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Virada política em toda América Latina

João Baptista Pimentel Neto

Tradução:

O Senado votou a destituição da presidenta Dilma Rousseff. Para onde vai o gigante sul-americano e que consequências trará para a região?

Santiago Mayor*
america_latina_latinoamerica_generalesO Brasil visto de fora.
“Com o golpe no Brasil, em 12 meses se consolidou uma virada geopolítica em toda América Latina.
Como se previa, a maioria dos senadores brasileiros ratificou o golpe de Estado contra Dilma Rousseff e o Partido dos Trabalhadores (PT). A presidenta eleita por 54 milhões de pessoas em 2014 foi destituída e agora seu mandato que finaliza em 2018 será concluído pelo vice-presidente Michel Temer.
Porém, isto não supõe simplesmente uma substituição de presidente, mas implica –como denunciou a própria Rousseff- um ataque à democracia e uma mudança na política social e econômica. Uma modificação do programa de governo que não foi aprovado pelo povo brasileiro nas urnas. Isso deixou entrever o próprio Temer durante os meses em que atuou como presidente interino.
Além disso, a consumação do golpe de Estado implica mudanças nas relações internacionais e no equilíbrio geopolítico de América Latina em seu conjunto.

Menos direitos, mais neoliberalismo

Conscientes do que está por vir, desde maio, quando a presidenta foi suspensa, as organizações sociais e os partidos políticos democráticos estão se mobilizando. Nos últimos dias a situação se agravou e em várias cidades tem ocorrido manifestações de protesto. A resposta governamental foi a repressão. É que para impor seu plano de governo, o presidente golpista não tem outra opção que a de utilizar a força.
Temer já reconheceu que sua intenção de impor a idade de 62 anos para aposentadoria para as mulheres e 65 para os homens, resultará numa “luta feroz”. A esta iniciativa se soma as palavras de Robson Braga de Andrade, presidente da Confederação Nacional de Indústria, que sugeriu estender a jornada de trabalho até 80 horas semanais. Ao mesmo tempo, do Executivo informaram que pretendem “revisar” as aposentadorias e as pensões por invalidez. Tudo isso e sempre com o objetivo de reduzir o déficit fiscal.
“Trata-se de implantar as reformas neoliberais que o capital financeiro e as elites exigem como uma nova ordem conservadora depois de levar ao poder o atual e ilegítimo presidente interino”, comentou na RT o jornalista radicado em São Paulo, Gerardo Gamarra. Ele denunciou que nesse sentido já estão realizando cortes na saúde, educação e moradia “que proporcionará uma economia em torno de 28 bilhões de dólares que serão destinados para o pagamento da dívida”.
O jornalista considera que “o governo neoliberal que governa sobre a sociedade brasileira tratará de realizar todas aquelas modificações que nos anos 1990 e nem durante as ditaduras militares pelas armas puderam realizar”.

Os atores por trás do golpe

Durante todo o processo de impeachment, ficou claro que Rousseff não tinha cometido nenhum delito e que o motivo foi sempre eminentemente político e econômico. Isso é comprovado pelo plano de governo de Temer e por aqueles que patrocinaram a destituição. Associações empresariais, médios de comunicação e seus braços políticos no Congresso trabalharam desde o início para chegar a essa situação.
A bancada conhecida como Boi, Bíblia e Bala (BBB), integrada pela Frente Parlamentar Agropecuária (ligada ao agronegócio), a Frente Parlamentar Evangélica (claramente religiosa-conservadora), e a Frente Parlamentar de Segurança Pública (defendem o porte de armas e mão dura), teve um papel chave na votação da Câmara de Deputados contra Rousseff. Segundo o portal Brasil de Fato, “entre os religiosos, a votação foi de 163 a 24 (proporção de 6,7 a 1) a favor do impeachment, enquanto que entre os defensores das balas foi de 245 a 47 (5,2 a 1). A media geral dos votos foi de 2,6 votos a favor do sim por um contra”.
Os meios de comunicação, por sua vez, não ficaram atrás. Em maio deste ano, quando se votou a suspensão da presidenta, o portal Manchetômetro difundiu resultado de uma pesquisa sobre como os principais jornais do país  focaram cada um dos partidos políticos durante as 12 semanas anteriores.  Por longa distância a maioria dos títulos negativos foram para o PT e o governo Dilma Rousseff. Cabe recordar que Repórteres sem Fronteira indica que 90% dos médios de comunicação no Brasil estão em mãos de sete famílias. O grupo Globo está em primeiro lugar posto que abarca uns 40% do mercado.
O morango no bolo, quem colocou foi o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) que acompanhou o PT nas eleições e, de repente se converteu em principal opositor. Na Câmara de Deputados o destituído Eduardo Cunha foi quem deu o sinal verde para o processo de impeachment e em seguida seus deputados e senadores completaram os votos para garantir o golpe. Ao mesmo tempo, Michel Temer, também do PMDB, conformou seu ministério interino com membros da oposição derrotada em 2014 e funcionários carregados de denúncias de corrupção. Vários tiveram que renunciar.

Que impacto terá na América Latina?

A crise política no maior país da região sem dúvida terá repercussões no resto do continente. Para o jornalista Fernando Vicente Prieto, com o impeachment se “consolida uma virada geopolítica onde o primeiro golpe forte foi o trunfo de Maurício Macri na Argentina”, mas que também “é a continuidade de um contragolpe iniciado com o golpe de Estado em Honduras (2009)  e o golpe no Paraguai (2012).
O colunista de Telesur dialogando com RT disse que há uma “contraofensiva imperial” em resposta a “um processo surgido das lutas populares em todo o continente no início do século XXI”. Esta ação abarca “componentes jurídicos, políticos, mediáticos, diplomáticos e militares”, com a intenção de “derrocar governos progressistas e de esquerda seja como for”.
Olhando o futuro, Vicente Prieto considera que ‘é muito provável” que o Brasil continue “estreitando laços com EUA e articulando uma política para o MERCOSUL junto com Argentina e Paraguai, tentando realizar uma agenda própria com Washington”. Essa agenda consiste em “continuar impulsionando os tratados de livre comercio, uma versão renovada da Alca ou uma Alca múltipla; instalar bases militares ou tratados de cooperação militar com o Pentágono; e, obter o controle sobre os bens comuns”.
Finalmente destacou que “a consumação e estabilização do golpe no Brasil” revela uma “reorientação brusca em menos de 12 meses na região”. Diante disso cabe esperar “uma agressão cada vez maior dos EUA e dos governos de direita de todo o continente e que a isso fatalmente provocará uma resposta popular para não deixar que anulem seus direitos”.
*Original do Centro de Estudos Estratégicos, de Ciudad de Panamá.
 


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

João Baptista Pimentel Neto Jornalista e editor da Diálogos Do Sul.

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