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União Europeia, os partidos socialistas exigem uma virada política

Revista Diálogos do Sul

Tradução:

Massimo D’Alema*

dalema1-150x150-150x150“Uma das contradições fundamentais é que, enquanto a premissa da vida econômica é o internacionalismo, ou melhor ainda, o cosmopolitismo, a vida estatal sempre foi orientada pelo nacionalismo e pelo bastar-se a si mesma”. A frase é de Antonio Gramsci (Cuaderno 17, 1933) e o cenário que se apresentava ao autor era o das grandes transformações que se seguiram à crise de 1929-1930.

Hoje em dia vivemos a era da globalização e os processos que Gramsci havia intuído empregaram sua potencialidade além da hegemonia do fordismo e do modelo norte-americano. Neste tempo do capitalismo financeiro global, a crise democrática vinculada à perda de soberania dos Estados parece ter chegado ao limite do ponto de ruptura.

socialismo 00Não por acaso, a Europa é o epicentro dessa crise. Antes de tudo porque foi nesse continente que a experiência democrática dos Estados nacionais alcançou o mais alto nível e conseguiu uma feliz síntese entre os direitos da liberdade individual e da inclusão social, entre a participação democrática e a solidariedade.

Por isso, não deve surpreender que nessa parte do mundo – que desfrutou, em particular na segunda metade do século 20, de um prolongado período de democracia e bem-estar – hoje se sinta mais agudamente a profundidade da crise e a ausência de perspectivas.

Ficou evidente que, sem uma efetiva coordenação das políticas econômicas de desenvolvimento, sem harmonização das regras fiscais e sociais, e sem um significativo orçamento federal da União Europeia (UE), a moeda única europeia, o euro, em lugar de ser o fundamento de uma integração maior, termina acentuando os desequilíbrios e as desigualdades entre países com diferentes níveis de produtividade e competitividade.

A política esteve ausente da UE esses anos e, erroneamente, se procurou substituí-la pelo “governo das regras” (porcentagens, critérios e sanções). Contudo, como disse Romano Prodi, as regras são estúpidas, sem flexibilidade e sem a liberdade de uma diretriz autônoma e legitimada pela capacidade de aplicá-las com inteligência.

De fato, o governo das regras e o dogma da estabilidade monetária conduziram ao domínio da ideologia da austeridade, que hoje é o obstáculo ao crescimento e à geração de empregos.

Dessa forma acentuou-se o caráter tecnocrata da governança europeia, alimentando uma crescente percepção de distanciamento e hostilidade na opinião pública de muitos países. É assim que tecnocracia e populismo se apresentam hoje, como as duas faces da crise democrática europeia.

Apesar da gravidade sem precedentes dessa crise, esta pode ser a ocasião para um salto de qualidade, sob a condição de uma mudança substancial nas políticas da UE.

Isto significa orientar a ação comunitária para o crescimento e o emprego, tal como reclamam diversos governos progressistas, como o da França. Também o italiano pode contribuir nessa direção.

É necessário instrumentar um mecanismo eficaz de solidariedade em relação ao endividamento público, que permita reduzir as taxas de juros e conter as forças especulativas que operam nos mercados, e interpretar de modo flexível e inteligente o pacto fiscal, para que não impeça investimentos necessários para relançar o crescimento e recuperar competitividade.

E se deve reforçar o orçamento da UE para que tenha a capacidade de reduzir os desequilíbrios, harmonizar o crescimento e encaminhá-lo para objetivos inovadores nos âmbitos da pesquisa e do meio ambiente.

Essas mudanças são indispensáveis e, no entanto, é difícil que o atual sistema intergovernativo da UE possa realizá-las. Falta uma profunda mudança impulsionada pela política, que deve passar por uma “batalha política” europeia entre as diversas visões do futuro do continente.

O Partido Socialista Europeu (PSE) aprovou, no final de junho, em Sofia, seu programa fundamental, constituindo-se, assim, na primeira força política do bloco a adotar uma plataforma desse tipo e de tal magnitude.

É um avanço importante e se trata de um texto rico de proposições sobre o trabalho, a justiça social, a participação da sociedade e a transparência nas ações de governo.

Entretanto, creio que não ganhou força suficiente o apoio a um projeto político para a Europa.

As residuais resistências nacionais são obstáculo à afirmação do ideal de uma Europa Federal, que é a única solução para uma aceleração democrática da integração regional.

Não se trata, obviamente, da criação de um temível superEstado europeu, mas de evitar que o poder de decisão esteja confinado nas mãos de uma potente “supertecnocracia”, que acaba por depender quase exclusivamente dos governos dos países mais fortes.

A Europa deve dar uma virada, no sentido de levar a política para o centro das instituições europeias e, ao mesmo tempo, levar a Europa à política e ao debate dos partidos nacionais.

A ocasião poderá ser proporcionada pela próxima eleição europeia, em junho de 2014.

A decisão do PSE de que o candidato à presidência da Comissão Europeia, órgão executivo da UE, seja designado pelo voto, além de um programa renovador, se for adotada por outros partidos regionais, poderá mudar desde a base o funcionamento das instituições e dar novo sentido ao papel dos partidos.

Dessa forma, as eleições seriam transformadas em um pronunciamento sobre o futuro governo da Europa e suas opções fundamentais, em lugar de uma série de referendos sobre o funcionamento atual da UE, cujo resultado pode ser desastroso para as forças europeístas.

Seria justo – e não contraditório com o atual Tratado – que o Conselho Europeu aceite a limitação de seu próprio papel em relação ao líder que disponha do maior consenso no Parlamento Europeu, e em consequência apoie a vontade do eleitorado.

*IPS de Roma para Diálogos do Sul.  Massimo D’Alema é ex-primeiro-ministro da Itália e dirigente do Partido Democrático.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

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