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Amantha Perera*
Como se esperava, a visita a Sri Lanka de Navanethem “Navi” Pillay, alta comissionada das Nações Unidas para os Direitos Humanos, gerou tensões com o governo, cada vez mais pressionado pela comunidade internacional. Pillay visitou este país insular da Ásia meridional entre 25 e 31 de agosto. Já no seu terceiro dia de estadia gerou-se uma discussão entre os próprios representantes da Organização das Nações Unidas (ONU) no país.
Ela se encontrava no coração do distrito de Mullaittivu, na Província do Norte, donde aconteceram algumas das mais sangrentas batalhas do último capítulo da guerra entre o governo e o grupo separatista Tigres para a Libertação da Pátria Tamil-Eelam (LTTE), terminada em 2009 após 30 anos de combates.
A discussão foi sobre o acesso à imprensa. Vários representantes de meios internacionais em Colombo tinham acompanhado Pillay por 390 quilômetros ao norte do país, e pelo menos dois jornalistas a seguiram até Mullaittivu, a segunda escala de sua visita, depois de haver passado uma manhã em Jaffna, capital da Província do Norte.
Representantes do Conselho de Direitos Humanos, com sede em Genebra, queriam permitir que os jornalistas e principalmente os correspondentes estrangeiros, tivessem acesso às reuniões de Pillay com os deslocados pela guerra e com parentes de desaparecidos, mas os membros do escritório da ONU em Colombo resistiam.
Segundo o governo, o escritório do fórum mundial havia instruído os jornalistas a que não seguissem a alta comissionada durante sua visita a Mullaittivu.
Mas, de qualquer forma eles o fizeram, aparentemente convidados por seu porta-voz, Rupert Colville, para que presenciassem o momento em que a funcionária tinha previsto apresentar uma oferenda floral aos caídos na batalha final da guerra na laguna de Nanthikadal.
O governo do Sri Lanka havia advertido a delegação do escritório do Alto Comissionado das Nações Unidas para os Direitos Humanos que um gesto assim “devia ser realizado em algum lugar comum a todas as vítimas do conflito terrorista e não no território onde morreu o líder” do LTTE, Velupillai Prabhakaran.
Finalmente, Pillay nunca fez a oferenda floral. Mais tarde esclareceu que costumava honrar os caídos em conflitos em cada país que visitava, e que não se tratava de um gesto exclusivo para o Sri Lanka.
Quando Pillay deixou o Sri Lanka, as tensões já eram evidentes.
Na declaração de cinco páginas e meia que leu antes de abandonar o país, a funcionária elogiou o governo pelos esforços de desenvolvimento feitos em antigos baluartes do LTTE, mas também o exortou a tomar medidas contra os abusos aos direitos humanos, a perseguição às minorias religiosas e a militarização do norte, entre outras coisas.
Pillay se propôs em Sri Lanka a fazer um acompanhamento das recomendações incluídas na resolução adotada pela ONU em 21 de março, que exige ações de Colombo diante das persistentes denúncias de violações aos direitos humanos.
A avaliação da funcionária foi crua: “Estou profundamente preocupada pelo fato de Sri Lanka, apesar da oportunidade oferecida pelo fim da guerra para construir um país novo, vibrante e inclusivo, estar mostrando sinais de tomar um rumo cada vez mais autoritário”
O governo do presidente Mahinda Rajapaksa rechaçou essa avaliação e sustentou que se tratava de uma declaração política que transgredia o mandato de Pillay e as normas básicas que devem ser observadas por uma funcionária internacional.
“É melhor que seja o povo de Sri Lanka a julgar os líderes do país, e que não sejam caricaturados por entidades externas influenciadas por interesses criados”, disse o governo em resposta à declaração de Pillay.
Ao falar na segunda-feira, dia 2, nas celebrações pelo aniversário do Partido da Libertação do Sri Lanka, Rajapaksa disse que seu governo não cederia diante das pressões estrangeiras.
“Ela tem sua própria agenda”, afirmou Ithakandhe Sadathissa, monge budista e presidente da Organização Nacional de Poder Ravana, grupo nacionalista que em duas ocasiões durante a visita de Pillay protestou diante do escritório da ONU em Colombo.
“Ela veio aqui para levantar dados para depois ir embora e criticar o país e o governo”, disse a IPS.
O ministro de Habitação e Serviços de Engenharia, Wimal Weeravansha, e o porta-voz do governo e ministro de Meios, Keheliya Rambukwella, também acusaram Pillay de ter uma agenda pré-estabelecida.
“Instamos as pessoas a que venham e vejam tudo por si mesmas, em vez de deixar-se guiar por propaganda” disse por sua parte o ministro de Relaciones Exteriores de Sri Lanka, Gamini Lakshman Peiris, durante uma visita a Nova Delhi, poucos dias antes da chegada de Pillay. “Queremos que o mundo veja o que está acontecendo em Sri Lanka”, acrescentou.
Às vésperas da visita, o governo criou uma comissão dedicada a investigar os desaparecimentos forçados e a elaborar uma estrita legislação contra eles.
No que foi a mais longa das visitas que fez até agora a 60 países, Pillay pode interagir com uma ampla gama de representantes, algo pelo qual agradeceu ao governo.
Em Jaffna reuniu-se com 15 representantes de uns 300 familiares de desaparecidos que se manifestavam em frente à Biblioteca Pública da cidade.
“Já se passaram quatro anos desde o final da guerra. As pessoas necessitam respostas sobre o que aconteceu com seus seres queridos”, disse o sacerdote católico Emmanuel Sebamalai, do distrito de Mannar, no norte ocidental.
Os manifestantes “vieram para se reunir com ela porque sentiam que podia ajudá-los a receber algum tipo de reparação”, disse a IPS.
Pillay também participou em Colombo no dia 31 de agosto de uma cerimônia que comemorou o Dia dos Desaparecidos.
“A alta comissionada prometeu ajudar-nos”, disse Sandya Ekanaligoda, esposa do desenhista Prageeth Ekanaligoda, desaparecido em janeiro de 2010. “Continuarei buscando meu esposo”,acrescentou.
A avaliação que Pillay fez antes de sua partida certamente constituirá o eixo central do informe que fará ante o Conselho de Direitos Humanos em fins de setembro. Provavelmente também apresentará as denúncias feitas pelos civis e ativistas com os quais falou.
“A visita de Pillay ajudará a manter o Sri Lanka na agenda do Conselho de Direitos Humanos”, disse a IPS o ativista Ruki Fernando.
“Seu informe indicará se as mudanças que ocorrem em Sri Lanka são superficiais ou genuínas”, assinalou Ming Yu, pesquisador do escritório australiano da Anistia Internacional, em diálogo com IPS.
*IPS de Colombo, Sri Lanka, para Diálogos do Sul – Tradução de Ana Corbisier.