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Argentina atravessou este ano de 2016 por uma das etapas de maior violência contra as mulheres, com cifras realmente preocupantes: mais de 235 vítimas mortais, sem contar as denúncias por maltrato e agressões.
Maylín Vidal*
O fenômeno dos feminicídios y de todo tipo de violência contra as mulheres é uma realidade que impera hoje na região e neste país a situação é alarmante. Apesar das marchas, mobilizações e leis, longe de deter-se, este flagelo aumentou. Conta-se um assassinato desse tipo a cada 30 horas.
Cada dia, nos últimos 12 meses, as manchetes davam as tristes notícias de mulheres assassinadas, a maioria jovens, casos realmente brutais de meninas e adolescentes violadas e outras maltratadas, machucadas e humilhadas.
Dos mais impactantes, que comoveu não só o país más ao mundo inteiro ainda ressoa, da jovem de 16 anos, Lucía Pérez, em Mar del Plata. A adolescente foi levada sem vida para o hospital. Versões jornalísticas apontavam para uma overdose, posto que antes de pedir ajuda os que praticaram o crime tinham lavado e vestido a menina para dissimular as graves lesões genitais.
Os resultados da autópsia foram assombrosos. A violação foi tão bruta, que a promotora do caso, Maria Isabel Sánchez, disse nunca ter visto um conjunto tão grande de aberrações em toda sua carreira.
Obrigaram a menina consumir cocaína e maconha em excesso e estando indefesa a submeteram a um brutal abuso por via vaginal e anal, provocando lesões internas por ter sido empalada. Além de ter sido violada, os agressores atravessaram suas genitais com uma estaca. “Ao introduzir um objeto via anal provocaram um reflexo no vago e uma parada cardiorrespiratória. Foi uma agressão sexual inumana”, afirmou a promotora.
O caso provocou uma comoção tão grande que milhares de pessoas, em todo o país, saíram às ruas para pedir justiça e a repercussão foi gigantesca, com réplicas no Chile, México, Colômbia, Espanha entre outros países.
Vestidas de negro, em memória daquelas que já se foram, milhares de mulheres argentinas unidas na dor marcharam pelo país inúmeras vezes durante este ano sob a consigna de “nenhuma a menos”.
Por Lucía Pérez, por Marcela, Beatriz, Silvia, Natália, Samantha, Milagros, Marilyn, Débora, por todas essas faces que já não estão, juntas numa mesma raiva e impotência contida para pedir ao Estado que urgentemente faça algo.
“Somos o grito das que já não têm voz”, se podia ler nos diferentes cartazes que se esparramaram pelas ruas da capital no dia 19 de outubro, uma multidão apesar da chuva e frio cortante num dia que batizaram como “sexta-feira negra”.
Apesar de tudo isso a situação se mantém. Só para citar um exemplo, depois dessa mobilização ocorreram mais assassinatos de mulheres como o triplo homicídio praticado na província de Mendoza. No bairro Trapiche, do município de Godoy Cruz, um professor de artes marciais de 30 anos matou a sua mulher, sua sogra e a tia da mulher e feriu gravemente a sua filha de sete meses e a seu filho de onze anos.
E, o que dizer do ocorrido em Chimbas, na província de San Juan, em novembro, em que uma menina de quatro anos foi violada e asfixiada até morrer, assassinato envolvendo o tio da criança e uma avó.
Soluções urgentes
Os familiares das vítimas que sentiram na própria carne a dor pungente de perder um ser querido dessa maneira pedem hoje por justiça e mais que tudo clamam pela necessidade de urgentes e efetivas políticas governamentais.
Em recente informe, o observatório de feminicídios Adriana Marisel Zamabro, da associação Casa do Encontro, registrou que entre 1o de janeiro e 31 de outubro de 2016 as estatísticas são preocupantes: um feminicídio a cada 30 horas, 235 vítimas mortais, 294 filhos e filhas que perderam a mãe, 173 deles menores de idade.
Em 65% dos casos as vítimas foram assassinadas por companheiros ou ex companheiros, y 67% tinha entre 19 e 50 anos. 41 dos assassinos suicidaram depois de cometer o crime e desde 2008 até 2015 foram 2094 mulheres foram assassinadas.
Recentemente, fins de novembro, a Relatora Especial das Nações Unidas sobre a Violência contra a Mulher, suas causas e consequências, Dubravka Simonovic, visitou o país e percorreu algumas províncias onde teve oportunidade de conhecer de perto algumas vítimas deste flagelo.
Ao fazer um balanço, Simonovic disse à imprensa que as assassinadas não são números e convocou a que se faça mais para combater este triste fenômeno que assola o país e outras nações do mundo. Ao mesmo tempo pediu às autoridades argentinas aumentar a proteção às mulheres diante de um “sistema com consideráveis deficiências”.
A especialista das Nações Unidas considerou que há muito trabalho a ser feito na Argentina para conseguir cumprir com as obrigações derivadas de tratados internacionais e superar atitudes patriarcais e estereótipos de gênero enraizados.
Em seu informe exorta o Executivo sobre a necessidade de intensificar as ações para prevenir e combater os feminicídios, bem como outras formas de violência de gênero com o fim de garantir os direitos das meninas e das mulheres.
“As vítimas da violência de gênero se enfrentam com a falta de uma implementação sistemática, coerentes e efetiva de normas legais internacionais e federais em todo o país e isto resulta em diferenças significativas entre as províncias e nos diferentes níveis de proteção”, disse.
Referindo-se ao Código de Processo Penal, a especialista reconheceu que estabelece que o processo por delitos sexuais não são conduzidos de ofício, o que leva a ver a violência sexual como algo privado. Este tipo de norma dá uma mensagem equivocada que leva a pensar que as violações e a violência sexual constituem assunto privado e não público, concluiu.
A relatora instou as autoridades a tomar medidas concretas que incluam a implementação da legislação recentemente aprovada sobre proteção integral para as mulheres e destacou a necessidade de construir mais refúgios e a criação de serviços completos de apoio às vítimas.
Com vistas a enfrentar e por fim a essa triste realidade, as autoridades argentinas realizam hoje uma forte campanha por todo o país. Em Buenos Aires, por exemplo, nas estações do Metrô, há vários cartazes em que apelam à população a se conscientizar sobre o problema.
“Quando as mulheres viajam no metro em horário de pico, estão pendentes de não ser abusadas sexualmente”, é o que se pode ler em um dos tantos cartazes espalhados pelas estações.
São mais de 300 chamadas recebidas pelo telefone 144, criado para atender e assessorar nos casos de violência de gênero. No último quadrimestre essas chamadas cresceram em 70%.
No Dia Internacional da Eliminação da Violência contra as Mulheres, 25 de novembro, o presidente Mauricio Macri recebeu um grupo de familiares de vítimas do feminicídio no país. Posteriormente, em coletiva à imprensa, a ministra do Desenvolvimento Social, Carolina Stanley disse que a luta contra esse flagelo é uma política de Estado na Argentina e informou que o Plano Nacional para a Prevenção, Assistência e Erradicação da Violência contra as mulheres, está integrado por 50 organismos do Estado e da sociedade.
Iniciativas para combater o flagelo não faltam mas o centro é que as políticas, para muito, não chegam a se tornar o suficientemente efetivas e os assassinatos e a violência continuam latentes.
*Prensa Latina, de Buenos Aires, Argentina, especial para Diálogos do Sul.