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Uruguai: Vitória das mudanças

Revista Diálogos do Sul

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No recente 25 de outubro, sob um belo domingo ensolarado, como que expressando os novos ventos que têm soprado na latinoamérica, se realizou o primeiro turno da eleição nacional uruguaia.

Adão Villaverde*

Foto: Roosewelt Pinheiro/ABr - Agência Brasil Foto: Roosevelt Pinheiro/ABr – Agência Brasil

Em que pese alguns desgastes por ser situação, a gestão da Frente Ampla obteve dividendos concretos de retomada do crescimento e desenvolvimento da nação e de recuperação das funções públicas de Estado uruguaio, cuja desconstituição foi produzida pela coalizão conservadora e autoritária, produto da hegemonia secular da alternância nacional-colorada no poder.
Num país, que já foi conhecido como a Suíça do continente, recomeçar a reescrever sua história, de forma incontestável, com os avanços do atual governo, é descortinar um segundo período de gestão de esquerda-progressista no país, que deverá, de modo indelével, ser chancelado democraticamente nas urnas no próximo dia 29 de novembro.
Mas a base da boa e decisiva aceitação que os frenteamplistas tiveram nas urnas, resultado também da grande mobilização de sua militância que produziu o diferencial político em relação às forças tradicionais, reside fundamentalmente na idéia-força de que as mudanças deveriam continuar, de que o governo tinha aceitação popular.
Primeiro, porque o elemento-chave para compreender sua chegada ao poder central deve ser entendida como parte deste giro à esquerda da América Latina no último período. Pode-se dizer, sem medo de errar, que os cinco anos de Tabaré guardam fortes relações com a experiência e a aceitação do governo Lula no Brasil. Uma primeira constatação a ser ressaltada, que guarda forte relação conosco, é que a chegada ao governo se deu num período de profunda crise das formulações e paradigmas dos preceitos neoliberais também em âmbito local.
A outra é que no governo a Frente Ampla conseguiu produzir políticas públicas concretas e alternativas ao modelo anterior. Com muita sensibilidade social e, sobretudo, ancoradas numa espécie de reserva ético-moral, sempre muito bem conservada e salientada pela esquerda uruguaia.
Nos seus programas e ações a preocupação social é uma constante, que já começam explicitar o enfrentamento as desigualdades e ter como resultados os movimentos inclusivos, tanto social como no campo do desenvolvimento. A sociedade reconhece que o maior impacto, até agora produzido, se deve à ampliação dos investimentos sociais, já incidindo num traço histórico e estrutural deste país que é a pobreza, reduzindo-a de modo evidente nos últimos anos. Resultado também decorrente da reativação da economia, da queda do desemprego e de uma política firme de transferência de renda aos mais pobres, induzida pelo Estado.
Outra variável importante, evidentemente aliada à sensibilidade social, foi sua combinação com o que se poderia chamar de espécie de “heterodoxia” macroeconômica, o que possibilitou uma condição fiscal e econômica que o país não conhecia há muitos anos, e que serviu de base para obter reservas para investir. Associado a isto, outro elemento importante foi a idéia do resgate da soberania e de uma relação externa que fugiu de forma substancial da lógica de submissão e subordinada, desenvolvida no seu passado recente pelos governos conservadores.
Estes elementos foram decisivos para a vitória avassaladora, ainda que não tenha alcançado-a de forma definitiva no primeiro turno e seja necessário uma “segunda volta”. Mas é bom lembrar que não faltaram tentativas de caracterizar como uma derrota da esquerda, o fato da Frente Ampla não ter resolvido a questão neste turno inicial. Mas sobre a vitória, aliás, o próprio candidato vitorioso a presidente, José Pepe Mujica, indagou a seus correligionários e a sua gente simples, como ele mesmo chama seu povo: “¿se esto nos es triunfo, el triunfo donde está?
A Frente Ampla alcançou maioria parlamentar absoluta nas duas Câmaras, de deputados e de senadores, confirmando uma expectativa de vitória espetacular na capital e na grande Montevideu. Obteve também uma evidente supremacia no interior do país, que levou um dos principais articulistas políticos do Uruguai a sentenciar: “el interior se passo al Frente!”.
O crescimento da esquerda foi de tal forma expressivo que conseguiu nos 18 departamentos do país uma diferença de mais de 20% dos votos diante do tradicional Partido Nacional, cujo candidato é o ex-presidente Luis Alberto Lacalle, que conquistou pouco mais de 29% dos válidos. Isto significou um desempenho 11 vezes superior ao que havia obtido de diferença na última presidencial.
Já o outro partido tradicional, o Colorado, do candidato Pedro Bordaberry (filho do ex-ditador Juan Maria Bordaberry, que encontra-se em prisão domiciliar) logrou pouco mais de 17% dos votos válidos. De onde pode-se verificar outro extraordinário resultado da Frente Ampla ao superar a soma dos votos dos dois centenários e tradicionais partidos. Este é, por sua vez, um memorável feito, que coloca os frenteamplistas diante das chances reais de tornarem, no final de novembro, a chapa José Mujica-Nelson Astori vitoriosa.
Portanto, o segundo turno que se avizinha projeta um verdadeiro plebiscito, onde seguramente estará em jogo o futuro do Uruguai, uma vez que quando ainda não estavam contabilizados todos os votos o candidato colorado já anunciava seu apoio ao blanco. Numa clara comprovação de que está em curso um grande acordo direitista-conservador para barrar a tendência a dar continuidade ao projeto de mudanças porque passa o país desde 2005.
Depois de mais de um século e meio de predomínio político dos “fortes e quase imbatíveis” partidos tradicionais, que sempre se disseram formadores da gênese e da identidade da chamada banda oriental; o que se está assistindo nos últimos anos, como ficou demonstrado nesta contenda recente, é o crescimento e a consolidação de um grande movimento social e econômico, rural e urbano no país, de mudanças e transformações. Que teve como ponto de partida aquela inesquecível e grande jornada cívica que deu início nos anos 70, numa clara premonição à ditadura que se prenunciava, combatida pela via democrática com a criação à época da Frente Ampla. Que agora se expressa numa proposta de fazer avançar as mudanças, não apenas com meros compromissos eleitorais, mas com algo que tem sido demonstrado de forma clara e objetiva pelo atual governo, que oferece ao seu povo um novo rumo e um sentido estratégico de novo tipo ao projeto nacional.
Talvez o ponto nodal desta grandiosa vitória e dos novos tempos que se descortinam é que este povo uruguaio, depois de um longo período, conseguiu compatibilizar a um só tempo, duas questões decisivas e imprescindíveis para a reconstrução de um projeto-nação pela via eleitoral. De um lado, construir lideranças com um perfil preparado e qualificado, respeitado pela intelectualidade, pelos setores médios e mesmo pelos adversários, como é o caso do médico oncologista Tabaré Vázquez, atual presidente. De outro, não despregar-se daquela gente simples e humilde que, de forma importante e decisiva, conferiu à Frente Ampla a representação que ela tem hoje.
Sendo capaz de projetar como grande líder um dirigente político de mãos calejadas e de corpo pisoteado e perfurado nos porões da ditadura, mas que conservou e manteve na fenomenologia de sua alma, a generosidade e confiabilidade dos seus, sem deixar de dedicar-se de forma pacienciosa durante anos e anos, às mais longínquas comarcas e redutos de seus conterrâneos. Esta foi doação a seu povo nos últimos anos, deste ex-guerrilheiro tupamaro e sempre simples e sensível chacarero, conhecido por todos como Pepe Mujica.
E foi neste contexto e em meio a tudo isto, que nos foi permitido nos últimos dias que antecederam ao pleito, na periferia de Montevidéu, visitando bairros populares, ouvir do cidadão mais simples, de seus vizinhos e mesmo de seus filhos pobres com um laptop na mão, resultante das políticas de educação com inclusão social e digital do governo, dizerem em alto e bom tom: “yo y mi gente votamos por el Frente !.
*Professor, engenheiro e dep. estadual PT/RS


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

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