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Suposta ameaça de bomba faz avião aterrizar na Bielorrússia; Lukashenko aproveita para prender opositor

Ao saber do possível ataque terrorista, autoridades bielorrussas enviaram um bombardeiro Mig-29 para escoltar a aeronave até o aeroporto. O opositor Roman Protasevich estava a bordo e está sob custódia das autoridades do país
Juan Pablo Duch
La Jornada
Moscou

Tradução:

No que pode ser o apenas o cúmulo de azar ou uma operação bem planejada dos serviços secretos da Bielorrússia, um avião da companhia de baixo custo Ryanair, que saiu de Atenas, na Grécia, com destino a Vilnius, capital da Lituânia, teve que aterrizar de forma emergencial, no último domingo (23), em Minsk, na Bielorrússia, após o piloto a receber a informação, quando estava se aproximando do espaço bielorrusso, de um dos passageiros possuía uma bomba.

Esse indivíduo, identificado como suposto agente dos serviços secretos da Bielorrússia, teria provocado uma discussão com os tripulantes da cabine e semeou pânico ao dizer que explodiria uma bomba que levava com ele e acabou imobilizado por várias pessoas que atenderam o chamado de ajuda lançado pelos comissários de bordo.

Mais tarde, autoridades bielorrussas afirmaram que o aeroporto de Minsk teria recebido um e-mail da organização palestina Hamas advertindo que iria explodir o avião da Ryanair sobre o espaço aéreo bielorrusso. 

O fato teria então sido comunicado imediatamente ao capitão da aeronave, que teria optado por pedir autorização para aterrizar em Minsk, embora tecnicamente pudesse seguir até Vilnius (a menos que alguém a bordo armasse uma briga com a tripulação da cabine). 

Escoltado por um caça

A versão oficial do governo da Bielorrússia diz que, após o piloto pedir autorização para aterrizar no aeroporto de Minsk, o mais próximo, o presidente Lukashenko foi imediatamente informado e  ordenou que fosse “facilitada a  aterrizagem o antes possível para salvar os passageiros do perigo de morrer em um atentado”.

Dito e feito, um caça bombardeiro Mig-29 apareceu, de repente, no céu para acompanhar o hóspede repentino, com o argumento de que, supostamente, Lukashenko já tinha tudo preparado para receber um dos passageiros desse voo, que casualmente é um de seus mais acérrimos críticos, Roman Protasevich, um jovem que, a partir da capital da Lituânia, chegou a se converter em uma espécie de desagradável pedra em seu sapato.

Opositor Protasevich

Como cofundador e diretor do serviço de notícias Nexta, por meio de um canal do Telegram, Protasevich desempenhou um papel preponderante durante as manifestações massivas de repúdio à enésima reeleição do presidente, com transmissões de vídeo ao vivo que as autoridades não puderam impedir, proporcionando informação ampla e pontual sobre o que estava ocorrendo em seu país, fugindo de qualquer a censura.

Por esse motivo, e por tornar-se a principal fonte de informação da oposição bielorrussa, o regime de Lukashenko designou-o como “extremista e terrorista” e, uma vez que caiu em suas mãos pela fatídica casualidade (difícil de acreditar, a menos que tivesse ocorrido uma cadeia de inverossímeis acontecimentos) ou não, será submetido a um julgamento que pode condená-lo a muitos anos de cárcere e, inclusive, à pena de morte que a Bielorrússia continua praticando contra aqueles que cometem graves delitos que não merecem nenhum tipo de perdão.

Ao saber do possível ataque terrorista, autoridades bielorrussas enviaram um bombardeiro Mig-29 para escoltar a aeronave até o aeroporto. O opositor Roman Protasevich estava a bordo e está sob custódia das autoridades do país

Reprodução/ Twitter
Jornalista Roman Protasevich

Protasevich, que desde que deixou Nexta dirigia outro canal de oposição, chegou a dizer que, no aeroporto de Atenas notou que estava sendo vigiado, mas não podia imaginar que o governo de seu país chegaria ao extremo de forçar a aterrizagem de seu avião por um suposto atentado que, como nos filmes com final feliz, não se produziu por não haver nenhuma bomba que existia só na imaginação do diretor, roteirista e produtor em uma só pessoa.

Perseguição

Lukashenko, há algumas semanas, ordenou aos seus agentes do serviço secreto que sequestrassem, em Moscou — em meados de abril e com a conivência das autoridades russas — dois políticos da oposição bielorrussos, Aleksandr Feduta e Yuri Zenkevich, quando estavam almoçando em um restaurante e, entre prato e trago, planejavam os detalhes de um golpe de Estado na Bielorrússia e, entre outras coisas, como dividiriam o poder após assassinar Lukashenko e todos os membros de sua família, de acordo com a versão dos serviços secretos bielorrussos.

Resposta do Kremlin

A reação das autoridades russas sobre o caso foi variada, porém não houve uma só posição oficial nem de apoio, nem de condenação.

O porta-voz do Kremlin, Dimitri Peskov, não quis fazer nenhum comentário, argumentando que “há algumas autoridades internacionais (em matéria de aviação) que são as que devem avaliar o que aconteceu; circula muita informação confusa e não queremos entrar na corrida de ser os primeiros a condenar alguém”. 

Peskov disse não ter nenhuma informação sobre a cidadã russa, Sofia Sapega, a noiva de Protasevich, também detida no aeroporto de Minsk, nem acerca de outros quatro passageiros, com passaporte russo, que preferiram ficar na capital da Bielorrússia e não continuar no voo para Vilnius.


Já o chanceler, Serguei Lavrov, centrou-se nas gestões que realiza seu ministério para averiguar porque Sapega está detida e proporcionar-lhe assistência consular. Afirmou que entrou em contato com o pai da jovem para oferecer todo o apoio do governo russo.

Indignação seletiva

Em troca, a porta-voz do ministério de Relações Exteriores, María Zajarova, tentou, em sua conta do Facebook, uma espécie de justificativa mediante o método de que não está bem, mas todos fazem o mesmo, ao afirmar que o que mais lhe chama a atenção “é o escândalo que causou no Ocidente o incidente com o voo de Ryanair”. 

Para ela, “ficam indignados com tudo — desde a aterrissagem forçada na Áustria [em julho de 2013] do avião do presidente da Bolívia [Evo Morales] a pedido dos Estados Unidos [acreditando que com ele estaria a bordo Edward Snowden, refugiado na Rússia] e na Ucrânia [em julho de 2016] 11 minutos após a decolagem de um avião da Belavia [companhia bielorrussa] para reter um ativista opositor ao governo [o cidadão armênio Armen Martorosian, que após prestar declarações pôde viajar a Minsk]. Ou não deve se indignar com o comportamento de outros”. 

Menos diplomático, Leonid Kalashnikov, presidente do comitê da Duma para relações com as repúblicas ex-soviéticas, adiantou que a Câmara Baixa do Parlamento russo não vai opinar sobre o que faz outro país, mas “nesses fatos não vejo nada que mereça reprovação”. 

Apoio

Ao dar por certa a versão de Lukashenko de que dois opositores sequestrados em Moscou estavam tramando em um restaurante dar um golpe de Estado e assassinar sua família, Kalashnikov sublinhou: “Se os governantes de outro países deram a ordem de te matar, levam a cabo ações para deslocar-te do poder, não vejo porque não possas tomar medidas”.

Em contraste, o vice-presidente desse mesmo comitê, Konstantín Zatulin, declarou que “a forma como se fez tudo isso é certamente odiosa” dando a entender que a detenção de Protasevich vai provocar uma nova onda de sanções contra a Bielorrússia que, se queira ou não, vai afetar também a Rússia.  

Mas sem importar com possível o efeito contra a Rússia, o vice-presidente do comitê de assuntos internacionais da Duma, Dimitri Novikov, assegura que “o que aconteceu é parte de uma campanha contra Lukashenko, empreendida por países que por sua debilidade econômica são incapazes de sustentar uma política independente e tratam de mostrar sua lealdade ao seu patrão em Washington”.

Outro deputado, Viacehslav Lysakov, alheio à conveniência de ajustar as declarações às grandes teses em matéria de política internacional, disse o que jamais poderá ser escutar da boca de um porta-voz oficial russo: “A detenção de Protasevich, foi, sem dúvida, uma brilhante operação dos serviços secretos da Bielorrússia. Souberam detectar ‘o objetivo’, o acompanharam, fizeram acreditar que haveria um atentado, obrigaram de fato o avião a aterrizar e, por último, aquele caiu em boas mãos”


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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Juan Pablo Duch Correspondente do La Jornada em Moscou.

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