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Trump contra América Latina: o retorno do grande porrete

Revista Diálogos do Sul

Tradução:

O Departamento de Estado não designou nenhum embaixador na América Latina desde a posse de Trump, medida que caracteriza uma espécie de desprezo.

Jorge Elbaum*

Donald Trump
Donald Trump

O governo de Estados Unidos cancelou, recentemente, o programa migratório denominado Ação Diferida para os Chegados na Infância (Deferred Action for Childhood Arrivals DACA) implementado durante o governo de Barack Obama. Tal iniciativa tinha o objetivo de impedir que em torno de 800 mil jovens, que ingressaram como menores de idade, pudessem ser expulsos.

A imensa maioria de imigrantes protegida pelo DACA –denominados “dreamers” devido ao sonhado acesso a um trabalho digno e melhores condições de vida que as oferecidas em seus lugares de origem- são latino-americanos e se verão daqui pra frente diante do perigo de ser desterrados, produto da revogação do dispositivo protetor.

Desde há vários meses o governo de Estados Unidos, em conjunto com Canadá e México estão renegociando o Tratado de Livre Comércio da América do Norte, o conhecido Nafta, com a clara intenção do governo de Trump de anular os mecanismos que beneficiam o México, sobretudo no que concerne a investimento direto nas chamadas maquiladoras, unidades instaladas pelas transnacionais, em território mexicano, basicamente, que permite a utilização da força de trabalho com salários mais baixos que o que se deveria pagar na metrópole.

Esse investimento estrangeiro direto era regulado pelos acordos econômico, com duplo objetivo, de baratear a mão de obra no interior de Estados Unidos (através da geração de desemprego), e a obtenção de excedentes adicionais ao contratar trabalhadores mexicanos dispostos a trabalhar por salários mais baixos, se comparados com seus vizinhos do norte.

O Nafta permitiu uma expansão transnacional que –desde sua origem- foi motivada no disciplinamento da força de trabalho estadunidense que as políticas de Estado de Bem-estar tinham desenvolvido desde a década de 1930. A abertura à imigração de mexicanos e centro-americanos somada à maquiladora, permitiu a Estados Unidos melhorar sua produtividade à custa do trabalho de seus vizinhos e, simultaneamente, disciplinar sua própria força de trabalho para impedir que continue negociando melhores condições salariais.

O fim dos bons modos

A ofensiva de Donald Trump contra os países da América Latina e Caribe, se verifica também na eliminação das políticas do “Soft Power”, terminologia com que os atores das relações internacionais definem as atividades de influência fundadas na diplomacia e na cooperação bilateral ou multilateral, orientada a gerar influência e condicionamentos políticos ou econômicos. O “Soft Power” é o dispositivo desenhado pelo Departamento de Estado para promover os interesses estadunidenses na região, através da comunicação e da formação de profissionais e intelectuais produtores e difusores de seus interesses na região. O “trumpismo” questiona esse modelo de influência e o substitui com o formado de “grande porrete” que despreza a diplomacia.

O Departamento de Estado não designou nenhum embaixador na América Latina desde a posse de Trump, medida que caracteriza uma espécie de desprezo. De fato, o Departamento de Estado só designou embaixadores das Nações Unidas, Beijing, Tel Aviv, Tóquio, Ottawa, Roma e Londres. Desde que assumiu o líder da “alt-right” (como se conhece a nova direita supremacista) foram reduzidos em 31 por cento os fundos para gastos com a diplomacia –no nível internacional- e uns 10 por cento da totalidade de profissionais ligados ao setor, deixando espaço livre para a retórica belicista e chauvinista que não comunga com a lógica diplomática.

Esse modelo, inaugurado com o slogan  “América Primeiro”, que supõem características protecionistas ainda mais estritas que aquelas tradicionalmente mantida pelos países hegemônicos, incluindo ameaças de intervenção militar na Venezuela e uma desaforada tentativa de dividir qualquer forma de integração da América Latina, como continuidade das políticas de Bush e Obama para a região, mas com o adicional da ameaça intervencionista que estava deixada de lado desde as invasões de Granada em 1983, e de Panamá em 1989. O formato imediatamente anterior a Trump privilegiou a ingerência econômica e os esforços divisionistas na região –a Alca foi a institucionalidade frustrada- ao mesmo tempo em que a “Aliança do Pacífico” se converteu em sua versão mais limitada, conformada por Chile, Peru, Colômbia e México.

O protecionismo agressivo e racista anunciado pelo trumpismo incluiu recentemente declaração do presidente de EUA em que se refere aos “empregos arrancados às comunidades de EUA”, e “as nações estrangeiras que ficaram ricas a custa dos estadunidenses”, sem esclarecer que foi o modelo neoliberal imposto pelo próprio governo de Washington pra reduzir o valor da força de trabalho com o beneplácito das empresas transnacionais.

No primeiro discurso de campanha de Donald Trump, em 16 de junho de 2015, afirmou: “Creiam-me, México não é nosso amigo”. Logo acrescentou: “Estão trazendo drogas. Trazem delinquência. São violadores. Alguns, suponho, são boas pessoas”. Quando se lhe pediu que esclarecesse em que baseava essas afirmações, o então candidato disse que se baseava em informação que obteve da Guarda Fronteiriça. E por último enfatizou que “EUA se converteu no lixo dos problemas de todos os demais”.

Tais afirmações, claramente xenófobas, foram atualizadas na última semana de agosto de 2017, quando o presidente outorgou indulto a Joe Arpaio, um sicário condenado por desacato depois de se negar a obedecer ordens federais que exigiam que desistisse de suas práticas de “rodadas” de imigrantes no condado de Maricopa, estado de Arizona.

Arpaio foi acusado, entre outros delitos, de habilitar um campo de concentração ao ar livre em pleno deserto do Arizona, com temperaturas de 40 a 50 graus (conhecida como “Tent City”) onde confinava a imigrantes mexicanos e centro-americanos, obrigando-os a vestir-se unicamente com roupa de baixo cor de rosa. Esse bandido recentemente perdoado foi elevado à fama entre os setores supremacistas quando conduziu uma investigação sobre a certidão de nascimento do Barack Obama, sob o pretexto de que não tinha o direito de assumir a presidência não ter nascido em território estadunidense. Trump fundamentou seu perdão afirmando que “o  policial é um patriota”.

O policial ama a nosso país, o policial Joe protege nossas fronteiras e o policial Joe foi tratado de maneira injusta pela administração Obama”. A exigência do milionário nova-iorquino de levantar um muro na fronteira entre México e EUA, e querer que o muro seja pago pelo México, tem sido comparado com uma atualização do “apartheid sul-africano” que segregava a população negra. O muro atualiza  o humilhantes hasteamento da bandeira estadunidense no Zócalo, a principal praça da Cidade do México em 1847.

Construir o inimigo

O empoderamento do racismo e da discriminação que ocorre nos Estados Unidos desde a posse de Trump não fez só os mexicanos de vítimas. A “muslim ban” assinada por Trump, que foi suspensa por ações judiciais, tinha como objetivo impedir o ingresso de cidadãos provenientes de cinco países de maioria muçulmana. Nesse contexto de pronunciamentos segregacionistas, não é de causar surpresa a proliferação de grupos supremacistas –como os que desfilaram em Charlottesville em mediados de agosto- , entre eles a Vanguard America, Identity Europa, Traditionalist Workers Party e True Cascadia, que crescem sistematicamente desde a posse de Trump.

Um dos corolários da marcha supremacista foi o atentado terrorista por um de seus membros, James Fields, que investiu com seu automóvel contra manifestantes anti racistas atropelando a mais de vinte pessoas e o assassinato de Heather Heyer, de 32 anos, assistente legal que defendia famílias que sofriam expulsão de seus lares.

Nesse ambiente claramente discriminatória contra os latino-americanos, os afro descendentes e os muçulmanos, amparados num discurso supremacista, ocorreu a recente viagem do vice-presidente Mike Pence por Panamá, Argentina, Chile e Colômbia, na primeira semana de agosto de 2017.

O eixo central das visitas consistiu em difundir a exigência de isolar o governo chavista e apoia a oposição venezuelana filiada à Mesa de Unidade Democrática (MUD), numa clara ingerência em assuntos internos, que o analista Alexander Main, do Centro de Investigação em Economia e Política (CEPR) descreveu como uma “tentativa mais para dividir a região (…) ao oferecer um apoio mais profundo aos governos de direita do continente”. Um capítulo chave desse objetivo foi a aprovação, por iniciativa de Washington, da “Declaração de Lima” em que onze países da América Latina assinaram um documento orientado a isolar o governo de Caracas.

Esse documento foi divulgado dias depois do titular do Departamento de Estado, Rex Tillerson, em 3 de agosto, declarasse que é necessário que Nicolás Maduro abandone o poder.

É sintomático que essa demanda de EUA seja feita por Tillerson, ex CEO da Exxon, uma das maiores petroleiras do mundo, historicamente interessada nas reservas venezuelanas, consideradas as maiores do planeta. Em 13 de agosto, Pence declarou em Bogotá que Washington tem muitas “opções para com a Venezuela” e Trump deixou bem claro “que não ficaremos tranquilos enquanto não se desmorone a ditadura na Venezuela. Um estado falido que ameaça a segurança e a prosperidade de nosso hemisfério e o povo de Estados Unidos”. As ameaças de ações militares contra Venezuela, apoiadas pelas direitas neoliberais do continente, são vistas por alguns observadores como o retorno à política do “grande porrete” uma continuidade da doutrina Monroe, que desde 1828 produziu quatro dezenas de intervenções militares e paramilitares diferentes em América Latina.

Narcotráfico e paraísos fiscais

Um dos mais recentes informes da UNDOC se preocupa com o aumento nos cultivos ilícitos cujas rendas majoritariamente ficam nos cofres de narcotraficantes em paraísos fiscais e a lavagem do dinheiro por empresas lícitas majoritariamente estadunidenses. O paradoxo desse incremento é que 90 por cento do dinheiro, produto do tráfico de cocaína, é lavado em paraísos fiscais administrados por Estados Unidos e Reino Unido e em investimentos diretos nos EUA. Segundo a UNDOC “estimativas sobre os fluxos financeiros ilícitos resultante do tráfico de drogas e outros crimes organizados de transnacionais e o consumo de cocaína registrou uma leve queda no interior de EUA e aumentou o valor de venda, o que elevou os lucros das máfias que lavam dinheiro no mercado financeiro internacional.

O documento da ONU estima que são lavados aproximadamente 62 por cento dos ingressos totais, mas um terço desse total se insere na economia estadunidense. O informa adverte que os cartéis preferem lavar em economias estáveis, onde as instituições governamentais têm suficiente capacidade de reservas para resgatar instituições financeiras em caso de quebra generalizada.

Um exemplo dessa “externalidade financeira não abordada por Pence em sua visita a Bogotá, é o caso do banco Wachovia, parte do gigante Wells Fargo & Co (companhia diversificada de serviços financeiros com operações em todo o mundo) que entre 2004 e 2007 levou 378 bilhões de dólares para o cartel de Sinaloa, usando a razão social Casa de Câmbio Puebla, recursos que foram absolvidos pela reserva federal dos EUA, como uma contribuição de América Latina ao desenvolvimento da economia estadunidense. A visita de Pence deixou como corolário de boa vontade para com a Argentina –depois de visitar Buenos Aires – a decisão de barrar a compra de biodiesel pelo Departamento de Comércio de EUA com a desculpa de que essa exportação era subsidiada.

A decisão de Washington supõe a perda de exportações de um mercado de 1.2 bilhões de dólares. Analistas recordam que o próprio Mike Pence, reverenciado pelo governo direitista de Macri, recebeu o pedido de biodiesel e depois que voltou para EUA respondeu referindo-se aos que produzem esse combustível no estado de Indiana, do qual foi governador. A importação de diesel da argentina e a compra de carne de porco estadunidense, num mercado 90 por cento autossustentável, ao ser paralisado gera um impacto negativo argentino de mais de bilhão de dólares.

Desde a posse de Trump debate-se nos círculos acadêmicos sobre como caracterizar o modelo levado a cabo pelo milionário que virou político. Se o fascismo e o partido nazista foi a resposta belicista e genocida assumida pelo capitalismo para enfrentar a crescente demanda dos setores populares, especialmente dos trabalhadores, o neoliberalismo –e sua versão extrema, o trumpismo supremacista- aparece como a máscara que o capitalismo atual coloca para enfrentar o multiculturalismo, as migrações e as recorrentes rebeliões dos marginados do sistema. Tempos de violência de aproximam.

*Jorge Elbaum – jornalista e sociólogo argentino. Analista associado ao Centro Latino-americano de Análises Estratégicas (CLAE). – original de Alainet.
 


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

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