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“Todas as ditaduras do século 20 foram jurídicas”, diz jurista

A pauta da política se reduz ao tema da corrupção. Nada mais conveniente para deslegitimar a política e legitimar a hegemonia do Judiciário
João Vitor Santos
Revista IHU On-line
Porto Alegre

Tradução:

Com clareza e objetividade, a advogada e doutora em Filosofia Maria Luiza Quaresma Tonelli afirma que o grande desafio das modernas democracias constitucionais é saber como se tornar uma democracia representativa aberta à participação popular, “sem que a ação do povo através de movimentos sociais, populares, estudantis ou mesmo de entidades civis representativas não sejam criminalizadas quando, em situações de conflitos, eventualmente excederem os limites do Estado de Direito”. Ela apresenta a fórmula: o aprimoramento das práticas democráticas. Isso evitaria que se transferisse a credibilidade e a responsabilidade da política para outras instituições, como o Judiciário. “É necessário que não se confunda Estado de Direito com democracia. Afinal, todas as ditaduras do século 20 foram jurídicas, tendo um Poder Judiciário convalidando toda espécie de arbítrios praticados pelo Estado”, garante. Em entrevista concedida por e-mail para a IHU On-Line, Maria Luiza afirma que “é perfeitamente possível que um Estado possa organizar-se juridicamente sem que seja necessariamente democrático”, pois “não é o Estado de Direito que faz a democracia, mas a democracia que faz o Estado de Direito ser democrático”.

A pauta da política se reduz ao tema da corrupção. Nada mais conveniente para deslegitimar a política e legitimar a hegemonia do Judiciário

A pesquisa que resultou na tese A judicialização da política e a soberania popular, em 2013, lhe garante elementos para discorrer longamente sobre um dos temas mais importantes da atualidade. “É necessário e urgente o debate sobre o exato papel das instituições do sistema de Justiça para combater o autoritarismo e a violência policial”, defende. A advogada salienta que “os avanços sociais e políticos são difíceis, mas os retrocessos podem se dar da noite para o dia”. Em um ambiente de conflagração e instabilidade, destaca que nem a voz das ruas, nem a vontade dos parlamentares “constituem motivos legítimos para cassar um mandato presidencial sem que um governante tenha cometido, com dolo, crimes que configurem atentado à Constituição Federal”, pois o impeachment fica descaracterizado se não houver prática de crime de responsabilidade comprovado.

Maria Luiza Quaresma Tonelli |Foto: Arquivo pessoal  Em um contexto de “espetacularização do processo penal”, Maria Luiza observa que a sociedade anseia por punição, custe o que custar. “Deste modo, a pauta da política se reduz ao tema da corrupção. Nada mais conveniente para deslegitimar a política e legitimar a hegemonia do Judiciário.” O resultado é que todas as esferas da vida numa sociedade acabam judicializadas, pois o Judiciário passa a ter o poder de tutelar a política e a democracia. “Esse desejo de tutela é ingênuo e infantil, na medida em que as pessoas se esquecem que, na democracia, o poder emana da vontade do povo expressa nas urnas, não da vontade dos juízes.”

Maria Luiza Quaresma Tonelli é graduada em Letras e Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, bacharel em Direito pela Universidade Potiguar – UNP e mestra e doutora em Filosofia pela Universidade de São Paulo – USP. O título de sua tese é A judicialização da política e a soberania popular. Atualmente realiza pesquisa sobre a judicialização da polícia nas democracias constitucionais e sua relação com o neoliberalismo. Escreveu o livro Judicialização da política, a ser publicado em breve pela Fundação Perseu Abramo.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – O que aproxima e o que dissocia decisões judiciais e decisões políticas como formas de solução de conflitos sociais? É da fusão das duas formas que se origina a judicialização? O que a senhora entende por judicialização?

Maria Luiza Quaresma Tonelli – Em primeiro lugar, é importante esclarecer que decisões judiciais e decisões políticas são formas distintas de tomada de decisões. Decisões judiciais se dão nos tribunais; monocraticamente, quando se trata de juízos de primeira instância, ou pelos colegiados, quando se trata de tribunais superiores. Decisões judiciais têm a ver com o Estado de Direito. Decisões políticas têm a ver com a democracia e são tomadas no parlamento, onde se tornam leis. Nas democracias, a tomada de decisões baseia-se no princípio da maioria, no debate aberto entre os iguais, nas assembleias eleitas pelo voto popular. Por isso a soberania popular é o fundamento da democracia, uma vez que a legitimidade do poder político decorre do voto popular e direto. Na democracia representativa, o poder é exercido pelos representantes eleitos em nome do povo. Nos tribunais, as decisões são tomadas por magistrados, ou concursados ou por indicação política, no caso dos tribunais superiores. Magistrados, como não são eleitos pelo povo, não são representantes políticos. Representam o Estado, ou mais precisamente, o Estado de Direito.

Decisões judiciais e decisões políticas são, portanto, formas distintas de solução de conflitos. Então, não podemos falar em fusão dessas duas formas distintas de decisão de conflitos, uma vez que, em um regime onde há separação de poderes, nenhum poder pode ultrapassar os limites de suas respectivas competências. A judicialização da política não se origina de uma suposta fusão das decisões judiciais e políticas dos conflitos sociais, mas de uma invasão da política pelo Direito. Vale ressaltar que a judicialização da política não é um problema jurídico, mas um problema político. Não se trata de juízes ávidos por exercer o poder político invadindo a esfera da política. Não é disso que se trata quando se fala em invasão da política pelo Direito. Juízes não atuam de ofício. Só atuam quando provocados. A judicialização da política ocorre quando decisões que deveriam ser tomadas no parlamento são levadas pelos políticos aos tribunais. Não devemos confundir judicialização da política com ativismo judicial, decorrente da politização da justiça.

A judicialização da política significa tratar judicialmente questões que dizem respeito à tomada de decisões de competência do âmbito da política nas democracias. Judicializar significa tratar judicialmente, diz respeito a um julgamento legal. A invasão da política pelo Direito, que caracteriza a judicialização da política, é um fenômeno concernente à ocorrência de uma expansão global do poder judicial em andamento nos sistemas políticos do mundo globalizado nas democracias constitucionais. Tal fenômeno diz respeito à tensão entre a democracia e o Estado de Direito, ou seja, entre a política e o direito. A democracia não se reduz ao Estado de Direito. A democracia não pode ser confundida simplesmente como o regime da lei e da ordem, mas da lei, da ordem e dos conflitos. O conflito nas democracias é legítimo, uma vez que está sempre presente nas sociedades democráticas, considerando a sua pluralidade e complexidade. Democracia é o regime dos direitos e da luta por novos direitos. Democracia é dissenso a priori. O consenso apenas se dá a posteriori no diálogo pela via da política.

O recurso aos tribunais para resolver problemas políticos, antes que se esgotem todas as possibilidades de diálogo, é um atalho antidemocrático no sentido de que há uma transferência de responsabilidade da política para o poder judicial sem a autorização do povo, o legítimo detentor do poder. Representação política é o exercício de um poder legitimado e autorizado pelo voto da soberania popular, não um cheque em branco.

Em que medida é possível afirmar que a judicialização reduz o conceito de democracia, resignando-o apenas à ideia de Estado de Direito?

Considerando que o termo povo representa o sujeito das decisões nas democracias, segundo a regra da maioria, em que as decisões são tomadas pelo poder majoritário (Legislativo), no Estado de Direito democrático, as maiorias ocasionais não podem cercear nem violar os direitos das minorias. É legítimo, portanto, que as minorias recorram ao poder não majoritário (Judiciário) a fim de que vejam atendidas as suas reivindicações ou a garantia de seus direitos. Questões polêmicas que dificilmente seriam decididas no parlamento, principalmente aquelas que envolvem a moral, têm sido judicializadas. Exemplo disso são as decisões tomadas pelo Supremo Tribunal Federal – STF nos julgamentos referentes às células-tronco, à união civil entre pessoas do mesmo sexo, à interrupção da gravidez de fetos anencéfalos, entre outras.

O que se questiona diante do fenômeno da judicialização da política é o processo de despolitização da democracia, quando setores conservadores da sociedade e da política defendem a supremacia judicial em detrimento do poder político, o que contribui de forma significativa para fortalecer a ideia conservadora de que a democracia é simplesmente o regime da lei e da ordem, excluindo e até criminalizando os conflitos sociais, inerentes a qualquer sistema democrático. A legitimidade da democracia decorre da política, não dos tribunais, uma vez que são as decisões políticas emanadas do parlamento que dão origem às normas jurídicas. Nesse sentido, o que legitima o direito não é o poder estatal, mas da soberania popular. Direta ou indiretamente, todos os poderes exercidos na democracia constitucional têm origem na soberania popular. A investidura de cargos políticos e o exercício do poder dos representantes do povo decorre do fator que é legitimador do exercício do poder político: a eleição direta pelo povo.

Portanto, vale retornar ao problema da tensão entre democracia (política) e direito. O termo democracia constitucional se constitui num paradoxo, por abrigar conceitos que mostram uma contradição inerente, como afirma Cristina Foroni Consani em O paradoxo da democracia constitucional: “Enquanto o primeiro remete ao ideal de autogoverno do povo ou de soberania popular, o segundo simboliza o próprio limite à ação política do povo cujo objetivo é preservar tanto direitos fundamentais quanto procedimentos democráticos de alterações promovidas pelas paixões não razoáveis da maioria”.

O grande desafio nas modernas democracias constitucionais é saber como podemos chegar a um modelo de democracia representativa que esteja realmente aberta à participação popular sem que a ação do povo através de movimentos sociais, populares, estudantis ou mesmo de entidades civis representativas não sejam criminalizadas quando, em situações de conflitos, eventualmente excederem os limites do Estado de Direito. Por isso, é fundamental que aprimoremos nossas práticas democráticas, em vez de cairmos na tentação de transferir a credibilidade e a responsabilidade da política para outras instituições, como o Poder Judiciário, diante da descrença generalizada dos cidadãos em relação aos seus representantes e da crise do sistema político e partidário.

É necessário que não se confunda Estado de Direito com democracia. Afinal, todas as ditaduras do século 20 foram jurídicas, tendo um Poder Judiciário convalidando toda espécie de arbítrios praticados pelo Estado. É perfeitamente possível que um Estado possa organizar-se juridicamente sem que seja necessariamente democrático. Precisamos ter em mente que não é o Estado de Direito que faz a democracia, mas a democracia que faz o Estado de Direito ser democrático.

Num contexto histórico, como se dá a expansão do Poder Judicial no Brasil? Em que medida esse poder se expande a partir da inércia de outros poderes?

Em um sistema republicano, como é o caso do Brasil, os poderes têm suas competências claramente delimitadas e suas devidas responsabilidades, ou seja, todos aqueles que exercem o poder devem responder por seus atos. As instituições do sistema de justiça, como o Judiciário, o Ministério Público, a Advocacia-Geral da União, entre outras, eram mais ou menos invisíveis antes da Constituição de 1988, pois sua atuação era mais voltada para a técnica. Contudo, após sua promulgação, a Constituição adquiriu uma centralidade muito importante, que se constitui num fenômeno identificado como a constitucionalização das relações sociais, que ampliou o escopo de atuação dessas instituições e, muito especialmente, do Ministério Público e do Judiciário. Um protagonismo que se estendeu a questões políticas, tanto no sentido de solucionar conflitos relacionados a políticas de saúde, educação etc., quanto naqueles conflitos de viés político estrito, como foram as decisões do STF sobre cláusula de barreira, sobre a lei da Ficha Limpa, pertencimento do mandato parlamentar, financiamento empresarial de campanhas e, especialmente após o julgamento da Ação Penal – AP 470, o chamado Mensalão, e, atualmente, com a Operação Lava Jato, no âmbito da primeira instância da Justiça Federal do Paraná, atuando nas investigações da corrupção praticada na Petrobras.

Como já foi dito anteriormente, o Poder Judicial é não majoritário, mesmo que as decisões do colegiado obedeçam à regra da maioria. Porém, apesar de não ser um poder propriamente político, suas decisões têm consequências políticas. Quando o protagonismo judicial, característico do Estado de Direito nas democracias constitucionais, se transforma em hegemonia do Poder Judiciário, a judicialização da política e o ativismo judicial, juntos, podem nos levar a uma juristocracia, ou seja, ao “governo de juízes”. Um poder que se coloca acima dos outros, sem controle.

A expansão do Poder Judicial nas democracias constitucionais é um fenômeno global. Dado que a judicialização da política não é um problema judicial, mas essencialmente político, são as condições políticas que favorecem a expansão judicial. Não podemos dizer que tal poder se expande exclusivamente da inércia dos poderes políticos, mas quando uma instituição majoritária, como o Poder Legislativo, sequer debate questões polêmicas como o aborto, inevitavelmente elas acabam chegando aos tribunais. A descriminalização do aborto, em uma democracia, deve ser tratada como questão política, como um direito reprodutivo das mulheres e, acima de tudo, como um problema de saúde pública, não como um problema moral. A moral proíbe, diz o que não fazer. A política diz o que fazer, uma vez que é a esfera dos direitos, da liberdade e da igualdade.

Instituições majoritárias ineficazes também favorecem a judicialização da política quando as oposições políticas ou os grupos de interesses, ao encontrarem dificuldades para a solução de conflitos ou de atendimento de reivindicações no parlamento, levam para os tribunais aquilo que deveria ser deixado para a esfera dos processos de tomada de decisão majoritária, restando ao Poder Judicial colocar fim aos conflitos.

Qual o peso dos meios de comunicação de massa no processo de judicialização? No caso específico da Operação Lava Jato, como a senhora analisa a relação imprensa, Judiciário e Ministério Público?

O papel dos meios de comunicação de massa nas democracias ocidentais como forma de controle político é um dos temas mais debatidos na atualidade. O papel da imprensa em qualquer sociedade realmente democrática, no desempenho de sua função de informar a fim de contribuir para que o cidadão possa formar sua opinião e assim possa fazer suas escolhas e decisões políticas, deveria pautar-se pela ética jornalística, uma vez que a liberdade de imprensa e o direito à informação são duas faces da mesma moeda.

Todavia, ocorre que os meios de comunicação de massa nas democracias do mundo capitalista são majoritariamente empresas privadas, submetidas à lógica do mercado e do lucro. Mas não é só isso. Grupos de mídia exercem forte influência política, desempenhando o papel de verdadeiro partido político na defesa de interesses da classe que detém o poder econômico. No Brasil, onde a chamada grande mídia está concentrada nas mãos de pouco mais de meia dúzia de famílias, podemos dizer que ela se constitui no instrumento de poder da classe dominante, a que tem a força econômica e o poder financeiro. Deste modo, o discurso da defesa da liberdade de expressão e de imprensa como garantia da democracia não se sustenta diante dos padrões de manipulação a que submetem aqueles a quem deveriam informar. Na democracia do capitalismo globalizado, a liberdade de imprensa tornou-se liberdade de empresa.

No que se refere ao peso dos meios de comunicação de massa no processo de judicialização da política, podemos dizer que o sistema de mídia exerce um papel fundamental, levando em conta que a criminalização da política é consequência da judicialização. A chave para entender isso é a seguinte: o debate político, hoje, se reduz ao tema da corrupção. Nada é mais importante do que isso. O cidadão é bombardeado dia e noite, dia após dia, com notícias sobre casos de corrupção que são transformados em escândalos. Não se trata aqui de negar que a corrupção existe e que não deva ser combatida. O problema é a seletividade da mídia na divulgação dos casos de corrupção. Claro que a corrupção pode dar origem ao escândalo político, mas as atividades corruptas só podem se tornar foco de escândalo se elas se tornarem conhecidas e amplamente divulgadas. A corrupção tem que se tornar pública para se tornar um escândalo e para isso é fundamental o discurso infamante, o linchamento moral de pessoas públicas ou de partidos políticos.

A partir daí, o julgamento moral substitui o julgamento político. Fazer com que o cidadão avalie a política com critérios exclusivamente morais é fundamental quando se pretende atacar o adversário ou desestabilizar um governo. O adversário político é transformado em inimigo a ser combatido ou mesmo eliminado da cena política. O recurso à condenação moral através da imprensa para derrubar presidentes é historicamente conhecido no Brasil. Foi assim com Getúlio Vargas, com João Goulart e com Dilma Rousseff, bem como agora ocorre em relação ao ex-presidente Lula, a fim de inviabilizar qualquer possibilidade de sua eventual candidatura à presidência da República.

Nesse contexto, digamos que a relação imprensa, Judiciário, Ministério Público e Polícia Federal contribuiu de maneira surpreendente para o “sucesso” da Operação Lava Jato perante a opinião pública, influenciada pela opinião publicada nos meios de comunicação de massa, que aos poucos vai favorecendo a formação de uma cultura da punição. O ódio numa sociedade que se caracterizava pela tolerância, pelo menos aparentemente, decorre da sanha punitiva promovida pelos meios de comunicação, através de jornalistas, de programas de entrevistas, de comentaristas políticos e, principalmente, dos telejornais. Causa espanto ler, ouvir e ver profissionais da mídia dizendo que a sociedade “apoia” a Operação Lava Jato e que o clamor popular exige a punição dos acusados para que o país seja “passado a limpo”. Ora, qualquer aluno aprende no início do curso de Direito que nenhum juiz pode se deixar influenciar pelo clamor popular. Um dos princípios do exercício da magistratura é a imparcialidade nos julgamentos.

Em suma, ainda há muito que ser debatido sobre a relação entre a mídia e o sistema de Justiça quando tal relação beira a promiscuidade, destruindo os valores democráticos e corroendo os pilares do Estado Democrático de Direito.

A partir do cenário atual do Brasil, no contexto de impeachment, operação Lava Jato etc., é possível afirmar que vivemos em um estado de judicialização da vida? Por quê? E quais as consequências?

Não temo afirmar que o cenário atual do Brasil, no contexto do impeachment e da operação Lava Jato, tem uma profunda relação com o estado de judicialização da política e da vida dos cidadãos, considerando que a judicialização da política no Brasil atingiu patamares alarmantes nos últimos anos, servindo para consolidar a ideia de que a legitimidade da democracia decorre mais dos tribunais constitucionais do que da política, ou seja, da democracia como poder do povo exercido pelos representantes eleitos.

O que teria a ver o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff com a judicialização da política? Podemos afirmar que tal fato decorreu, em grande medida, de um processo de criminalização de um governo, de uma governante, de seu partido político e da própria política, uma vez que a criminalização da política é consequência da judicialização. Costumo dizer que tal processo de impeachment foi o ápice da judicialização da política neste país, onde sua mandatária maior foi impedida de terminar seu mandato em razão de uma condenação sem que a prática de crimes de responsabilidade tivesse sido comprovada. Se tivessem provas e convicção do cometimento dos crimes a ela imputados, por acaso teriam mantido seus direitos políticos preservados?

É preciso esclarecer que impeachment, palavra da língua inglesa que significa impedimento ou impugnação do mandato, é o termo utilizado para o processo constitucional a fim de que se obtenha a antecipação do final do mandato de um presidente pelo Congresso Nacional. A Constituição Federal de 1988 elenca de forma taxativa os motivos pelos quais o presidente da república estará sujeito ao impedimento de seu mandato. Não se questiona, portanto, a legitimidade de um processo de impeachment em si mesmo, mas a condenação da presidente da República sem provas.

O impeachment é um processo jurídico-político. Jurídico porque no sistema presidencialista a cessação do mandato de um presidente, que é chefe de governo e de Estado, está sujeita ao que diz explicitamente a Constituição nos incisos do artigo 85 e definidos em lei especial. É jurídico porque tem uma base legal. É político por se tratar de um processo que tem início com a sua admissibilidade na Câmara dos Deputados, seu processamento e julgamento final no Senado Federal. Portanto, apesar de se tratar de um processo que necessita de condições políticas para que ocorra, não é verdade que seja um processo eminentemente político, como se a base legal fosse secundária. Nem a “voz das ruas”, nem a simples vontade da maioria dos parlamentares constituem motivos legítimos para cassar um mandato presidencial sem que um governante tenha cometido, com dolo, crimes que configurem atentado à Constituição Federal. Sem a prática de crime de responsabilidade devidamente comprovado, o impeachment é uma violação à Constituição e, portanto, ilegal e ilegítimo.

A não comprovação de crime de responsabilidade de uma presidente em nosso sistema presidencialista significou, além de uma injustiça praticada contra a mandatária maior da nação, a cassação da soberania popular. Portanto, um golpe contra a democracia. Um golpe com aparência de legalidade. Um golpe judicializado, diria. O atual momento político em que se encontra o país reflete uma verdadeira deterioração das instituições democráticas, bem como uma ameaça ao Estado Democrático de Direito.

A operação Lava Jato, que começou com as investigações para apurar um grande esquema de corrupção na Petrobras, aos poucos mostrou a sua verdadeira face. Uma operação realizada pelo sistema de Justiça, mas com viés político. Vazamentos de ligações telefônicas divulgados amplamente e à exaustão pela mídia, Globo à frente, prisões de pessoas para obter delações (premiadas ou forçadas?), denúncias do MP sem provas (via Power Point), como vimos em relação ao ex-presidente Lula, tornado réu com mais sete pessoas (inclusive sua esposa) pelo juiz Sérgio Moro. Enfim, tudo isso cai como uma luva para que a sociedade seja envenenada diariamente contra o PT, hoje rotulado como o “mal”, um partido tratado como uma “organização criminosa” por membros do MPF, do Judiciário e principalmente pela mídia.

Ora, nesse contexto de espetacularização do processo penal, o que a sociedade deseja? Punição, custe o que custar. Os fins justificam os meios. Deste modo, a pauta da política se reduz ao tema da corrupção. Nada mais conveniente para deslegitimar a política e legitimar a hegemonia do Judiciário. O ambiente perfeito para a judicialização de todas as esferas da vida numa sociedade que vê no Judiciário não o poder da tutela jurisdicional, mas como o poder que deve tutelar a política e a democracia. Esse desejo de tutela é ingênuo e infantil, na medida em que as pessoas se esquecem de que, na democracia, o poder emana da vontade do povo expressa nas urnas, não da vontade dos juízes.

As consequências dessa total judicialização são várias, mas cito aqui apenas a principal: o processo de fascistização da sociedade, que hoje enxerga a política como uma atividade “suja”, que julga os políticos como se todos fossem corruptos e, o mais preocupante de tudo, que é a visão do outro como inimigo a ser desqualificado, combatido e até perseguido. Esse outro pode ser um vizinho, um amigo, um colega de trabalho, até um parente. Nesse sentido, tenho observado que as relações sociais estão cada vez mais hostis, com tamanho esgarçamento do laço social. É uma sociedade autoritária e de alto risco.

É possível afirmar que o sistema Judiciário brasileiro, assim como os operadores do direito no país, são constituídos também sob influências da elite nacional? Como pensar num sistema judiciário que extrapole os conceitos de democracia e igualdade, primando pela redução das desigualdades?

O sistema judiciário, bem como o Ministério Público, é constituído de pessoas, na grande maioria, oriundas de classes privilegiadas. Chamo de privilegiados aqueles que tiveram acesso a boas escolas, com educação de qualidade desde o Ensino Fundamental até a universidade, acesso à cultura (livros, teatro, cinema etc.), saúde, excelente alimentação desde a infância, tempo livre para poder só estudar sem ter que trabalhar, que tiveram a oportunidade de viajar pelo Brasil e para outros países, enfim, pessoas que talvez nunca tiveram nenhuma experiência de penúria financeira, nem sequer tiveram qualquer proximidade com a miséria extrema, tampouco conhecem a realidade daqueles que saem para o trabalho quando o dia nem amanheceu, retornando a seus lares quando já é noite.

Sendo assim, quem tem mais chance de passar em um concurso para juiz e para o Ministério Público? Certamente os que estão distantes da realidade da pobreza e das injustiças sociais em um país dividido entre o privilégio e a carência. Assim, as carreiras jurídicas são compostas por pessoas da elite nacional, seja ela econômica, seja a elite cultural.

Não digo que todos os que chegam a ocupar essas carreiras sejam conservadores e que não sejam dotados de um sentimento de solidariedade social, mas sabemos que a cabeça pensa a partir de onde os pés pisam. Quando entram nos cursos de Direito, começam a se preocupar com a aprovação nas provas da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, em fazer concursos para a Magistratura ou para o Ministério Público. Pouco tempo os cursos de Direito destinam a uma formação humanista para que os alunos possam formar um pensamento crítico a respeito da democracia, da política, da realidade social e até mesmo do Direito. Formam pessoas para serem “operadores do Direito”, não para serem juristas.

Então, penso que um sistema de Justiça que contribua para a redução da desigualdade passa, necessariamente, primeiro por uma profunda revisão dos cursos de Direito a fim de formar profissionais e cidadãos realmente preparados para o desempenho responsável do papel que lhes compete em suas carreiras, contribuindo para que possamos viver em uma sociedade menos competitiva, mais solidária, democrática e justa.

Como compreender o conceito de foro privilegiado no sistema Judiciário do Brasil? Em um país com tantas desigualdades, o foro privilegiado não cria uma espécie de duas Justiças?

O foro privilegiado é um assunto polêmico, sobre o qual não há consenso. Previsto constitucionalmente, trata-se de um direito de determinadas autoridades serem julgadas apenas em cortes especiais, ou superiores. Não se trata propriamente de um privilégio atribuído a certas pessoas, mas do direito de serem julgadas em foros especiais em razão da função que ocupam. O nome correto desse direito atribuído às autoridades é foro por prerrogativa de função. A polêmica que envolve o tema diz respeito diretamente ao preceito constitucional que afirma a igualdade de todos os cidadãos perante a lei. Os que são contra afirmam que no Estado de Direito as autoridades não estão acima do cidadão comum, que é julgado originariamente por juízes de primeira instância. Afirmam também que o foro privilegiado favorece a impunidade. Tal foro garante aos ocupantes mandatários do governo, do Legislativo, do Poder Judiciário e do Ministério Público o direito de serem processados originariamente perante os tribunais, não em primeira instância.

Quando o instituto foi criado, o que se buscava era proteger o mandato, o exercício da função de determinada autoridade, quando submetida a julgamento, daí o termo correto ser foro por prerrogativa de função. Os que defendem o instituto entendem que o foro privilegiado não configura um privilégio pessoal outorgado à autoridade, mas uma prerrogativa funcional destinada a resguardar o regular exercício do cargo público. Os que defendem sua extinção dizem que o foro privilegiado não passa de uma proteção para aqueles que têm mais poderes, devendo ser o contrário, pois quanto maior o poder, maior deve ser a responsabilidade do agente público e, ainda, que a pena deve ser maior quanto mais grave for o delito a fim de “servir de exemplo” para todos aqueles que lidam com o bem público em geral.

Representantes de associações de juízes e procuradores defenderam o fim do foro privilegiado para autoridades em audiência pública na Comissão de Constituição e Justiça – CCJ da Câmara dos Deputados. Ora, o foro privilegiado para autoridades políticas é uma adaptação da garantia que se desenvolveu para juízes e membros do Ministério Público. Por que defendem sua extinção apenas para agentes políticos? Se querem eliminar o foro privilegiado, a iniciativa deveria ser do Judiciário, pelo STF, e do procurador-geral da República, que detêm as respectivas iniciativas legislativas, fazendo com que juízes e membros do Ministério Público respondam por seus crimes em juízo de primeira instância. Por trás do discurso do combate à impunidade de atos delituosos de agentes públicos, repousa uma clara cultura punitivista e seletiva, na medida em que a extinção do foro por prerrogativa de função é direcionada aos agentes públicos, os mais sujeitos a toda a ordem de perseguição, exatamente em razão de cargos que ocupam, preservando o foro privilegiado aos juízes e membros do Ministério Público.

Então pergunto: em que medida juízes e membros do Ministério Público são mais honestos, íntegros e cônscios de sua responsabilidade no exercício do poder do que os agentes do poder político? Em que medida as funções da magistratura e do Ministério Público estão acima dos cargos políticos para que seus membros continuem exercendo o direito ao foro privilegiado? Ora, se querem a extinção do foro privilegiado, o correto seria o Judiciário e o Ministério Público começarem por dar o exemplo.

Como avalia os métodos e estratégias empregados na Operação Lava Jato? Que mudanças esse modus operandi da operação pode deixar ao sistema Judiciário brasileiro? E o que isso representa em termos de avanços e retrocessos?

Não sou especialista na área penal. Posso opinar somente sobre os métodos empregados pela Operação Lava Jato com base no que tenho observado através da mídia escrita e televisiva e no que tenho lido em artigos publicados por criminalistas e constitucionalistas, que têm demonstrado enorme preocupação em relação à espetacularização do processo penal, bem como no que se refere às violações aos direitos e garantias individuais. Essa operação, levada a cabo na Justiça Federal do Paraná, no início mostrou-se como uma necessária medida para investigar e punir os envolvidos num grande esquema de corrupção na Petrobras. De um lado, altos funcionários da empresa – os corruptos – e, de outro, empresários das empreiteiras – os corruptores. Recursos desviados, tanto para o enriquecimento ilícito de funcionários, como para financiar campanhas políticas, fato este que demonstrou o quanto era necessário acabar com o financiamento empresarial de campanhas políticas no Brasil.

Quem vota nas urnas é o cidadão, que escolhe seus representantes a fim de que, no exercício do poder, defendam o interesse público, o interesse da população, como saúde, educação, transporte público, moradia, enfim, tudo aquilo que diga respeito à coletividade e que traga benefícios aos cidadãos na forma de fruição de direitos. Quem vota nas urnas é o cidadão, a pessoa física portadora de um CPF, não a pessoa jurídica que tem um CNPJ. Empresas, ao financiarem campanhas, esperam a contrapartida daqueles que conseguiram ajudar a eleger. Empresas existem primeiramente para obter lucro, não para gerar empregos. Quando investem em qualquer coisa, é porque querem o retorno do dinheiro investido mais o lucro. Por que seria diferente quando investem em campanhas políticas? Empresas não votam, mas elegem através do dinheiro. Não é por acaso que as grandes bancadas no Congresso, eleitas pelo poder do dinheiro, representam mais os interesses de seus financiadores do que os interesses da cidadania que vota nas urnas.

Então, quando surgiu a Lava Jato desbaratando o esquema de corrupção destinada ao financiamento empresarial de campanhas, podemos dizer que em dado momento contribuiu para a sua proibição a partir das eleições de 2016, embora já esteja havendo uma movimentação no Congresso no sentido de permitir a volta do financiamento empresarial das campanhas eleitorais. Por acaso, alguém viu algum discurso indignado na mídia, que só fala em corrupção, em relação a isso?

A Lava Jato hoje é alvo de muitas críticas por ter se tornado uma operação que, em vez de investigar e punir os culpados por corrupção na Petrobras, foi transformada numa operação de combate à corrupção, pela qual os fins justificam os meios, através de práticas arbitrárias por parte da Polícia Federal, do Ministério Público e do próprio juiz Sérgio Moro. Posso estar enganada, mas não me consta que isso seja tarefa exclusiva de um juiz, do Ministério Público e da Polícia Federal. A corrupção é crime e, como tal, quem deve ser punido é quem pratica tal delito, ou seja, o corrupto e o corruptor. Mas a mídia, manipuladora, transformou o juiz Sérgio Moro (premiado pela Globo) em um herói nacional, capaz de acabar com a corrupção no país. Ora, nenhum juiz pode “combater” a corrupção, da mesma forma que não “combate” o homicídio ao punir o homicida. No máximo, podemos dizer que pode contribuir para a mudança de certas práticas, na medida em que a punição tem caráter pedagógico, nos limites da lei e com o respeito aos direitos fundamentais dos indivíduos.

O modus operandi da Lava Jato não condiz com o que se espera do sistema de Justiça no Estado de Direito democrático e, infelizmente, trará consequências que talvez ainda não sejamos capazes de prever. Tais consequências dizem respeito ao Estado, à democracia e à sociedade, que cada vez mais é influenciada pela mídia, que promove a sanha punitiva. É um equívoco, por exemplo, acreditar que a prisão de grandes empresários e políticos irá acabar com a impunidade. Ora, se tais pessoas que podem dispor dos melhores criminalistas para sua defesa estão tendo seus direitos individuais violados, imagine-se o endurecimento do sistema de Justiça quando se tratar de cidadãos comuns, principalmente os das frações mais pobres da sociedade.

Além do mais, o Brasil não é o país da impunidade. Basta conferir o número da população carcerária em nosso país. O Brasil é o país da desigualdade. Em termos de avanços, ainda não vejo nada na Operação Lava Jato. Em termos de retrocessos, só poderemos avaliar com as consequências que estão por vir. Temo que uma delas seja o Estado autoritário.

Como analisa o sistema de regulação do Judiciário e do Ministério Público? Quais as necessidades de promover uma reforma em todo sistema jurídico do país? E de que ordem seria essa reforma?

O sistema de regulação do Judiciário e do Ministério Público no Brasil é escasso e prima pela ineficácia. O controle interno, feito essencialmente pelas corregedorias, é frágil, e o controle feito pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ, embora tenha sido um pouco mais efetivo em alguns momentos, ainda depende da vontade de quem o preside e de seus conselheiros, ou seja, não é uma política institucionalizada. O mais grave, contudo, é que não há corregedorias para o segundo grau e para os tribunais superiores, de maneira que apenas os juízes de primeiro grau podem sofrer processos administrativos. As sanções disciplinares também são muito brandas (a mais grave é a aposentadoria compulsória), e as penais simplesmente não são aplicadas. De forma geral, o controle é frágil e ineficiente. Falta accountability ao Judiciário. Executivo e Legislativo são controlados pelas eleições, pelos tribunais de contas e também pelo próprio Ministério Público e pelo Judiciário, mas estes ninguém controla.

Sem dúvida, há uma grande necessidade de promover uma reforma em todo sistema judicial do país. Embora o Judiciário e o Ministério Público no Brasil estejam muito bem estruturados, ao contrário da maioria dos países latino-americanos, a questão central no Brasil não é se eles são independentes, mas se eles (juízes, desembargadores, ministros, promotores e procuradores) não seriam independentes em excesso. Quando digo bem estruturados, quero dizer que há capilaridade (de maneira geral, salvo exceções, está distribuído em todo o território nacional), seus funcionários são os mais bem pagos entre os três poderes, o orçamento é crescente e a infraestrutura para o trabalho é muito boa. Há uma demanda crescente por justiça no país e problemas crônicos, como o aumento da demanda e o tempo de duração dos processos. A correção desse exponencial aumento de demandas implicaria em uma opção mais clara para o tipo de “público”, o tipo de demanda e o resultado que se pretende oferecer. Hoje, praticamente dois terços de todos os processos que correm na Justiça, em todos os níveis, tem o Estado ou agentes financeiros como parte autora ou ré.

É difícil responder neste espaço em termos de que ordem seria tal reforma, mas quero me centrar aqui em duas questões. Para que essa independência não se transforme em irresponsabilidade, é preciso haver mecanismos efetivos de controle interno (dentro das próprias instituições), hoje existente, mas muito fraco, como já disse antes; também o controle externo (dos demais poderes e da sociedade sobre o judiciário e Ministério Público). Nas democracias constitucionais, essa questão tem sido tratada sob o viés da accountability: um poder de Estado deve ser transparente e prestar contas de seus atos à sociedade. A accountability pode ser legal (jurídica), política ou social, mas, no caso do Judiciário e do MP, ela não é eficiente em nenhuma dessas modalidades.

Outra ordem de mudanças diz respeito ao processo de seleção, recrutamento e promoção de juízes, promotores e procuradores. No Brasil, temos um processo seletivo muito rigoroso e, via de regra, bastante sério. Contudo, o tipo de seleção favorece o candidato que melhor decora ou conhece a lei, além de privilegiar um tipo específico de candidato – jovem, de classe média, urbano, formado em instituições mais bem avaliadas, enfim, todos com um conhecimento bastante homogêneo e, normalmente, sem grande experiência de vida, justamente por sua juventude, com pouca maturidade. O juiz ou promotor, hoje, passa em um concurso muito jovem, sem experiência de vida, e pode ter dificuldades em avaliar de forma mais madura os conflitos familiares, violência doméstica, superendividamento, questões penais etc. Entram, contudo, com remuneração muito alta, se comparada à média de sua idade, e detêm um poder sem a contrapartida da responsabilidade. Isso é muito preocupante.

Sei que há várias propostas sendo discutidas, como eleição, sistema de avaliação continuada, exigência de prática anterior, ingresso do juiz ou promotor, primeiro, como assistente e depois por estágio até tonar-se juiz ou promotor pleno (com remuneração progressiva), práticas de vivência anterior etc.

Uma terceira ordem de mudança diz respeito à racionalização do sistema e ao alargamento de mecanismos extrajudiciais (fora do Judiciário) para a solução de determinados tipos de conflito, o que implicaria em uma revisão bastante forte dos próprios currículos e do ensino jurídico, e a abertura do papel de “pacificador” a líderes comunitários, sociólogos, psicólogos, assistentes sociais, formados fora de uma cultura adversária e punitivista.

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Penso que o debate sobre o tema da judicialização da política é necessário e de extrema importância, dentro dos partidos políticos, entre os jovens, as militâncias e na sociedade. A judicialização da política é um fenômeno que deve ser tratado como um problema que ameaça não só a democracia, mas o Estado Democrático de Direito. A promoção de uma cultura dos direitos não pode ser confundida como a cultura do direito. Quando o direito, através do sistema de Justiça, substitui a política, a soberania popular é mitigada, e a democracia perde seu verdadeiro sentido.

Devemos pensar sobre a política sob a ótica da reflexão ética, que exige o exercício do pensamento, não da moral individual ou de grupos, para que ela não se imponha de modo a impedir que as pessoas tenham seus direitos cerceados ou violados e que possam ser livres para escolher o que é melhor para suas vidas. Se não tivermos clareza disso, estaremos dando espaço para o avanço cada vez maior do conservadorismo social e político, que dá margem ao preconceito, às várias formas de discriminação, à xenofobia, ao racismo, à violência física e simbólica, impedindo as condições de sociabilidade.

É preciso discutir a democratização da mídia para que ela não seja um instrumento contra a democracia e a serviço do mercado. É necessário e urgente o debate sobre o exato papel das instituições do sistema de Justiça para combater o autoritarismo e a violência policial. Não enfrentaremos os problemas da violência contra a mulher, o bullying nas escolas, a homofobia e tantos outros se não promovermos uma cultura dos direitos humanos e se não ensinarmos desde cedo às crianças e aos jovens os valores da igualdade, da liberdade e da solidariedade. Somente por esse meio seremos capazes de avançar no processo civilizatório, pois precisamos ter em mente que os avanços sociais e políticos são difíceis, mas os retrocessos podem se dar da noite para o dia. Ou escolhemos este caminho ou caminharemos para a barbárie.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

João Vitor Santos

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