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Todos perdem na guerra pelas hidrelétricas amazônicas

Revista Diálogos do Sul

Tradução:

Mário Osawa*

  Pedro Bara explica a indígenas e ativistas a ferramenta desenvolvida pelo WWF para orientar negociações diante do avanço de hidrelétricas e outros grandes projetos na Amazônia. Foto: Cortesia Denise Oliveira/WWF Iniciativa Amazônia Viva

Na guerra pelas grandes centrais hidrelétricas na Amazônia todos perdem, inclusive os vencedores que conseguem construí-las, mas com atrasos, custos desproporcionais e danos à sua imagem. “A polarização empobrece o debate” sobre o aproveitamento e a conservação dos recursos naturais, afirma nesta entrevista Pedro Bara, líder de Estratégia de Infraestrutura na Iniciativa Amazônia Viva, do Fundo Mundial para a Natureza (WWF).

O WWF se destaca por buscar saídas negociadas para a disputa entre a lógica econômica e a natureza. No caso das hidrelétricas, propõe um diálogo para resolver enfrentamentos entre os empreendedores, incluído o governo e uma variada oposição de afetados, movimentos sociais, indígenas e ambientalistas.

O objetivo seria traçar uma estratégia para a Amazônia, ou pelo menos para bacias hidrográficas inteiras, superando o enfoque projeto a projeto, sem parâmetros validados. Para isso, o capítulo brasileiro do WWF desenvolveu uma ferramenta baseada em estudos científicos, que permite ter uma ideia do que é necessário preservar de águas e biodiversidade para manter vivo o sistema amazônico.

IPS: Como proteger a natureza amazônica diante do avanço de hidrelétricas, gado, soja, madeireiras, mineração e estradas?

Pedro Bara: Há seis anos nos perguntamos o que precisaríamos para conservar a Amazônia daí em diante. Não é 100% do que resta hoje, mas tampouco pode ser tudo para o desenvolvimento. Se conhecêssemos toda a biodiversidade seria fácil definir áreas prioritárias. Mas a informação sobre biodiversidade amazônica não oferece dados suficientes. No máximo, creio que conhecemos 40% do total. Nos vimos obrigados a inferir a biodiversidade por meio da heterogeneidade do meio ambiente. Ambientes diferentes terão espécies diferentes. Se faz uma aproximação. Fizemos vários testes em Madre de Dios (sudeste do Peru) sobre como planejar a conservação da água em áreas pobres de dados. Concluímos que cruzando declive com escorrimento superficial e fluxo de água, vegetação e origem de água, se consegue uma boa explicação sobre a heterogeneidade aquática e classificação dos rios por segmentos. Expandimos esse modelo para a bacia amazônica inteira.

Escolheram Madre de Dios porque sua ecologia é representativa da Amazônia?

Não. Escolhemos por ter características bastante diferentes. Se fosse homogênea não serviria. Tínhamos que trabalhar com bastante diversidade de ambientes para provar vários modelos e escolher o melhor para aplicar em toda a Amazônia, onde identificamos 299 tipos de ecossistemas aquáticos. Ao mesmo tempo, a The Nature Conservancy e a NatureServe (entidades criadas por cientistas norte-americanos) desenvolveram um modelo de heterogeneidade terrestre baseado em relevo, tipo de solo, vegetação e clima. Identificaram 423 ecossistemas terrestres na Amazônia. Conclusão: este bioma é mais diverso do ponto de vista terrestre do que aquático. Também é uma aproximação, porque há espécies animais que se movimentam muito. Contudo, com os dois modelos posso decidir o que conservar. Se posso conservar uma amostra representativa, funcional e resistente dos 299 tipos aquáticos e 423 terrestres, teoricamente conservo a heterogeneidade e a biodiversidade amazônicas.

Mas, como escolher as áreas prioritárias?

Pela melhor relação custo-benefício, minimizando a área em uma decisão puramente econômica.

Como são medidos o custo e o benefício?

Benefício é oportunidade, por exemplo, as áreas protegidas e terras indígenas, onde é menor o custo de conservar. Custo é ameaça: desmatamento e avanço de fronteira agrícola e pecuária são os custos terrestres. O modelo escolhe dentro da mesma classe de ecossistema a área mais distante dessas ameaças que aumentam os custos de conservação. Trata-se de um software montador de quebra-cabeça de milhares de microbacias, cada uma com seus atributos, como pertencer a este ou aquele tipo aquático ou terrestre, a proximidade de caminhos ou seu nível de degradação atual.  Foge do vermelho, onde o custo é alto, e escolhe a mostra de ecossistema em área protegida. Há milhares de interações para indicar uma solução melhor. Não inventamos nada, usamos metodologias de trabalhos científicos. A Agência Nacional de Águas (ANA) fez um trabalho parecido, o “Plano Estratégico dos Rios da Margem Direita do Amazonas”, o que nos deu segurança. Mas há casos onde não tenho opções. O ecossistema aquático 214, por exemplo, só ocorre em um lugar. Se for afetado estará definitivamente perdido. É insubstituível. E há muitas áreas insubstituíveis.

Então, o que é que podem conservar?

Estabelecemos uma meta: conservar 30% de cada tipo de ecossistema. Mas é apenas um exercício, a solução depende de quem está na mesa discutindo os parâmetros. Trinta por cento dos ecossistemas aquáticos, mais 30% dos terrestres, teoricamente somam 60%, mas como há um pouco de superposição, cai para 55%. É razoável, porque hoje já temos 40% definido em unidades de conservação em terras indígenas. É um número arbitrário, mas com um valor técnico.

Um índice para marcar a negociação?

Começa por aí, chegamos à definição do que queremos em resposta ao desafio das hidrelétricas. Se estamos de acordo quanto a uma área ser conservada para o futuro é preciso que tenha uma conexão livre com o canal principal, o rio Amazonas, já que a bacia é única. A conservação depende da conectividade hídrica. Se o setor elétrico quiser represar todos os rios de uma bacia, o futuro de um Amazonas vivo estará comprometido. Porém, tudo é negociável, nossa ferramenta é para oferecer um diálogo, não uma solução pronta. É uma plataforma de avaliação estratégica para mirar o todo, contextualizar os projetos e decidir com melhores informações. Alguém pode introduzir amanhã a questão dos sítios arqueológicos, dos quilombolas (comunidades de descendentes de escravos fugitivos).

Como o governo reagiu diante dessa proposta?

A recepção é sempre boa, até que se toca em um interesse específico. Para nós, o ideal era discutir a bacia amazônica inteira, mas não conseguíamos organizar um fórum. O caminho se abriu por um decreto interministerial de dezembro de 2010, que criou um grupo de trabalho para “analisar aspectos ambientais e socioeconômicos” buscando “subsidiar a seleção de aproveitamentos hidroenergéticos”. Era o que queríamos. Por isso a Empresa de Pesquisa Energética do Ministério de Minas e Energia quis conhecer nossa ferramenta. Capacitamos pessoal dos ministérios. Fizeram suas análises, mas já se passaram dois anos. Por isso decidimos divulgar nossas propostas antes que avancem mais os projetos para o rio Tapajós.

E no setor privado houve alguma reação interessante?

Dirigentes de um banco internacional elogiaram nossas ideias, nos contando que morrem de medo de entrar em um projeto e depois ter de enfrentar uma manifestação na porta do banco. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) não poderá financiar tudo sozinho.

Pode citar um caso em que essa ferramenta tenha apontado melhores alternativas?

No rio Teles Pires (afluente do Tapajós) soube que se pensou construir uma única hidrelétrica maior do que a atual, a Teles Pires, sem as outras duas em preparação, São Manoel e foz do Apiacás. Poderia ter sido melhor, com mais potência e menos impacto acumulativo, além de uma represa plurianual. O rio tem uma barreira natural e o problema da conectividade não se apresenta de forma tão aguda. Existe o mito de que hidrelétricas pequenas têm menor impacto, mas com uma sucessão delas o ecossistema aquático é mais fragmentado.

*Especial de IPS para Diálogos do Sul


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

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