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Vanessa Martina Silva*
Na Argentina, 2014 é o Ano de Cortázar. Em 12 de fevereiro, completaram-se três décadas de sua morte e em agosto é celebrado o centenário de seu nascimento. O grande Cronópio, como é chamado por alguns fãs, foi enterrado na França ao lado da esposa, Carol Dunlop. Em seu túmulo, é comum lápis, cadernetas, flores, folhas e cartas ofertadas pelos fãs.
Julio Cortázar é um dos autores mais inovadores e originais de seu tempo. A narração breve, sem linearidade temporal de sua prosa poética e de suas novelas inaugurou uma nova forma de fazer literatura, oscilando entre a fronteira do real e do fantástico, transitando entre o realismo mágico e o surrealismo.
Precoce, começou a escrever com nove ou dez anos. Tamanha era a qualidade dos escritos daquele voraz leitor que chegou a levantar suspeitas em sua própria família sobre a autoria de seus textos. Também foi professor de literatura, dramaturgo, tradutor e escreveu poesias, textos humorísticos e ensaios.
Política
Sua visão sobre a literatura mudou duas vezes: a primeira quando descobriu, em uma livraria em Buenos Aires, a obra Ópio: diário de uma desintoxicação de Jean Cocteau, livro que lhe possibilitou o contato com o movimento surrealista. A segunda, ao tomar conhecimento da Revolução Cubana: “ela me mostrou de uma maneira cruel e que me doeu muito o grande vazio político que havia em mim, minha inutilidade política… os temas políticos foram entrando em minha literatura” (Cortázar em O fascínio das palavras).
Tornou-se um escritor engajado, o que o contrapunha a seu conterrâneo e prêmio Nobel de Literatura, Jorge Luis Borges. “O amor de Cuba por Che fez me sentir estranhamente argentino em 2 de janeiro, na saudação de Fidel na praça da Revolução ao comandante Guevara, onde quer que esteja, provocou em 300 mil homens uma ovação que durou dez minutos”, escreveu. Além de Cuba, viajou para o Chile, onde se solidarizou com o governo socialista de Salvador Allende.
No país de Sandino, recebeu a condecoração da Ordem da Independência Cultural Rúbem Darío e alguns de seus textos foram utilizados no processo de alfabetização do país durante a atuação do governo revolucionário. A partir de suas experiências nestas viagens, escreveu o livro “Nicarágua tan violentamente dulce”.
Cortázar doou os direitos autorais de várias de suas obras para ajudar os presos políticos e em 1984, doou os direitos de Los Autonautas de la cosmopista, que escreveu com sua esposa, Carol Dunlop, para a causa sandinista.
Suas obras foram traduzidas para vários idiomas. Rayuela — O Jogo da Amarelinha, em português — escrita em 1963 é, segundo o próprio Cortázar, uma contranovela com traduções em 30 idiomas diferentes, sendo sua obra mais conhecida.
O Jogo da Amarelinha é narrado de modo que a subjetividade do leitor interage com a história, evidenciando as relações entre literatura e realidade. A obra oferece várias leituras, é “um livro que é muitos livros”, mas é sobretudo dois. O primeiro é lido do começo até o capítulo 56. O segundo começa no capítulo 73 e ao final de cada capítulo tem a indicação de por onde se continua a leitura.
“De alguma maneira é a experiência de toda uma vida e a tentativa de levá-la à escrita”, disse Cortázar quando questionado sobre o quê O Jogo da Amarelinha significava para ele
O livro Histórias de Cronópios e de Famas, publicado em 1962 é uma espécie de reinvenção do mundo através de seus personagens os “cronópios”, os “famas” e as “esperanças” que traduzem, de certa forma, a psicologia humana.
Segundo o próprio Cortázar, os cronópios são criaturas verdes e úmidas, distraídas, cuja força é a poesia. Eles cantam como as cigarras, são indiferentes ao cotidiano, esquecem tudo, são atropelados, choram, perdem o que trazem nos bolsos e, quando saem em viagem, perdem o trem, chove a cântaros, levam coisas que não lhes servem. Os famas são organizados, práticos, prudentes, fazem cálculos e embalsamam suas lembranças. Quando fazem uma viagem, mandam alguém na frente para verificar os preços e a cor dos lençóis. Já as esperanças “são sedentárias e deixam-se viajar pelas coisas e pelos homens, e são como as estátuas, que é preciso ir vê-las, porque elas não vêm até nós”.
“Creio que, desde muito pequeno, minha infelicidade, e ao mesmo tempo minha felicidade, foi não aceitar as coisas como elas eram dadas. Não me bastava que explicassem que isso era umamesa, ou que a palavra mãe era a palavra mãe e aí se acabava tudo. Para mim, ao contrário, no objeto mesa e na palavra mãe começava um itinerário misterioso que às vezes me esclarecia e às vezes chegava a me estilhaçar. Em suma, desde pequeno, minha relação com as palavras, com a escrita, não se diferencia de minha relação com o mundo no geral. Eu pareço ter nascido para não aceitar as coisas tal como me são dadas.” (Cortázar)
Principais Obras:
- Presencia, 1938 (sonetos) (Sob o pseudônimo Julio Denis)
- La otra orilla, 1945.
- Los reyes, 1949 (teatro) (Os Reis)
- Bestiario, 1951 (cuentos) (Bestiário, 1986, Rio de Janeiro: Nova Fronteira)
- Final del juego, 1956 (cuentos) (Final de Jogo)
- Las armas secretas, 1959 (cuentos) (As Armas Secretas, 1994, Rio de Janeiro: José Olympio). Faz parte desse livro o conto Las babas del diablo (As Babas do Diabo), que inspirou Antonioni para o filme “Blow-up”.
- Los premios, 1960 (novela) (Os Prêmios, 1983, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira)
- Historias de cronopios y de famas, 1962 (misceláneas) (Histórias de Cronópios e de Famas, 1964, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Valise de Cronópio, 1974, São Paulo: Perspectiva)
- Carta a una señorita en París, 1963
- Rayuela, 1963 (novela) (O Jogo da Amarelinha, 1994, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira)
- La autopista del Sur, 1964
- Todos los fuegos el fuego, 1966 (cuentos) (Todos os Fogos o Fogo, 1994, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira)
- La vuelta al día en ochenta mundos, 1967 (cuentos).
- El perseguidor y otros cuentos, 1967 (cuentos).
- Buenos Aires, Buenos Aires, 1967
- 62/modelo para armar, 1968 (novela) (62/ Modelo para Armar)
- Casa tomada, 1969.
- Último round, 1969.
- Relatos, 1970.
- Viaje alrededor de una mesa, 1970.
- La isla a mediodía y otros relatos, 1971.
- Pameos y meopas, 1971 (poemas).
- Prosa del observatorio, 1972 (Prosa do Observatório, 1974, São Paulo: Perspectiva)
- Libro de Manuel, 1973 (novela) (O livro de Manuel, 1984, Rio de Janeiro: Nova Fronteira)
- La casilla de los Morelli, 1973.
- Octaedro, 1974 (cuentos) (Octaedro, 1986, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira)
- Fantomas contra los vampiros multinacionales, cómic, 1975.
- Estrictamente no profesional, 1976.
- Alguien que anda por ahí, 1977 (cuentos) (Alguém que anda por aí, 1981, Rio de Janeiro: Nova Fronteira)
- Territorios, 1979 (cuentos).
- Un tal Lucas, 1979 (cuentos) (Um tal Lucas, 1982, Rio de Janeiro: Nova Fronteira)
- Queremos tanto a Glenda, 1980 (cuentos) (Um dos contos foi publicado no Brasil, sob o título Orientação dos Gatos, 1981, Rio de Janeiro: Nova Fronteira)
- Deshoras, 1982 (cuentos) (Fora de Hora, 1984, Rio de Janeiro: Nova Fronteira)
- Los autonautas de la cosmopista, 1982 (Os Autonautas da Cosmopista) – Em colaboração com Carol Dunlop, sua companheira.
- Nicaragua tan violentamente dulce, 1983 (Nicarágua tão Violentamente Doce, 1987, São Paulo: Brasiliense)
- Silvalandia (baseado em ilustrações de Julio Silva), 1984.
- Salvo el crepúsculo, 1984 (poesía).
- Divertimento, 1986 (obra póstuma) (Divertimento)
- El examen, 1986 (novela, obra póstuma) (O Exame Final, s.d., Rio de Janeiro: José Olympio)
- Diário de Andrés Fava, 1995 (Diário de Andres Fava, s.d., Rio de Janeiro: José Olympio)
- Adiós Robinson y otras piezas breves (teatro), 1995 (Adeus, Robinson e Outras Peças Curtas, 1997, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira)
- Obra Crítica, editada em 1998, no Rio de Janeiro: Civilização Brasileira
- Cartas a los Jonquieres 2010
Fontes:
Latinoamericana – Enciclopédia Contemporânea da América Latina e do Caribe; Wikipédia e Telám.