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ToggleEm meio às publicações da #VazaJato , a partir do acervo do The Intercept Brasil sobre os bastidores da Operação Lava Jato, revelando o verdadeiro papel de Sergio Moro como um procurador tendencioso, fortemente apoiado por seus asseclas do MPF , o Brasil vive talvez o ápice da assim chamada “Guerra Híbrida”, termo cunhado para definir um conjunto de táticas e ações militares a partir do uso de novas tecnologias que visam desestabilizar países e governos.
O uso de métodos de influência tais como fake news e diplomacia, faz parte do acervo estratégico de uma guerra híbrida, virtualmente isentando os reais responsáveis de qualquer satisfação, uma vez que não são facilmente identificáveis.
Foto: Lula Marques/PT
O ex Juiz Sergio Moro
Preparação do Terreno
Desde 2013, ainda no primeiro mandato de Dilma Rousseff, o Brasil vive uma espécie de inferno astral. As mobilizações de junho daquele ano, iconizadas por grande parte da esquerda, foram na verdade o início de um processo de desestabilização política do país.
A reeleição de Dilma em 2014 e os avanços exploratórios da Petrobrás no Pré-Sal (especialmente relevantes em tempos de escassez de reservas baratas de petróleo), foram os detonadores da invasão virtual que o país sofre desde então, num acirrado processo de guerra híbrida. O surgimento de grupos como o MBL, a ascensão de Jair Bolsonaro e da extrema-direita no país evidenciam isso, além, claro, da midiatização da Lava Jato.
Não podemos esquecer porém, que por conveniência e falta de articulação com a esquerda, o governo Dilma desde o primeiro mandato tentou segurar sua base de apoio parlamentar, de maioria do então PMDB, adotando medidas neoliberais, como, por exemplo, o Plano de Desinvestimentos na Petrobrás (Prodesin), que pavimentou os caminhos para vendas absurdas como a da NTS (malha de gasodutos do sudeste), além de episódios marcantes como o leilão do campo de Libra, garantido, inclusive, às custas da mobilização de um violento aparato policial e militar em repressão aos manifestantes contrários a mais um ato de lesa pátria.
Claro que o cenário propício para a corrente Guerra Híbrida já vinha sendo construído desde o governo Lula, ao qual também cabem duras críticas, mas é inegável que a projeção internacional do Brasil ao longo dos governos petistas, somada à relevância do Pré-Sal, incomodou fortemente às potências hegemônicas mundias, as quais se debatem numa disputa por manutenção do poder e soberania energética.
Neste contexto, o assassinato da reputação de empresas, empresários e políticos brasileiros, além da quebradeira e desemprego no país foi a grande e bem vinda (para os agentes externos) contribuição da Operação Lava Jato no cardápio de uma guerra velada, sem tiros, tanques ou bombas. Bombas, aliás, existem, mas de cunho semiótico ; quem não se lembra dos diversos vazamentos de delações em segredo de justiça que foram parar em matérias exclusivas da TV Globo?
O impeachment de Rousseff dava a impressão de uma união estável entre uma parte da burguesia, que na verdade deveria ser chamada de oligarquia empresarial, e o mercado financeiro. Temer impunha a “Ponte para o Futuro”, uma lista de propostas neoliberais, tendo Moreira Franco como seu principal executor. Quem não se lembra do “gato angorá”, apelido posto por Brizola, nos leilões do Petróleo do Pré-Sal, batendo o martelo e saudando a entrega das riquezas do Brasil ? O presidente da Shell foi recebido com pompas no Planalto. Tempos depois, já no governo Bolsonaro, Temer e Moreira passaram a frequentar as celas da PF do Rio, deixando claro que a hipocrisia nacional e internacional é um ingrediente essencial de uma “boa” guerra híbrida.
A burguesia e as mamadeiras fálicas
As eleições de 2018 mostraram que a união dos “donos” do Brasil estava em processo de esgotamento. A civilizada direita liberal brasileira não consegue emplacar o nada carismático Geraldo Alckimin e acaba correndo para promover o inexpressivo e ultradireitista deputado militar Jair Bolsonaro, conhecido por suas declarações, especialmente focadas na suposta erradicação da corrupção e violência urbana, mas carregadas de misoginia, racismo e homofobia.
Lula já estava preso sem provas, sofrendo o chamado “lawfare” (perseguição política através da Justiça), sendo impedido de concorrer e provavelmente vencer o pleito presidencial. Logo depois, em setembro, Bolsonaro sofre um atentado suspeito à faca em Juiz de Fora-MG, fato determinante para sua vitória. Vitória esse que foi construída a base de fake news, investindo fortunas na manutenção de redes e distribuição de notícias falsas do tipo: se o candidato Haddad ganhasse as eleições seriam distribuídas mamadeiras fálicas em creches e escolas. Preso, Lula era impedido de conceder entrevistas e anunciar seu apoio ao candidato oficial do PT. A mordaça deu certo e o capitão mentecapto foi eleito.
Com isso, Moro foi alçado a herói e logo depois nomeado como ministro da Justiça de Bolsonaro (seria ou não uma situação de conflito de interesses?). Vale lembrar que os dois juntos, Bolsonaro e Moro, estiveram na sede da CIA, durante visita oficial a Donald Trump no último mês de março.
O homem que não amava a Petrobrás
Por sua vez, o homem forte da economia, um neoliberal e reconhecidamente operador “abutre” do mercado financeiro, Paulo Guedes, se torna a solução para os problemas econômicos do Brasil, “é o nosso posto Ipiranga” , repetia orgulhoso o presidente Bolsonaro.
Bancado pelo CNPQ , Guedes foi aluno de Milton Friedman, referência do pensamento econômico liberal e criador da Escola de Chicago, sendo um prócer do neoliberalismo. Friedman consolida sua doutrina nos bancos acadêmicos e apoio ideológico às ditaduras, tornando-se referência para líderes conservadores como Ronaldo Reagan e Margareth Thatcher nos anos 1980. Depois de concluído seu doutorado em Chicago , Paulo Guedes lecionou em faculdades no Chile e trabalhou para Jorge Selume, o homem das finanças do governo do general e ditador Augusto Pinochet.
Com um currículo desses, não se poderia esperar outra coisa senão a colocação em prática de uma política de desmonte do Estado brasileiro , de suas riquezas e recursos como o Pré-Sal e a Petrobrás. Recebendo carta branca da elite para operar um programa de lesa pátria, inclusive com o apoio de setores das Forças Armadas, Paulo Guedes dá continuidade ao modus operandi dos governos FHC, só que de forma ainda mais acelerada e perversa. E tudo sob o discurso hipócrita de erradicar a corrupção, como se ela, a mais das vezes, não partisse do setor privado, e de acabar com a crise, que só se aprofundará após o saque ao país.
Em situação de terra arrasada, e sob forte ocupação virtual, o Brasil vê suas riquezas sendo pilhadas a preço de banana por aqueles que hoje ocupam o poder. Guedes já deu diversas declarações de que a Petrobrás deve diminuir sua participação de mercado, vendendo o máximo de seus ativos. Seu preposto na empresa, Roberto Castello Branco diz que seu sonho é privatizar a Petrobrás. Empresa que ele nem se dá ao trabalho de conhecer.
Assassinos econômicos
Sim, essa é a face tangível da guerra híbrida : o desmonte do patrimônio de um país, a perda de recursos , riquezas e empregos. Hoje o Brasil possui quase 14 milhões de desempregados, um PIB estagnado, progressão de falências e quebra de gigantes , como a Odebrecht , que deve mais de R$ 80 bilhões aos bancos por conta da Lava Jato.
Mas a quem interessa esse desmonte total, quem de fato está por trás dessas ações, quem é o verdadeiro interessado na propagação da mentira, da retirada de direitos, manipulações judiciais, midiáticas e políticas?
É muito óbvio e imediato para qualquer observador (a) atento (a) elencar vários nomes da política e empresários de aluguel envolvidos em todo esse esquema, porém são apenas sicários. Ou lacaios de algo maior.
A quem interessa essa Guerra: americanos, russos, chineses???
Disputa de Narrativas
O debate em torno desta questão e sobre quem seria a fonte dos conteúdos vazados pelo The Intercept Brasil relativos aos bastidores da Lava Jato tem a lógica da disputa de narrativas. Há a corrente daqueles que acreditam em teses conspiratórias, como a de que esses conteúdos teriam sidos hackeados por profissionais russos, operados pelo presidente russo e ex-KGB, Vladimir Putin, para tirar o Brasil da órbita de Washington. Na mesma linha, advoga-se também que o The Intercept Brasil teria contratado um hacker russo para invadir os celulares de Moro e Deltan Dalagnol, com objetivo de gerar uma crise de legitimidade contra a Operação Lava Jato. O grande financiador do The Intercept, o bilionário Pierre Omidyar, é o dono do E-Bay e uma das estrelas do Panamá Papers.
Outra corrente entende que Glenn Greenwald estaria sendo abastecido pelo chamado Deep State um poder paralelo que opera nas profundezas do estado estadunidense, que descarta mais um de seus operadores, como na trilogia de filmes do agente Jason Bourne, operando tecnologias e terrorismo. Nesta visão, Greenwald seria um “ativo” estadunidense, queimando Moro, outro “ativo” do mesmo país, visando eliminar um dos aspectos mais reprováveis da Lava Jato dentro e fora do Brasil. “Mas como assim?”, o (a) leitor pode se perguntar, “Estamos falando do mesmo homem que divulgou as denúncias de Edward Snowden sobre a máquina de vigilância e espionagem dos EUA!”. A esta objeção, os partidários da tese que põe em dúvida os verdadeiros objetivos de Greenwald argumentam que o The Intercept é notoriamente patrocinado por Pierre Omidyar, o qual tem ligações com a CIA. Classificam o veículo de jornalismo como um limited hangout, ou seja, as informações divulgadas não são as mais relevantes e apenas falam ao viés cognitivo da esquerda. O interessante não é o que está posto, mas o que não está. Nenhum comentário sobre a possível participação dos EUA em todo este terrível processo em andamento no Brasil. Nem associação com a espionagem denunciada por Snowden.
Qual destas correntes estará mais perto da verdade? Quem viver, verá. A questão maior, porém, não quer calar: até quando vamos deixar acontecer? Quando seremos de fato, nós, brasileiros, os donos do Brasil?
*André Lobão é jornalista do Sindipetro-RJ
*Carla Marinho, engenheira e pesquisadora da Petrobrás, diretora do Sindipetro-RJ e conselheira da AEPET (Associação dos Engenheiros da Petrobrás )
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