Joe Biden prometeu que a “América está de regresso” e há que reconhecer promessas cumpridas, os Estados Unidos estão de regresso, de regresso e regressando.
Primeira escala de uma viagem de regresso, repleta de nostalgia: o retorno à guerra fria. Os russos retomaram seu papel como os maus do filme, Washington está de regresso como guardião mundial de democracia, tudo como nos velhos tempos. Ah, e ao mesmo tempo, também regressou isso que se fazia nesse bons tempos: as mudanças de regime.
Em seu discurso na Polônia, elaborado para ser proclamado “histórico” de imediato, comparado ao de JFK em Berlim e o de Reagan sobre o muro (os grandes discursos da grande guerra fria), Biden culminou com a frase e, referindo-se a Putin: “este homem não pode permanecer no poder”. A Casa Branca difundiu o discurso com o grandioso e nostálgico título de “Esforços Unidos do mundo livre em apoio ao povo da Ucrânia”.
Wikimedia
Políticos como Biden não aceitam responsabilidade por seus bem documentados crimes de guerra
Pouco depois, altos funcionários da Casa Branca esclareceram aos meios, sem humor, que o presidente não estava propondo “uma mudança de regime” quando disse que Putin “não podia permanecer no poder”. Parece que ainda não têm uma frase nova para diferenciar o que disse o estadunidense depois que Washington acusou o russo de ter esse mesmo objetivo na Ucrânia. Mas os Estados Unidos estão de regresso com uma prática que têm usado há mais de um século, embora isso sim, sempre “em nome da democracia”.
“Políticos como Biden, aqueles que não aceitam responsabilidade para nossos bem documentados crimes de guerra, pulem suas credenciais morais ao demonizar seus adversários. Sabem que as possibilidades de que Putin enfrente a justiça é igual a zero.
E sabem que as possibilidades de que eles mesmos enfrentem a justiça é igual a zero”, afirma o jornalista e autor Chris Hedges em Scheerpost.com. Os estadunidenses nunca tiveram que prestar contas inclusive nos casos em que foram acusados por “guerras de agressão criminosas” sob as leis pós Nuremberg a mesmíssima acusação que eles agora fazem contra a Rússia.
Hedges explica que “nossos crimes de guerra não contam, e tampouco contam as vítimas de nossos crimes de guerra. E esta hipocrisia faz com que um mundo baseado em regras, que cumpra com o direito internacional, seja impossível”.
O falecimento de Madeleine Albright, a primeira mulher chanceler dos Estados Unidos, na semana passada, também provocou elogios nostálgicos dos Estados Unidos e sua missão sagrada como “líder do mundo livre”. Quase ninguém nos circuitos oficiais recordou que ela justificou oficialmente, em entrevista a CBS News, em 1966, as mortes de meio milhão de crianças por causa das sanções estadunidenses contra o Iraque, ao declarar que “o custo valia a pena” (embora tenha depois insistido que foi uma declaração “estúpida”).
Tampouco se recordou que durante a presidência de Clinton, em 1999, Albright foi a principal “falcão” na guerra da OTAN encabeçada pelos Estados Unidos contra a Sérvia – sem autorização da ONU – na qual bombardearam zonas civis inteiras em Belgrado e outros lugares durante 78 dias.
Poucos anos depois, o então senador Biden votaria a favor da invasão do Iraque impulsionada por George W. Bush, outra guerra não autorizada pelo ONU, não provocada. Ou seja, muito do mesmo do que agora se acusa a Moscou.
Mas para grande parte da cúpula política, este regresso a tempos tipo guerra fria é bem-vindo. Podem desempoeirar a retórica velha já bem ensaiada, incluindo alertas sobre a ameaça nuclear apresentada pelos inimigos do “mundo livre”.
Há um pequeno problema: os russos já não são “comunistas” ou “marxistas”, então têm que eliminar esses termos da narrativa oficial, mas aparentemente não todos neste país se deram conta: como protesto contra a invasão russa da Ucrânia, a Universidade da Florida removeu o nome de Karl Marx de uma de suas salas de estudos. Aparentemente ninguém lhe informou que Marx era alemão, não russo.
Os Estados Unidos regressaram… ou retrocederam?
The Beatles – Back in the USSR
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