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"Terrorismo urbano": regime no Peru recria era pré-Fujimori para justificar prisões e extermínio

O que se busca é semear o medo; para isso, a ultradireita articula leis para criminalizar protestos que podem levar a de 20 até 30 anos de prisão
Gustavo Espinoza M.
Diálogos do Sul Global
Lima

Tradução:

Cabe reconhecer que teve êxito a ultradireita peruana quando logrou impor no cenário social o tema do terrorismo e lhe deu uma certa conotação ideológica e política.

Pode, em efeito, fundir o uso do terror como forma operativa, com a ação Senderista, e vincular a esta pequena estrutura surgida em Ayacucho em princípios dos anos 1970, com os símbolos do Socialismo

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Não lhe foi difícil, aliás. Percebeu a existência deste núcleo na Universidade de Huamanga, distinguiu nele um personagem ensoberbecido e o converteu na “Quarta Espada da Revolução Mundial”. A partir disso, consumou ações por todo canto, que adjudicou – todas – a “Sendero Luminoso”. Colocar bandeiras vermelhas e pintar a foice e o martelo foi mais fácil. Necessitava isso apenas para completar o trabalho. 

Graças a essa iniciativa, o país pode falar de “conflito armado interno”, de “colunas senderistas”, “organização terrorista” e até do “equilíbrio estratégico”, como uma maneira de apresentar ante a sociedade um perigo descomunal, uma ameaça gigantesca, que levaria o horror, o sangue e a morte esparramada sobre o rosto de todo os peruanos.

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Isso foi suficiente para desencadear uma guerra de extermínio contra as populações nativas. Que a articulação tenha começado nos anos 1980, e comprometido a sucessivos governos – Belaunde, García e Fujimori – não faz senão demonstrar que a iniciativa veio desde além das fronteiras nacionais, e que respondeu a uma inteligência maior, a uma estratégia de dominação mais continental. 

Quando finalmente forem conhecidos os “documentos desclassificados”, que hoje se conservam em segredo por parte de Washington, poderá saber-se o total desse história, cairão algumas máscaras e desaparecerá o assombro. Em outras palavras, se fará luz no que ainda é um mistério. 

O que se busca é semear o medo; para isso, a ultradireita articula leis para criminalizar protestos que podem levar a de 20 até 30 anos de prisão

Diario Constitucional
Fizeram bem aqueles que apontaram um “um viés racista” registrado nas matanças recentes

Incubadora

A estratégia à qual aludimos foi incubada anos antes, quando a imprensa norte-americana começou a falar do “triângulo vermelho da América Latina” que constituía uma “ameaça para a democracia ocidental e cristã”, e que havia que ser quebrada a qualquer preço.   

Derrubar Juan José Torres no Altiplano, arrasar o Chile e matar Salvador Allende, e deslocar do poder Velasco Alvarado, foram todos elementos de uma mesma fórmula, provavelmente idealizada por uma dupla sinistra: Nixon-Kissinger. Depois disso, assomaria o remédio: a fascistização da Força Armada de cada um desses países.

Peru: a terra com 7 milênios de história em constante luta por independência e soberania

Foi esse o prelúdio de Banzer, Pinochet, Videla e Fujimori. O “triângulo vermelho” se converteu em uma estranha figura geométrica obscura. O continente que já era cenário de luta contra o imperialismo passou a se converter em um real campo de concentração com o cemitério incluído.

Luta contra o “terrorismo”

Aqui, a bandeira foi “a luta contra a Terrorismo”. Apenas seu enunciado permitiu invadir e arrasar aldeias, saquear povos, roubar a mancheia, incendiar casas, violar mulheres, massacrar crianças, assassinar povoadores, exterminar localidades.

Diversos nomes assomaram ante o estupor de milhões de peruanos: Soccos, Accomarca, Llocllapampa, Santa Rosa, Pomatambo, Parcco Alto, Puccas, Huancapi, Cayara, para citar alguns.  

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Não é casual que os especialistas tenham concluído suas pesquisas asseverando que 75% das vítimas dessa violência fossem falantes de quéchua, povoações rurais, povos originários. Tampouco o fato que ainda existam 15 mil pessoas simplesmente desaparecidas. Pareceria, no entanto, que é suficiente. Urge repetir a história.  

Hermann Luebe e outros estudiosos do tema asseguram que, para que prospere o acionar terrorista, se requer debilitar ao extremo a estrutura da sociedade, decompor a moral cidadã, deslegitimar as instituições formais e castrar o capacidade operativa dos trabalhadores.

A verdade sobre Abimael Guzman e o seu autoproclamado Sendero Luminoso no Peru

Se além das palavras isso é feito como parte de uma mesma estratégia, e se agrega o discurso de políticos extremistas e jornalistas a soldo, se tem a possibilidade real de fazer viável a mensagem do terror.

Cenário atual e o “terrorismo urbano”

Diligente, o regime hoje imperante no Peru sonha com essa possibilidade. O faz partindo do caos social que se instaurou a partir do passado 7 de dezembro, quando um Golpe Seco derrubou Pedro Castillo e construiu um Poder Pentagonal, baseado na aliança do Executivo com o Congresso da República, os partidos da ultradireita, o empresariado, a cúpula castrense e a Grande Imprensa. 

Essa “aliança” é a que outorga peso a Otárola para assegurar que “não lhes tremerá a mão” para repetir a história; isto é, matar outra vez.

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Recentemente, e por iniciativa do Prefeito Metropolitano, Rafael López Aliaga, o da Capital aprovou um “projeto de Lei” que remeteu ao Legislativo. Propõe criar um novo delito: o “terrorismo urbano”. E, claro, considera como parte dele o protesto social, a perturbação da ordem e o uso de implementos que causem lesões – como paus ou pedras – contra as “forças da ordem”.

Para os responsáveis ou instigadores destas ações, propõe penas que vão de 20 até 30 anos de prisão. Sem dúvida, o que se busca é semear o medo.

É claro, então, que “o terrorismo” do século passado está de volta. Aliás, fizeram bem aqueles que apontaram um “um viés racista” registrado nas matanças recentes. Mas no caso, haverá de estender-se mais.

Gustavo Espinoza M. | Colunista na Diálogos do Sul em Lima, Peru.
Tradução: Beatriz Cannabrava


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Gustavo Espinoza M. Jornalista e colaborador da Diálogos de Sul em Lima, Peru, é diretor da edição peruana da Resumen Latinoamericano e professor universitário de língua e literatura. Em sua trajetória de lutas, foi líder da Federação de Estudantes do Peru e da Confederação Geral do Trabalho do Peru. Escreveu “Mariátegui y nuestro tiempo” e “Memorias de un comunista peruano”, entre outras obras. Acompanhou e militou contra o golpe de Estado no Chile e a ditadura de Pinochet.

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