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Veganismo, maternidade e cosmologia guarani: Patrícia e Sama são vítimas da Justiça brasileira

Além de Patrícia ser vítima de toda a sorte de preconceitos, ela e o seu bebê Sama são vítimas também de uma decisão judicial inadequada e injusta
Dr. Rosinha
Viomundo
São Paulo (SP)

Tradução:

Patrícia Garcia é mulher e indígena. 

Assim, para o olhar de muitas pessoas – brancas, principalmente se homens – já nasceu ”culpada”.

Patrícia Garcia é paraguaia e veio morar no Brasil.

Ou seja, está vivendo no estrangeiro num dos piores momentos da nossa história: forte machismo, racismo, xenofobia.

Viver em terra estrangeira é mais uma razão para se tornar ”culpada”.

Triplamente ”culpabilizável”: ser mulher, índia e estrangeira.

Não para por aí.

Patrícia Garcia segue a religião Hare Krishna.

No Brasil, ao contrário do que Bolsonaro afirmou na ONU, não há perseguição a cristãos, mas, sim, aos que professam outras filosofias e religiões. Geralmente, são perseguidos (as) por cristãos fundamentalistas.

Mais uma condição, portanto, que a torna ”culpada”.

A religião Hare Krishna não permite consumo de alimentos de origem animal, opção que Patrícia também adotou em relação à alimentação do filho, Sama, fruto da vida conjunta com seu ‘companheiro’ brasileiro.

No Brasil ser vegano ou vegetariano, ao olhar de muitas pessoas, também é crime cultural/alimentar, o que faz de Patrícia ”culpada” novamente.

Além de Patrícia ser vítima de toda a sorte de preconceitos, ela e o seu bebê Sama são vítimas também de uma decisão judicial inadequada e injusta

Arquivo Pessoal
Patrícia Garcia é mulher e indígena. Assim, para o olhar de muitas pessoas – brancas, principalmente se homens – já nasceu ”culpada”.

Patrícia Garcia, aqui no Brasil, perdeu, por decisão judicial o direito de conviver/viver com seu filho Sama.

Ela foi acusada, pelo pai de Sama, de maltratar o bebê.

A “justiça” tomou esta decisão sem sequer ouvir Patrícia.

Patrícia tem provas e testemunhas que negam as acusações.

Porém, o juiz – o sistema judiciário – se recusa a ouvir a mãe e as testemunhas.

Há inclusive laudos médicos que comprovam o bom estado de saúde de Sama, que era amamentado pela mãe.

Num dos momentos mais importante da vida, Sama – tem um pouco mais de 1 ano de idade – é privado da amamentação materna.

Mas não só isso. É privado também do ato afetivo de relacionamento entre mãe e filho.

O leite materno atua sobre o desenvolvimento do cérebro.

No caso específico de Sama, que tem hidrocefalia benigna, o leite materno é de suma importância para evitar prejuízos futuros:

O “aleitamento materno é uma das recomendações médicas para auxiliar na drenagem do líquido que se aloja na cavidade cerebral”.

Portanto, a decisão judicial em vigor, além de violar o direito de amamentar — que deveria ser considerado natural–, coloca em risco a vida futura de Sama.

Por decisão judicial Sama está sob a guarda do pai.

Também por decisão judicial, depois de 40 dias de separação, ele passou a ter contato com a mãe durante 3 horas por dia.

Porém, nem sempre isso acontece, pois o pai às vezes deixa de cumprir a ordem judicial.

Neste período de separação, Patrícia retira – diariamente – o leite por meio de uma máquina de sucção e o leva até o portão da casa em que Sama está morando com o pai.

O pai de Sama é brasileiro e professor na Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA), em Foz do Iguaçu, onde Patrícia conquistou uma vaga no mestrado em educação.

Durante a gestação, os abusos psicólogos, morais e patrimoniais se intensificaram, fazendo com que Patrícia pedisse o divórcio e medidas protetivas contra o ex-marido”.

Segundo Patrícia, a ordem de busca continha informações falsas e racistas.

“No documento, dizia que eu não tinha feito pré-natal, sendo que eu tinha e apresentei todas as documentações e exames, mas simplesmente não ouviram e omitiram isso. Além disso, afirmavam que o bebê sofreu vários riscos por ter nascido no Paraguai em uma aldeia indígena” (…).

“Por ser imigrante, por ter tido um parto de forma natural, sem violência, estão me incriminando. Por minha alimentação e crenças, querem apagar meu ser. Isso é uma espécie de tortura psicológica”, disse Patrícia, enquanto ordenhava.

Estão me julgando por ser naturalista, mas eu não conheço outra vida, cresci e fui criada assim. É uma aculturação ainda, porque me comunico com ele em Guarani”.

Enfim, além de Patrícia ser vítima de toda a sorte de preconceitos, ela e o seu bebê Sama são vítimas também de uma decisão judicial inadequada e injusta.

*Dr. Rosinha é médico pediatra, militante do PT. Pelo PT do Paraná, foi deputado estadual (1991-1998) e federal (1999-2017).  De maio de 2017 a dezembro de 2019, presidiu o PT-PR. De 2015 a 2017, ocupou o cargo de Alto Representante Geral do Mercosul. 


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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