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Ximena Natera e Daniela Pastrana*
Diferente da capital, Tegucigalpa, construída como uma incomoda manta cinzenta que cobre meia dúzia de cerros -“Cerrocigalpa” como é chamada- esta cidade hondurenha se estende sobre um vale de quase 800 quilômetros quadrados.
A zona mais alta está sobre a cordilheira do Merendón. A vista do alto é propriedade das famílias mais endinheiradas do país, donas de bancos, televisões, times de futebol, lojas de roupa, fazendas bananeiras e dezenas de maquilas (produtoras para exportação).
Vivem em palacetes murados com cabos de alta tensão e segurança privada, cujos guardas as resguardam em cima de cabines de segurança.
“Para eles, a cidade de São Pedro Sula não existe”, diz una voluntária da Rádio Progresso, a emblemática radiodifusora da comunidade do mesmo nome, a 28 quilômetros da cidade, e onde a Caravana pela Paz, a Vida e a Justiça, que saiu de Honduras na segunda-feira, dia 28, faz uma parada antes de seguir seu curso para Intibucá, com o destino final em Nova York, onde terminará no dia 21 de abril.
Segundo dados da ONU (Organização das Nações Unidas), na América Latina são cometidos um terço dos assassinatos do mundo, mesmo que essa região concentre pouco mais de 8% da população mundial.
Nessa região violenta, São Pedro Sula é um caso à parte. Sua taxa de homicídios, de 171 por cada 100 mil habitantes, dificilmente pode ser superada por qualquer outro lugar do planeta.
A OMS (Organização Mundial da Saúde), por exemplo, considera como epidemia taxas acima de 10 mortes violentas por cada 100 mil habitantes. Isto significa que em uma cidade de pouco mais de um milhão de habitantes, quase seis mil pessoas são assassinadas a cada ano.
São Pedro Sula é una cidade de contrastes. À primeira vista, parece uma pequena Tijuana, a cidade mexicana na fronteira dos Estados Unidos e famosa por sua violência e grande atividade de comércio ilegal.
Mas, olhando mais de perto, é como Acapulco, a cidade mexicana mais violenta em 2015, porém sem mar.
Há bairros em que não se pode entrar sem salvo-conduto e guetos milionários construídos para manter a morte do outro lado do muro. Os de fora o temem e recomendam aos estrangeiros não ir. Mas os que vivem aqui perguntam com cautela se não é muito perigoso ir de férias ao porto de Veracruz.
Por aqui passa tudo
“Tegucigalpa é nada mais que a cara política de Honduras, São Pedro é o motor industrial” repete a voluntária de Rádio Progresso. E não se engana: desde 2011 São Pedro aporta quase um terço do produto interno bruto de Honduras.
Até o século XIX o Vale de Sula foi o grande depósito da América Central, onde todos os produtos da região eram concentrados e armazenados antes de serem embarcados em Porto Cortés.Tudo mudou com a chegada de uma onda de migrantes palestinos que converteram essa zona no centro de comércio mais importante da rota oriental.
Cem anos depois são estas mesmas famílias – Rosental, Andal, Rafati- e alguns novos empresários, políticos e chefes de grupos criminosos, os que vivem amuralhados no alto do Merendón.
O resto do Vale está cercado por cinturões de miséria, formados por famílias do campo que chegaram a São Pedro, primeiro quando o furacão Mitch devastou a região, e depois com as deportações em massa dos Estados Unidos. Para este setor a única opção de emprego é nas maquilas com um salário miserável.
Essa é, em parte, uma das explicações da violência. Nas últimas duas décadas foram criadas nesta cidade 427 comunidades. Das 270 que havia em 1992, passaram a 700 em 2013, segundo a diretoria de Estatísticas Municipal, embora as cifras não sejam exatas.
Chamelecón e Rivera Hernández, dois dos bairros com maior densidade de população, não tiveram um censo nos últimos 10 anos porque ninguém se atreve a entrar nessas colônias dominadas pelas “maras” (bandos de criminosos).
Além disso, a localização geográfica de São Pedro Sula, a 114 quilômetros da fronteira com a Guatemala e a 52 de Porto Cortés, com saídas para Tegucigalpa e para a Ceiba, convertem-na em um lugar estratégico para o transporte de quase tudo.
Hoje, todos os migrantes que vão para os Estados Unidos passam por aqui. Também passa por esta rota 80% da droga que vai para o norte, segundo estimativas oficiais.
Outro ativista da Rádio Progresso resume assim: “Por El Salvador passam a coca que é consumida pelos salvadorenhos. Por São Pedro passa a coca que é consumida em Honduras, na Guatemala, no México e nos Estados Unidos. Por São Pedro passa tudo”.
A face escura de São Pedro
Na quarta semana de março circulou nas redes sociais a fotografia de uma página tamanho carta com uma mensagem impressa para os moradores da comunidade Reparto Lempira que dizia:
“De parte da gangue 18 damos 24 Horas para que se esfumem dessa área e depois não lamentem ver vidas caídas… Damos 24 horas para que desocupem, nada de chamar a polícia, nem fazer denúncias, senão vão lamentar”.
Foram embora. Ninguém aguarda as ameaças serem cumpridas nesta cidade onde, segundo as estatísticas, nos primeiros três dias desta semana – que é quanto já dura o recorrido da caravana de ativistas que buscam abrir o debate da política de drogas militarizada impulsionado pelos Estados Unidos – 57 pessoas teriam sido assassinadas e outras 19 terão morrido até o fim do dia.
No domingo, dia 27, houve quatro assassinatos em um mercado. Foram mortos na zona de descarregamento. Hoje o lugar está cercado pela polícia militar, mas os habitantes passam pelo lugar como se não houvesse nada, enquanto conversam sobre o tráfico e suas preocupações.
Marta, enfermeira do Hospital Rivas, pensa que a brutal violência vem de uma combinação de fatores que se iniciam com a industrialização da cidade, que pouco dinheiro rende para as pessoas comuns, as nulas opções para conseguir uma vida melhor, e a enorme concentração de pessoas nas comunidades da periferia, onde o único exemplo de autoridade para os jovens é o crime.
A isso se soma o fato de que neste país a lei permite a cada cidadão ter até cinco armas de fogo. Em troca, diz a enfermeira, em seu hospital não há material para trabalhar.
“Aqui quem vem para se operar tem que trazer sua anestesia… e até seus curativos”, diz agastada, porque na quarta-feira, dia 30, Ana García, a esposa do presidente Juan Orlando Hernández, visitou o hospital para repartir pulseiras de identificação para os pacientes.
“Mas escute. Não seria melhor trazer antibióticos, que não temos nenhum, e deixamos as pulseiras para os que morrem”. Disseram à primeira dama.
Ao cair da noite nas ruas do centro da cidade aparecem pessoas dispostas a dormir à intempérie. Nós, que estávamos fazendo esta reportagem demoramos muito em encontrar um hotel que custasse menos de US$ 90 por noite e que não tivesse cara de bordel. Tivemos sorte.
*IPS de San Pedro Sula, Honduras, especial para Diálogos do Sul – Este artigo foi originalmente publicado em Pie de Página, um projeto de Periodistas de a Pie financiado pela Open Society Fundations. IPS-Inter Press Service tem um acordo especial com Periodistas de a Pie para a difusão de suas matérias.