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Uma aposta audaz na dança: Inverno ou as 10 formas de sentir frio

Revista Diálogos do Sul

Tradução:

A audaz coreografia de Ernesto Ortiz Mosquera em sua criação Inverno, baseada em um dos quatro concertos das Quatro Estações, de Antonio Vivaldi –O Inverno, com seus 3 movimentos- ofereceu, em suas primeiras apresentações, um espetáculo de dança cuja complexidade e harmonia cênica representaram um desafio interessante para um público pouco acostumado aos desafios.

Carolina Vásquez Araya*

Muitas vezes consideramos normal rechaçar o novo, desprezando com esse gesto conservador a abertura para sensações e conhecimentos que poderiam mudar alguns dos nossos mais arraigados conceitos.

Por isso me pareceu tão valiosa a aposta do Laboratório de Dança Contemporânea pertencente à Faculdade de Artes da Universidade de Cuenca, no Equador. Sobre um cenário despido e austero há um grupo numeroso de bailarinos estáticos. Ninguém se move, exceto uma delas. Você espera para ver o acontece, e nada. Mas na medida em que vai se desenvolvendo em uma linha de tempo imprevisível, a gente começa a perceber, a compreender e a sentir.

Não há posturas clássicas, unicamente corpos em uma dinâmica progressiva, uma linha musical que os acompanha e uma voz que aporta uma textura auditiva diferente. Um espetáculo capaz de escavar em nosso conceito da dança como uma das belas formas de arte e romper o marco conceitual da harmonia, da forma e do uso das técnicas às quais estamos acostumados. À dança sucede o mesmo que à música; ficamos no classicismo mais ortodoxo porque é isso que se encaixa com a nossa percepção de beleza e não vamos além na exploração do novo, na criação de outras formas, outros estilos e outras linguagens. É por isso que essa proposta é importante.

A audaz coreografia de Ernesto Ortiz Mosquera em sua criação Inverno, baseada em um dos quatro concertos das Quatro Estações, de Antonio Vivaldi –O Inverno, com seus 3 movimentos- ofereceu, em suas primeiras apresentações, um espetáculo cuja complexidade e harmonia cênica representaram um desafio interessante para um público pouco acostumado aos desafios. A música, parte fundamental de todo o conjunto, foi interpretada pelo Ensemble de Música Contemporânea da Orquestra Sinfônica de Cuenca. Com relação a isso, é importante sublinhar que a resistência às novas propostas não se reduz ao público de Cuenca, Santiago de Chile, Bogotá ou ao da América Latina em geral; a visão conservadora também percorre as plateias europeias ou asiáticas, porque o novo sempre constitui um esforço; uma ruptura de códigos estéticos solidamente instalados em nossa forma de perceber a arte.

O grupo de bailarinos durante um ensaio de Inverno. Foto de Carolina Araya.

A propósito dessa espécie de tendência ao já mais do que conhecido, o musicólogo espanhol Miguel Ángel Marín publicou um estudo que o demonstra. De um lapso de 5 anos e 5 mil concertos celebrados por diferentes instituições em 283 cidades de todo o mundo, ele constatou que 20 por cento da programação se concentra em apenas seis compositores: Beethoven, Schubert, Mozart, Brahms, Bach e Debussy. Deste círculo privilegiado nenhum deles nasceu sequer no século passado. Ou seja, o público ainda responde ao mais puro classicismo e os compositores modernos precisam ser impostos para que sejam conhecidos. Algo assim sucede com a dança, com as artes plásticas e com toda expressão que escape ao nosso conceito “do que deve ser”.

Esteban Ortiz é um coreógrafo com mais de 30 anos de experiência no âmbito da dança e desde 2014 está a cargo do Laboratório Permanente de Técnicas Contemporâneas de Dança e Composição coreográfica. De fato, essa unidade acadêmica foi criada nessa data e a maioria dos intérpretes de Inverno foram ou são atualmente seus alunos. Ou seja, além de inovadora a proposta, o risco era maior por depender das técnicas e habilidades de um grupo jovem e inexperiente.

Quis saber mais saber mais e me sentei para conversar com Esteban Ortiz. Sobre a metodologia utilizada na seleção dos bailarinos. Ele explica:

– “O treinamento é sumamente importante. É um treinamento que não busca “formatar” os corpos de uma maneira específica, não busca construir uma só estética corporal, mas tenta aproveitar a diversidade de cada corpo para potencializar as capacidades de cada um. Além disso, no processo de formação tivemos a colaboração de professores que vieram de outros lugares para ensinar técnicas de criação e de dança contemporânea, de modo que o Laboratório se converteu em um espaço importante para confrontar o trabalho criativo com a rotina das aulas e a parte acadêmica da carreira. O perfil que procuramos não é o de especialista em dança nem em teatro, mas sim de criador cênico, um profissional capaz de se alimentar de ambas as disciplinas para escolher delas as ferramentas que necessita para criar”.

Vocês, como criadores, desafiaram os cânones tradicionais da percepção da dança. Como foi essa experiência com criações anteriores?

– “Em minha experiência como criador, desde o momento em que proponho uma linguagem diferentes ao formato conhecido no qual a leitura está previamente dada, o público deve fazer sua própria leitura e isso significa tirá-lo de seu lugar cômodo de espectador no escuro da sala.  O problema se apresenta quando se cria, porque a obra tem que funcionar dentro desse espaço como uma unidade, do contrário comunicará menos e se perderá a atenção do público. Então o artista que oferece uma dramaturgia expandida como esta, tem o compromisso de fazer funcionar essa maquinaria conceitual para evitar a desconexão com o espectador.”

Talvez o mais importante no trabalho do Laboratório de Dança Contemporânea seja o desenvolvimento criativo com vistas a ampliar as perspectivas estéticas da sociedade à qual pertence. Suas propostas inovadoras e de algum modo transgressoras do convencional irão se entranhando no público, alimentando desse modo a liberdade criativa e as possibilidades futuras para a projeção da arte nacional para os grandes palcos do mundo. Esperamos que assim seja.

 

Ernesto Ortiz é bailarino, coreógrafo e crítico de dança. Foto de Carolina Araya.

Ernesto Ortiz é bailarino, coreógrafo e crítico de dança. Sua obra tem tido grande influência na cena de dança equatoriana há vários anos. Tem em seu haver mais de quarenta criações cênicas e vários prêmios. Dois livros nos quais reflexiona sobre o processo criativo e sobre a relação entre dança e filosofia, além de seu mestrado em Estudos da Arte, o credenciam como um artista que integra a prática com o pensamento, articulada e conscientemente.

Colaborou como coreógrafo residente e convidado em instituições do nível da Universidade de Harvard (2005), da Universidade de Vassar (2005) e da Universidade de Illinois (2007).

Também tem desenvolvido seu trabalho na mídia impressa, nacional e estrangeira, tais como Mundo Diners, Conjunto (Casa de las Américas), El Búho, El Sótano, El Apuntador –entre outras-, especializando-se na crítica de artes cênicas.

Atualmente, Ortiz é membro do Conselho Editorial da Revista “El Apuntador” e professor titular da Faculdade de Artes da Universidade de Cuenca, nas cátedras de Composição e Técnica Contemporânea, Crítica da cena e História  da dança, dirige o Laboratório Permanente de Dança e Composição Coreográfica, é membro do Conselho Editorial da faculdade e codiretor do Projeto de Pesquisa Artística “Teoria da forma: estratégias artísticas e teóricas para a superação do cânon pós-moderno”.

*Para mais informações: ernestortiz.weebly.com.

 

*Carolina Vásquez Araya é colaboradora da Diálogos do Sul, da Guatemala.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

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