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ToggleÉ cada vez mais comum observarmos, no ocidente, argumentos supostamente “filosóficos” de base “mística”, em que a “tradição” reinventada (ou imaginária) supera as formações concretas das sociedades reais e confunde a parcelas importantes da opinião pública e das sociedades civis de países inteiros.
O trumpismo, na matriz do Império, não inventou a maior parte das demências da extrema-direita, mas as canalizou, impulsionando-as na imaginação de uma América “pura”, composta por herdeiros de “puritanos peregrinos”.
A estupidez dos “red necks” se soma à manipulação grosseira das legiões de eleitoras do cinturão bíblico e as distintas formas de conservantismo que defendem, de maneira incondicional, o Apartheid israelense e a presença dos Estados Unidos no Grande Oriente Médio.
As origens recentes do argumento de defesa da “civilização judaico-cristã” se mesclam com a prepotência imperialista no Mundo Árabe, com a islamofobia e até com o moderno antissemitismo. Neste artigo e nos seguintes faremos o debate aportando uma contribuição para o desmonte dessas mentiras.
Eduardo Bolsonaro e Steve Bannon
O “vazio do ocidente”
Desde o final da Guerra Fria existe um “vazio” no ocidente. A disputa que culminou com a vitória dos Estados Unidos, seus aliados estratégicos (os países anglo-saxões) e os Estados membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN, NATO na sigla em inglês), teria estabelecido um parâmetro de “uma civilização universal” por sobre as demais.
Quando o Império se denominava como “mundo livre”, era a “liberdade de crer e empreender” que o bloco defendia, e demarcava o limite de matriz “civilizacional” possível de ser definido. Outra afirmação comum no Pós-Guerra e décadas seguintes vinha da “liberdade individual” como valor absoluto por cima das relações solidárias.
É pura bobagem a falsa contraposição entre liberdade individual e bem estar coletivo. Tal argumento opera apenas como uma justificativa para a real ausência de empatia em sociedades onde a correta afirmação de indivíduo e individualidade se confunde com individualismo e “salve-se quem puder”. Esse vazio geraria uma sensação de, em primeiro momento, ter a necessidade de desenvolver uma tese de avanço civilizatório como contraponto à liberalização da economia e a integração forçada da globalização capitalista.
No segundo momento, no pós 11 de setembro de 2001 e concomitante ao avanço dos “emergentes”, uma parcela mais extremada da direita eurocêntrica se viu diante de uma realidade. A Divisão Internacional do Trabalho (DIT), com a constante e progressiva migração da manufatura para o eixo Ásia-Pacífico, somada com a capacidade de criar excedentes de poder do Estado chinês, mais a retomada de controle dos recursos estratégicos pelo aparato de segurança da Rússia, criaram as condições para um desenvolvimento eurasiático impensável no início da década de 1990.
Rússia, Grã-Bretanha e EUA
No final da década de 1980 e início da seguinte, acompanhando a crise, decadência e a dilapidação do patrimônio público sob o controle estatal na antiga União Soviética (URSS) e seus países satélites, foi ascendendo uma pregação alucinada e irresponsável de “filósofos”, como Alexander Dugin. O desespero tomando conta de uma sociedade, antes ordenada e com formas de controle coletivo, foi o combustível para que gente desse calibre pudesse fazer um idílio idealizado de base “protoariana”, com a alcunha de “tradicionalismo” (não confundir com o tradicionalismo gaúcho, de outra origem e sem relação alguma com esse citado). Como agravantes, a primeira Guerra da Chechênia (1994-1996), os traumas da derrota na invasão ao Afeganistão e a geopolítica do Cáucaso ajudaram na pregação de tipo cruzado bizantina e, de fato, islamofóbica. Infelizmente, Dugin segue semeando uma legião de idiotas (confusos, perdidos e perigosos) que, de forma proposital ou involuntária, confundem suas posições com a política externa russa na Era Putin.
Enquanto a “Trindade Maldita” (FMI, Banco Mundial e OMC) conforme a correta designação do economista sul-coreano Ha Joon Chang nada fazia para proteger as estruturas produtivas em sociedades com pleno emprego no Leste Europeu e ex-URSS, nos Estados Unidos e Grã Bretanha avançavam duas formas distintas dos temores da globalização.
No Reino Unido (que não é objeto de debate desse artigo), os múltiplos herdeiros do degenerado Oswald Mosley eram massa de manobra do Partido Conservador, com suas crenças realistas (loyalists) e desenvolvendo uma crescente xenofobia islamofóbica contra a imigração vinda do Sul da Ásia (perseguindo especialmente paquistaneses). A massificação desta forma da extrema direita britânica ratifica de forma diluída no Brexit (a saída do Reino Unido da União Europeia em referendo de novembro de 2015), complementando as privatizações da Era Thatcher e a destruição do emprego formal, especialmente o industrial, nos territórios das ilhas sob a tutela britânica.
De comum com a estupidez “duginista”, a defesa dos tempos de outrora e a ideia de “purificação cultural”. Em termos materiais concretos, no período de pós-guerra até o governo conservador de Margareth Thatcher, realmente a Inglaterra e os países das ilhas sob o mesmo reino viveram uma situação de bem estar social (com metade do PIB inglês estando no mundo do trabalho) com exceção da província da Irlanda do Norte. Já a antiga União Soviética e seus países satélites atingiram uma excelente condição de distribuição de renda, embora não tenham realizado esse feito na garantia de direitos e poder político. O pleno emprego como direito universal deu uma sensação de estabilidade. A “nova era” trouxe insegurança, desemprego, desespero e milhões de pessoas ávidas pela manipulação grosseira e fantasiosa. A islamofobia moderna em território europeu (incluindo a parte europeia da Rússia) cresce muito nesse período. A posição tanto anti-árabe como contra a libertação da Palestina já estavam arraigadas através do desserviço dos grupos midiáticos ocidentais.
A soma do pior dos mundos culmina com a invasão do Iraque no Kuwait com o aval da embaixada estadunidense em Bagdá. Armadilha pronta, o óbvio acontece. O Conselho de Segurança da ONU condena a aventura militar de um Saddam Hussein desesperado e decadente. Os EUA lideram uma coalizão financiada com promessas de contratos de exploração de petróleo e abundantes recursos sauditas. Na justificativa para a coalizão, o fato dos Estados Unidos também serem formados por “um povo do livro”. A dinastia de Saud, além de apoiar o wahabismo sem pudor, também deu base para a pregação da aliança pentecostal sionista, reduto eleitoral do conservadorismo massificado em todo o continente americano.
A década de 1990 assistiu esse avanço de sistemas de crenças “tradicionais” em todas as suas versões. Hoje, o FBI anuncia o risco de terrorismo doméstico supremacista como principal ameaça à democracia e as eleições indiretas no país. A base eleitoral da extrema direita estadunidense só fez crescer nos últimos trinta anos, revelando o poder da falácia como forma de manipular as frustrações advindas da globalização capitalista. Como dissemos antes, Donald Trump, Steve Bannon e Robert Mercer (seus gurus da “guerra cultural”) atualizaram a linguagem do ódio e delírio, impulsionando as “tradições” imaginárias com a típica ousadia de viciados em jogos de azar e donos de cassinos.
Combater e desmontar o conjunto de bobagens massificadas na América Latina – justamente através da colonização cultural eurocêntrica – vai levar tempo e custar trabalho. Tal como a libertação da Palestina e a expulsão dos imperialistas do Grande Oriente Médio, trata-se de uma bandeira incondicional e irredutível.
Bruno Beaklini colaborador da Diálogos do Sul
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