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Violência de gênero: mal difícil de curar no Uruguai

Revista Diálogos do Sul

Tradução:

O assassinato de cinco mulheres uruguaias no transcurso de 2017 e a hospitalização de outra por seu estado crítico, evidenciou que sempre é pouco o que se pode fazer para evitar os violentos fatos.

Juan Carlos Díaz Guerrero*
Latuf Violência de gêneroEssas mortes prematuras, por se tratar de mulheres jovens em sua imensa maioria, abriram novamente o debate sobre a violência baseada no gênero e puseram em alerta a sociedade em seu conjunto, de onde se levantaram diferentes vozes condenatórias.
Um dado característico chamou a atenção em todos os crimes: Todas foram mortas por seu companheiro ou ex-companheiro e em alguns casos na presença de crianças pequenas, o que faz com que a tragédia seja ainda maior; em 2016 sete menores morreram nessas circunstâncias como consequência da violência entre casais.
Para a diretora do Instituto Nacional das Mujeres, Mariela Mazzotti, há muitos anos dizemos que as crianças não são vítimas indiretas e realmente “são vítimas diretas” porque sofrem as fúrias de que padecem suas mães.
O número de mortes pode parecer pequeno se levamos em consideração que, segundo dados do Ministério do Interior, no ano passado perderam a vida 29 mulheres por violência doméstica (uma a cada 13 dias) e outras 14 sofreram tentativa de homicídio, enquanto que a cada 17 minutos houve uma denúncia.
A incidência é tão alta que este fenômeno superou o furto a residências, sendo recebidas nesse período 24.454 acusações, 1.190 a menos que em etapa similar anterior e a primeira baixa em uma década, indicou a fonte.
Apesar desses fatos, não podem ser esquecidos os esforços do governo por erradicar a violência baseada no gênero, em que ocupa um lugar muito especial a aprovação em 2015 do plano de Ação 2016-2019: “Por uma vida livre de violência de gênero, com um olhar geracional”.

Os fatos e denúncias

O detonante dos assassinatos ganhou a opinião pública em fevereiro deste ano ao se saber que uma mulher uruguaia de 42 anos morreu em mãos de seu companheiro de 45, que a golpeou de maneira selvagem na cabeça com um vaso.
Neste caso o homem não tinha antecedentes criminais e tampouco existiam denúncias de violência doméstica entre eles, segundo a polícia.
O autor do crime fugiu da casa onde conviviam, tomou um táxi e depois se apresentou em uma delegacia para se entregar.
No último mês de janeiro quatro mulheres também perderam a vida como consequência da violência de gênero e uma quinta ficou em estado crítico, o que provocou marchas e protestos de organizações feministas contra a violência.
Uma das assassinadas foi vítima de seu ex-companheiro, um policial em serviço que utilizou sua arma regulamentar para fazer um disparo na sua cabeça na frente de seus filhos pequenos, os quais por determinação da justiça ficaram em custódia de seus avós paternos, decisão que originou numerosos questionamentos.
O Ministério do Interior qualificou este caso como infame e considerou que com a implementação do protocolo aprovado por essa pasta em 2015 “se poderia e se deveria evitar essa morte” o que causou impacto na secretaria de Estado.
O sucedido, sublinhou em um comunicado, pôs em evidência que não basta a confecção de protocolos se não for garantida a sua eficaz aplicação.
O Protocolo de atuação em matéria de violência doméstica e/ou gênero no âmbito do Ministério do Interior foi aprovado por decreto e estabelece a abordagem integral para a prevenção, atenção, sanção e reparação nos casos que envolvam funcionários dessa dependência.
Em seu comunicado, a autoridade do Estado fez “chegar à cidadania em geral e às pessoas em situação de violência doméstica e/ou de gênero em particular”, sua mais absoluta solidariedade e a renovação do compromisso assumido junto com o aprofundamento das ações para a proteção das vítimas.
Paralelamente, organizações de direitos humanos, sociais e feministas reuniram nas ruas, por vários dias, centenas de pessoas reclamando justiça pelas vítimas.
A coordenadora do site Feminismos.uy convocou uma marcha na Plaza Libertad e em um comunicado indicou que “uma vez mais: a notícia, a raiva, a dor. Uma vez mais: sair às ruas, gritar que estamos juntas, que se tocam a uma responderemos todas “.
Em uma declaração pública as Nações Unidas no Uruguai reiteraram seu compromisso na luta contra a violência, em particular a cometida contra as mulheres.
O organismo internacional manifestou sua “comoção e total rechaço” ante os assassinatos e transmitiu suas condolências às famílias de mulheres falecidas.
Recordou que em fevereiro de 2015 a ONU alertou sobre as mortes de mulheres por causa da violência baseada em gênero e, sobretudo, o que faltava fazer para eliminar este flagelo.
A esse respeito, apontou que dois anos mais tarde “a situação continua sendo muito preocupante” e lembrou que estas mortes implicam um grave impacto para seus familiares e para a sociedade em seu conjunto.
Uruguai não pode permitir que a violência se naturalizem como prática comum, afirmou, e lamentou profundamente que estes fatos continuem ocorrendo, “apesar dos avanços obtidos nas políticas públicas contra a violência baseado em gênero”.
Mencionou, entre esses, a criação de mais unidades especializadas no território nacional para dar resposta à problemática e o aumento das tornozeleiras eletrônicas como mecanismo de prevenção.
Uruguai ocupa o quinto lugar da América Latina e do Caribe (entre 23 países) na cifra de mulheres assassinadas por seu companheiro e ex-companheiro, segundo dados da CEPAL, elaborados com base em estatísticas oficiais dos países.
A ONU assinalou que cada novo feminicídio “evidencia a necessidade de uma reflexão da sociedade em seu conjunto sobre o uso da violência cada vez mais corrente” e sobre como chegar a uma mudança cultural “para que o desprezo, o ódio, o sentido de posse deixe de converter as mulheres em vítimas”.
O organismo multilateral expressou que continuará colaborando com o Estado e a sociedade civil para sensibilizar a cidadania sobre a urgência de mudanças em todos os níveis, e afirmou que para isso é “fundamental avançar em uma legislação nacional que compreenda os padrões internacionais na matéria”.
Considerou como passo importante nessa direção a pronta aprovação do projeto de “Lei integral para garantir às mulheres uma vida livre de violência baseada em gênero”, que se encontra atualmente sendo considerado pelo parlamento.
Sobre este último aspecto, as Bancadas de Deputados e Senadores do Frente Amplio se comprometeram não apenas a aprofundar as medidas normativas necessárias para erradicar a violência contra as mulheres, mas “chegar às causas profundas que ocasionam esta tragédia cotidiana em nossa sociedade”. Os legisladores do partido do governo condenaram em uma declaração os assassinatos de mulheres e afirmaram que delatam o muito que ainda falta por fazer para conquistar uma sociedade mais igualitária em matéria de direitos para todos.
A central sindical PIT-CNT, por sua parte, convocou em sua sede organizações feministas, sindicatos e setores políticos para coordenar uma concentração e marcha pela principal avenida do país por ocasião do Dia Internacional da Mulher, no próximo 8 de março.
Milagro Pau, presidenta da Secretaria de Gênero, Equidade e Diversidade da entidade operária, qualificou de positivo o encontro e assinalou que o compromisso não é apenas trabalhar para essa data, mas também criar um “organismo multissetorial que tenha a defesa de gênero, equidade e diversidade como algo permanente”.

Plano de ação: Por uma vida livre de violência

Não é menos certo que desde o estado uruguaio tem sido impulsionado nos últimos anos um grupo de ações de caráter educativo, preventivo e punitivo, no qual se destaca a aprovação em 2015 do Plano de Ação 2016-2019: “por uma vida livre de violência de gênero, com olhar geracional”.
Este programa multissetorial tem a finalidade de contribuir para a consolidação de uma política pública nacional a fim de prevenir, enfrentar, reduzir a reparar a violência baseada em gênero em suas manifestações diversas e concretas.
Desde sua posta em prática se fortaleceram as 19 comissões departamentais que lutam contra a violência baseada em gênero e foi aprofundado o debate parlamentar em torno ao projeto de Lei Integral.
Também se fortaleceu o Sistema Interinstitucional de Resposta Integral que trabalha em aspectos dessa problemática como a prevenção, serviços de assistência, acesso à justiça, proteção de vítimas e ressocialização de homens, entre outras.
Enquanto isso, os departamentos de Canelones, Montevidéu, Ciudad del Plata-San José e Maldonado nos primeiros nove meses del 2016 conectaram 280 dispositivos eletrônicos (tornozeleiras), prática que este ano se estenderá a outras partes do país.
 
*Prensa Latina de Montevidéu, Uruguai, especial para Diálogos do Sul
 


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

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