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ToggleDesde que Hugo Chávez ascendeu à presidência do país, em 1999, a Venezuela passou a ser atacada sistematicamente pelos grandes conglomerados midiáticos transnacionais. As políticas de distribuição de renda a partir da riqueza petrolífera e o espírito insubmisso evocado pelo presidente não só transformaram a vida de milhões de venezuelanos, mas também chacoalharam as estruturas da geopolítica global, colocando o país latino-americano como alvo preferencial da guerra comunicacional.
Na tentativa de frear este processo, setores da mídia, da elite econômica e da elite política venezuelana orquestraram, com apoio de alguns militares, um golpe para colocar fim precoce à Revolução Bolivariana, há exatas duas décadas.
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Classificada pelo sociólogo Ignacio Ramonet como ‘o primeiro golpe midiático da história’, a aventura durou pouco. Em três dias, Chávez regressou ao Palácio de Miraflores nos braços do povo, que foi às ruas em defesa da Constituição, com apoio de militares leais. A incrível história é contada de forma dramática e ganhou notoriedade mundial através do documentário A revolução não será televisionada, lançado em 2003 e dirigido pelos irlandeses Kim Bartley e Donnacha O’Brian.
De lá para cá, muita coisa aconteceu. O presidente faleceu em 2013 e Nicolás Maduro assumiu a desafiadora tarefa de substituir Chávez. A onda progressista que àquela altura tomava o continente, arrefeceu e apenas recentemente vem dando sinais de que pode voltar. O que não mudou foi a sanha dos grandes meios de comunicação privados em sua permanente campanha de calúnias e difamação contra o governo, a soberania e a autodeterminação do povo venezuelano.
Barão de Itararé
“Para superarmos o bloqueio econômico que sofremos em nosso país é preciso […], primeiro, superar o bloqueio na mente das pessoas”
Este contexto é fundamental para entender a preocupação de Chávez com a chamada batalha de ideias, um de seus principais legados às lutas dos povos em nosso continente. É nesses marcos que, 20 anos após o fracassado golpe midiático, a Venezuela inaugura a Universidade Internacional de las Comunicacions (La Uicom), em Caracas.
Idealizada em julho de 2018, durante encontro do Foro de S. Paulo em Havana, Cuba, a Uicom tem como proposta ser uma escola-laboratório para a formação de comunicadores populares, uma marca registrada da resistência dos venezuelanos contra o oceano de mentiras e desinformação praticados diuturnamente por veículos de mídia nacionais e internacionais.
“Queremos uma Universidade cuja base fundamental provenha das vozes de todas e todos, da luta emancipadora. A fábrica de conteúdos que estamos propondo já está nos povos em luta. Queremos ser a materialização deste espaço”, explica o reitor internacional da La Uicom, Fernando Buen Abad.
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Para o filósofo mexicano, especialista em Filosofia da Comunicação, a empreitada visa criar instrumentos e ferramentas de comunicação para municiar esta consciência do povo venezuelano, já expressada em inúmeras ocasiões de intensificação dos ataques sofridos pelo país, como por exemplo a onda de guarimbas (protestos muito violentos, com participação de mercenários) em 2017, a autoproclamação presidencial de Juan Guaidó e o pronto reconhecimento do ‘novo presidente’ por parte de dezenas de países, liderados pelos Estados Unidos.
As atividades da Universidade tiveram início em junho de 2020, em plataforma online, até por conta da pandemia que, àquela altura, tomava conta do planeta. “O desafio assumido como reitor da Uicom tem a ver com a consolidação de um corpo metodológico. Uma vez concluído, teremos de dar o próximo passo: pensar como deve ser, afinal, a nova comunicação que eleve nosso relato à altura do que exige a história”, pontua o reitor Buen Abad.
Atualmente, são 244 estudantes ativos no “Trajeto Inicial” proposta pela Uicom. Em visita à sede da Universidade, realizada no dia 12 de abril – data na qual se celebra o Dia da Comunicação Popular no país – como parte da programação da Cúpula Internacional Contra o Fascismo, foi possível acompanhar de perto as atividades desenvolvidas pelos alunos.
Parlamentar em uma comuna camponesa no estado de Cojedes, na Venezuela, Erick Flores é um dos jovens estudantes da Uicom. Ele explica que a Universidade recém-fundada é um espaço para desenhar e planificar uma “fábrica de conteúdos”, a fim de enfrentar a batalha estratégica de ideias.
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“Para superarmos o bloqueio econômico que sofremos em nosso país é preciso pensar a construção de ferramentas de comunicação que ajudem, primeiro, a superar o bloqueio na mente das pessoas”, afirma.
“A cabeça das pessoas são como territórios a serem invadidos pelos grandes meios de comunicação, por Hollywood e toda essa indústria pesada, que acaba fazendo água em nossos cérebros”.
Por isso, sublinha Flores, a ideia da Uicom e de seus estudantes é “afinar a pontaria” e “calibrar a artilharia” informativa para gerar reflexões em torno dos processos de comunicação nos territórios.
Comunicação para a libertação
Jornalista com passagem em diversos veículos, ex-presidenta da Venezolana de Televisión (VTV) e ex-ministra de Comunicação e Informação, a deputada Tania Diaz também faz parte da reitoria da Uicom. Segundo ela, “a Uicom é a ‘alma máter’ que nasce para elevar o nível da batalha pela libertação, pela consciência e pela defesa de outros relatos, da verdade, nos veículos de comunicação, nas redes, nas ruas e nas paredes”.
“A Venezuela é vítima de uma guerra desenfreada e despudorada”, afirma Diaz. “Temos resistido bravamente, apesar das mortes que ocorreram por falta de medicamentos, a violência e distintas razões provocadas pelo bloqueio contra o nosso país. Apesar disso, resistimos e investimos bastante na preservação de nossa memória, história, dos valores bolivarianos e das raízes da Revolução. Assim, pudemos nos reinventar”.
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Conforme explica a dirigente, a Uicom consiste em uma proposta acadêmica de altíssimo nível: “Esperamos convocar todos os pensadores que já estão aqui e os que ainda não estão para ajudar-nos a pensar e construir esta nova etapa da comunicação popular emancipadora”, diz. Segundo ela, a ideia da Universidade Internacional é estabelecer parcerias e convênios para que as experiências produzidas ali não se restrinjam apenas à Venezuela.
Uicom ocupa edifício de jornal golpista
O golpe frustrado de 2002 teve participação decisiva dos grandes meios de comunicação privados do país. Em trecho do documentário A revolução não será televisionada, figurões da imprensa venezuelana celebraram abertamente o sucesso do golpe. Mais que isso, deram nomes aos bois, inclusive os próprios nomes, conforme o excerto a seguir:
Um desses jornais responsáveis por conspirar e colocar em marcha o plano de regime change, alçando o líder empresarial Pedro Carmona à cadeira presidencial, após um teatro que vendeu a detenção de Chávez como uma renúncia (com direito a uma suposta carta sem assinatura por parte do presidente, o que acendeu o alerta na população), foi o El Nacional.
Tradicional meio de comunicação privado venezuelano, El Nacional segue a linha de jornalões típicos do sistema midiático latino-americano, historicamente concentrado nas mãos de poucas famílias e que reproduzem o pensamento único, em defesa dos interesses das elites locais.
Seu presidente e CEO, Miguel Henrique Otero, é membro da direção da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), espécie de entidade patronal que reúne os barões da mídia hegemônica de todo o continente. E foi por uma ação de Diosdado Cabello, destacada liderança chavista, contra Otero, que a Uicom veio a ser instalada justamente no antigo edifício onde funcionava El Nacional.
Vice-presidente do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), Diosdado Cabello moveu processo por “danos morais” após o jornalão veicular reportagens produzidas pelo The Wall Street Journal e pelo ABC, da Espanha, com sérias acusações de que o dirigente chavista, então presidente da Assembleia Nacional, possuía vínculos com o narcotráfico.
Cabello, que era vice-presidente de Chávez quando El Nacional apostou na desventura golpista, obteve vitória na Justiça em 13 de maio de 2020. Miguel Henrique Otero foi condenado a pagar US$ 13 milhões de dólares de indenização por calúnia e difamação e, como se recusou a cumprir a ordem judicial, teve de entregar a sede do jornal.
Cabello prontamente disponibilizou o espaço para ocupação imediata por parte da Uicom, no dia 26 de maio, apenas duas semanas após a sentença. Um simbolismo sem precedentes para a luta pela democratização da comunicação, pela comunicação popular e contra o golpismo midiático no continente.
Felipe Bianchi, do Comitê Brasileiro pela Paz na Venezuela
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