelo processo de consulta prévia para opinarem se aceitam ou não que a obra do Linhão de Tucuruí, entre os estados do Amazonas e de Roraima, atravesse o território. O presidente Jair Bolsonaro já tentou transformar a obra como de interesse da segurança nacional, o que provocou uma reação dos Kinja. Leia aqui.
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