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Um ano após assassinato de Moïse, Haiti segue sem presidente, Parlamento e Suprema Corte

Após assassinato, foi instaurado um governo de transição comandado pelo primeiro-ministro Ariel Henry, principal suspeito de ser mandante do magnicídio
Vanessa Martina-Silva
Diálogos do Sul
Jundiaí (SP)

Tradução:

Imagine, caro leitor, cara leitora, que o presidente do Brasil, no pleno gozo de suas atribuições — embora com um mandato questionável e um governo impopular — fosse assassinado dentro de sua residência oficial por ex-militares venezuelanos e as investigações preliminares apontassem para seu vice como mandante? E se isso acontecesse nos Estados Unidos? A repercussão do caso, é de se supor, seria estrondosa.

Acontece que, em um dia como hoje, há um ano, o então presidente do Haiti, Jovenel Moïse, foi assassinado dentro de sua própria casa por ex-militares colombianos e sem qualquer resistência do seu corpo de segurança. Até o momento, não sabemos a motivação, o mandante e ninguém foi incriminado, apesar de ter 40 presos.

Isso já é bastante surpreendente, mas soma-se ainda o fato de o Haiti seguir, um ano depois, sem presidente — não foram convocadas eleições —, sem Parlamento desde o fim de 2019 e com a Corte de Justiça inoperante porque não tem juízes.

Após assassinato, foi instaurado um governo de transição comandado pelo primeiro-ministro Ariel Henry, principal suspeito de ser mandante do magnicídio

Reprodução/ Facebook
Jovenel Moïse em evento no Haiti

Cabe lembrar que Moïse estava amplamente questionado porque, segundo a Constituição do país, seu mandato terminaria em fevereiro de 2021, mas ele alegava que o fato ocorreria apenas um ano mais tarde. De qualquer forma, ele não realizou as eleições legislativas ano passado, por isso o país está sem Parlamento,

Se fosse roteiro de série, seria criticável a falta de verossimilhança e o preconceito do autor por imaginar cenário tão catastrófico. Mas não para por aí. Tudo isso foi praticamente esquecido pela maior parte dos sites e portais de notícias latino-americanos, sobretudo brasileiros.

Sem comando

Após a morte de Moïse, foi instaurado um governo de transição comandado pelo primeiro-ministro Ariel Henry. Porém, denúncias de que ele poderia estar envolvido no magnicídio fizeram a opinião pública do país se voltar contra ele, colocando em xeque sua legitimidade.

Outra linha de acusação aponta que o crime teria sido planejado pelo então primeiro-ministro Claude Joseph para se manter no cargo. Amigo de Moïse, não há nada, no entanto, que aponte efetivamente para ele.


A ex-primeira-dama Martine Moïse, ferida durante o atentado, é uma das vozes que se levanta contra Henry. “É importante notar que as investigações judiciais mencionaram elementos comprometedores sobre o suposto envolvimento do Chefe de Governo haitiano no planejamento deste esquema”, afirmou em comunicado divulgado nesta quinta-feira (7), em que justiça pela morte do esposo.

Uma investigação realizada pela emissora estadunidense CNN também aponta para o atual primeiro-ministro. De acordo com a reportagem, o ex-juiz responsável pelo caso Garry Orélien, em conversas obtidas pelo veículo, estaria seguro da responsabilidade de Henry.

“Você acha que eu posso tocar Ariel [Henry] agora? Como posso fazer isso? Não poderei dar [qualquer ordem para acusá-lo], isso não verá a luz do dia”, teria dito Orélien na gravação. O governo haitiano negou veementemente as revelações da CNN.

Sem apoio, fragilizado e acuado, Henry não convocou novas eleições e, apesar de ter prometido fazê-lo ainda este ano, até o momento não foi anunciada a data do pleito ou realizada qualquer movimentação para que isso se concretize.

Neste cenário, desde o final de junho, estão sendo realizadas manifestações no país para pedir que o ex-presidente Jean-Betrand Aristide assuma o poder do país até a realização de eleições gerais.

Aristide comandou o Haiti em 1991, de 1994 a 1996 e de 2001 a 2004, quando foi derrubado do poder por um golpe de Estado. Desde então, o país nunca mais teve estabilidade política.

Investigações

O país está em profunda crise institucional. De acordo com o site El Colombiano, o Ministério Público haitiano tem um amplo dossiê de como teria sido o planejamento, financiamento e execução do assassinato, mas a investigação não passou da etapa preliminar.

Em declarações concedidas à emissora alemã DW, Kenberly Etienne, professor de francês no Colégio Chimalistac da Cidade do México, ressaltou que “todo juiz encarregado de tratar do caso tem medo por ameaças de morte ou sequestro de sua família”. O caso já passou por cinco juízes diferentes.

Até o momento, foram presas mais de 40 pessoas por suposta participação no crime. Entre os detidos estão 18 ex-militares colombianos, que confessaram o crime e outros três foram mortos pela polícia haitiana horas após os acontecimentos.

Os mercenários teriam recebido US$ 3 mil cada um para executar Moïse e teriam sido contratados por uma empresa de segurança em Miami, nos Estados Unidos. O suposto autor intelectual do magnicídio também foi detido, o médico Emmanuel Sanon, radicado em Miami.

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“Quando o avanço dos bandidos foi bloqueado, a primeira pessoa que chamaram foi Sanon”, disse o diretor da Polícia Nacional Haitiana, Léon Charles. No entanto, as investigações não esclareceram o envolvimento do médico.

Além da paralisia das investigações, chama a atenção o fato de que o FBI esteja colaborando com a justiça haitiana e que três envolvidos no caso estejam nas mãos da justiça estadunidense:

– o ex-militar colombiano Mario Antonio Palacios, que foi detido no Panamá e optou por ir para os EUA.

– Rodolphe Jaar, haitiano de nacionalidade chilena, detido em janeiro na República Domicana também optou por viajar para os Estados Unidos.

– o ex-senador John Joel Joseph, que foi extraditado da Jamaica para o país norte-americano.

A trama chega a outras partes do mundo. Em novembro do ano passado, o empresário Samir Handal foi detido na Turquia por um mandato da Interpol, após aterrissar em um voo originado em Miami. Ele é acusado por alugar sua casa a Sanon. Após oito meses detido, no entanto, foi liberado.

Em abril, um juiz estadunidense classificou como secretas algumas provas do crime porque entre os acusados estão dois antigos informantes da agência antidrogas dos EUA, a DEA, e um ex-informante do FBI.

Quais os interesses por trás do caso? Por que há tantos envolvidos? Por que alguns acusados estão nos Estados Unidos? Por que o tema se tornou de interesse da segurança nacional desse país? E por que a comunidade internacional se cala diante de tudo isso? Esses ainda são mistérios a serem — ou não — solucionados.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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Vanessa Martina-Silva Trabalha há mais de dez anos com produção diária de conteúdo, sendo sete para portais na internet e um em comunicação corporativa, além de frilas para revistas. Vem construindo carreira em veículos independentes, por acreditar na função social do jornalismo e no seu papel transformador, em contraposição à notícia-mercadoria. Fez coberturas internacionais, incluindo: Primárias na Argentina (2011), pós-golpe no Paraguai (2012), Eleições na Venezuela (com Hugo Chávez (2012) e Nicolás Maduro (2013)); implementação da Lei de Meios na Argentina (2012); eleições argentinas no primeiro e segundo turnos (2015).

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