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Vidas paralelas: Alfredo Stroessner e Jorge Videla

Revista Diálogos do Sul

Tradução:

stroessner e videla
Os ditadores Alfredo Stroessner e Jorge Rafael Videla.

Em 1954, realizou-se na Guatemala uma reunião da OEA e John Foster Dulles, em nome dos Estados Unidos, estabelece que na Guerra Fria, a política a por em execução é de uma “democracia sem comunismo”, para o que planeja em 1954 o golpe de estado na Guatemala, derrubando o presidente democrático Jacobo Arbenz, que tinha anunciado o início da Reforma Agrária – ameaça para a United Fruit Company, quase dona do país, e colocando como presidente de fato o coronel Castillo Armas. Guatemala é um país influente em toda a América Central.

Também em 1954, diante do avanço da Revolução Boliviana, gerada em 1952, e que também tinha iniciado a nacionalização das minas e a reforma agrária, com possível impacto no espaço central da América do Sul, Foster Dulles orquestra o golpe de estado no Paraguai.

Em 4 de maio de 1954, o general Alfredo Stroessner encabeçou o golpe militar contra o governo de Federico Chávez, dirigente do Partido Colorado – ANR – setor democrático. E colocou em marcha a ditadura de quase 35 anos, apoiando-se no mesmo partido colorado, “alugando” tal partido… Assim nasceu a trilogia Governo+Forças Armadas+ANR, ou seja, a militarização do partido de aluguel.

As décadas de 1960 e 1970 tiveram como característica processos de despertar dos povos, de tal maneira que como resposta, em 1964, ocorre o golpe de estado dos militares no Brasil instaurando brutal repressão com a Doutrina de Segurança Nacional. Contudo surge em 1968 a Revolução Peruana com o general Velasco Alvarado e, em 1970, triunfa nas eleições celebradas no Chile, alvador Allende, ao mesmo tempo que ocorrem muitas agitações no Uruguai com a Frente Ampla e os Tupamaros, o que inquieta profundamente aos EUA.

Isso explica o golpe de estado e o bombardeio ao Palácio La Moneda para derrubar o presidente Allende, que morre no enfrentamento e logo ocorre o golpe de estado no Uruguai.

O artífice destes golpes de estado e dos posteriores foi Henry Kissinger-EUA.

Na Argentina, com o regresso do general Perón, apoiado por forças progressistas, gera um novo clima e ganha as eleições, assumindo a presidência em 1973, porém, falece em 1974, ocupando a presidência a vice presidenta, criando-se rapidamente um clima de difícil governabilidade.

Aparecem as forças armadas, inspiradas pelo mesmo império norte-americano. O general Rafael Videla, apoiado numa troika (com o almirante Massera e o general Viola), em 24 de março de 1976 encabeçou o golpe militar contra o governo constitucional de Isabel Martínez de Perón.

E, rapidamente, surgiu o parentesco entre os dois ditadores…. duas Vidas Paralelas.

Ambos contavam com o beneplácito de Washington  e de Brasília.

Ambos pretendiam supostamente salvar a civilização ocidental e cristã da garra do comunismo. O fantasma do comunismo ajudou a implementar um sistema de violência terrorista e a cometer todas as violações aos direitos humanos. Para isso, ambos dissolveram o congresso, proibiram toda atividade política e sindical, favoreceram a entrada das empresas transnacionais em cumplicidade com os empresários nacionais. Ambos entregaram a soberania nacional. O Paraguai com Itaipú – Yacyretá. Argentina desmontou seu processo de industrialização e iniciou o processo de privatização. Ambos glorificavam sua honra castrense.

Stroessner já levava 22 anos reprimindo, assassinando e expulsando sacerdotes. Vilela acreditou que estava realizando o Processo de Reorganização Nacional – dizia que era um processo com objetivos e sem prazos -, enquanto Stroessner acreditou  que consolidava uma “democracia” sem comunismo depois de receber a visita do então vice presidente estadunidense Richard Nixon.

Os dois regimes totalitários instalaram na sociedade o Terror/Medo paralisante, como política de estado. Nesse contexto apareceu o pacto criminoso, a Operação Condor (Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, Paraguai e Uruguai). O mentor de Stroessner em matéria da Operação Condor foi o ditador brasileiro/alemão Ernesto Geisel e Videla também estava pendente de suas ordens. Este fato nos faz lembrar que Bartolomé Mitre também vivia pendente das instruções do Itamaraty durante a guerra da Tríplice Infâmia contra o marechal Francisco Solano López.

Videla e Stroessner acreditaram que eram deuses, senhores da vida e da morte de seus súditos.

O inimigo não era Stroessner, tampouco Videla, mas sim o sistema monstruoso (militar, político e econômico) que criaram com o apoio dos EUA. Atuaram como Luis XIV. Acreditaram que eles eram o estado. Ambos converteram a educação em mercadoria e se reproduziram como fungos os centros educativos privados de baixa qualidade.

Segundo o jornalista de Pagina 12, Dario Pignotti, o embaixador do Brasil na Argentina, Francisco Azeredo da Silveira, recomendou a seu governo fechar as fronteiras para colaborar com o golpe de estado promovido por Videla e colaborar estreitamente com seu governo. Geisel autorizou o governo argentino de fato a “neutralização” de brasileiros em território argentino.

Ambos impulsaram a destruição econômica do país com as bases do neoliberalismo. Provocaram a retirada do estado da economia, das finanças e do espaço social. No lugar promoveram o avanço do mercado. Ambos conseguiram Mercado Total e Insegurança Total.

Revelando hipocrisia, ambos se ajoelhavam nas missas. Videla não deixava de comungar e jamais mostraram arrependimento nem pediram perdão porque tal gesto nobre e altruísta não formava parte de seus valores morais. Videla cometeu um crime maior com o roubo de crianças, ocultamento de menores, assassinato de suas mães detidas/desaparecidas. Assassinato de bispos, sacerdotes e monjas.

Stroessner, segundo declaração do chofer do ex chefe de polícia, sargento Acosta, se banhava com o sangue de crianças roubadas para tratamento de pele. Ambos deixaram milhares de famílias destroçadas que até hoje não podem resolver seus lutos.

Por isso as Avós da Plaza de Mayo simbolizaram seu tormento.

Videla jogava seus opositores no Rio de la Plata, e Stroessner jogava suas vítimas sobre a selva de Charará, hoje Eugenio A. Garay, e no Rio Paraná. O terrorismo de estado tem as impressões digitais de Stroessner e Videla, como também de seus congêneres como Pinochet e outros criminosos. A tortura erigida como sistema durante os governos de Stroessner e Videla (também dos demais países da Condodr).

Videla gozava da total cumplicidade de parte da hierarquia católica. Stroessner somente contava com o apoio de seus vigários castrenses. A hierarquia estava com o povo representada pelo monsenhor Ramón Bogarin Argaña e Ismael Rolón. O primeiro foi o fundador das Ligas Agrárias Camponesas.

Funcionários e repressores da ditadura dos dois países passaram a ser os funcionários da pseudo-democracia. Ambos foram declarados cidadãos ilustres em suas cidades de origem. Stroessner, com uma hipocrisia sem limites, declarou-se perseguido político em seu país de adoção, Brasil. Videla se declarou preso político no cárcere.

Stroessner foi declarado pela justiça paraguaio reo prófugo da justiça, mas foi protegido pelos militares brasileiros “os barões de Itaipu”. Videla foi condenado a prisão perpétua abandonado pelos genocidas brasileiros. Também Washington lhe deu as costas.

Stroessner morreu em Brasília em 16 de agosto de 2006 e foi ali enterrado porque no Paraguai o povo se mobilizou com o slogan “Nem morto te queremos”.

Videla morreu no cárcere de Carlos Paz em 17 de maio de 2013. Seus restos ainda não foram enterrados porque ninguém quer receber esses “restos”. Repete-se o slogan “Nem morto te queremos”.

Para os ditadores dessa categoria é temível e tem caráter subversivo todo aquele que pensa e tem um projeto de vida própria e comunitária. Por isso meu delito de pensar em voz alta na Universidade Nacional de La Plata, Argentina, inspirado na educação libertadora de Paulo Freire, fui tipificado como “terrorista intelectual” (1974/1977). Nunca fiz curso para ser torturado porém Stroessner e Videla enviaram a suas forças armadas a serem treinadas em técnica de tortura na Escola das Américas, na Zona do Canal de Panamá. Essa escola, qualificada pelo sacerdote estadunidense Roy Bourgeois como Escola de Assassinos, hoje está no Fort Benning, estado de Geórgia, EUA.  A luta de Roy é para o encerramento definitivo dessa escola e para isso criou o prestigioso organismo SOA Watch que conta com apoio nacional e internacional.

Diante dessas ditaduras e regimes repressivos inspirados pelo império norte-americano e as políticas neoliberais, que a cada dia tornam mais pobres a nossos povos, só cabe a luta permanente pela libertação, para o que se requer mudanças sociais e econômicas profundas a partir da educação libertadora de Paulo Freire.

*Martín Almada, Prêmio Nobel Alternativo da Paz, Associação Americana de Juristas – da equipe de Diálogos do Sul


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

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