O governo de Alberto Fernandez e Cristina Kirchner anunciam um avanço positivo na crucial e tão esperada negociação da dívida externa, graças à elaboração estratégica do seu jovem ministro da economia, Martin Guzmán.
A exorbitante dívida externa contraída por Macri e seus ministros, e conselheiros financeiros neoliberais de Wall Street (Prat Gay, Luis Caputo, Nicolas Dujovne), chegando a 97,7% do PIB argentino, é o campo minado sobre o qual plantou-se a Pandemia do Covid-19.
É nesse contexto, de cofres do Estado vazios, de guerra e dupla ruína (a econômica e a sanitária) que o governo de Frente de Todos iniciou sua epopeia que começou a apenas 8 meses.
Após reuniões e debates que duraram meses, desde o início de governo, finalmente chegou-se a um início de acordo com os credores financeiros internacionais de Wall Street, os mais irredutíveis, entre os quais predomina o Black Rock, a maior administradora de fundos do mundo ocidental.
Após muita resistência dos detentores de bônus, a reestruturação da dívida atingiu a meta de sustentabilidade expressa no comunicado da última oferta de Alberto-Guzmán no início de julho: “A Argentina pretende plenamente chegar a um acordo sustentável que não sujeite seu povo a mais sofrimento e angústia. Com base nessas premissas, o governo argentino declarou que a proposta de 6 de julho é a oferta final da República aos seus credores e representa o esforço máximo e último que o país pode sustentar. Com essa convicção, nosso país incentiva a comunidade de credores a aceitá-la, sabendo que, caso contrário, qualquer negociação futura será mais complexa porque a situação da Argentina será mais difícil.”
Nesta última reestruturação negociada, cujos detalhes ainda estão sendo definidos até 24 de agosto, a Argentina conseguiu reduzir o pagamento de juros dos títulos externos a 3,07% quando Macri pagava 7%. Renegociou-se de forma tal que os papéis de dívida de valor nominal de 100 dólares serão substituídos por outros de 54 dólares, sob legislação estrangeira.
Disso resulta que o governo economizará, ou seja, deixará de pagar, 40 bilhões de dólares nos próximos 10 anos. E quando houver acordo também com os credores sob legislação argentina, os recursos previsíveis que o governo liberará serão da ordem de 57 bilhões de dólares por 5 anos.
Télam
“Estamos mais perto, mas longe”, comenta o presidente Alberto Fernández a quem pode ouvi-lo. Fala sobre a negociação de dívida privada.
Uma imagem comparativa do que consiste a negociação da dívida foi dada pelo ex-vice-ministro da economia do governo de Cristina Kirchner, Emmanuel Agis, de que o que se obteve foi reduzir o peso de uma mochila de 100 kg para 50 kg nas costas. Uma explicação resumida do assunto dá o Centro de Economia Política Argentina (CEPA).
“Se entre 2020 e 2024 venciam 63,6 bilhões de dólares em todos os termos (capital e juros, dívida pública e privada, lei local e estrangeira), vamos pagar somente 6, 1 bilhões aproximadamente”. Ou seja, dos 10 dólares que o país tinha como obrigação pagar como dívida, só deverá pagar 1 dólar. A sobra dos 9 dólares serão fundos do Estado para aplicar na recuperação da economia.
O ministro Guzmán reforça: “O Estado tem que ter um papel central. Há que proteger a Argentina. O que fez o governo anterior não pode mais se repetir. Nunca mais!”. Ao mesmo tempo, se refere a alguns problemas estruturais a se resolver: “Não queremos dívida pública em dólares. A dolarização é um problema profundo na Argentina”.
As negociações com o FMI e o Clube de Paris ainda estarão por se traçar. Ao FMI, da era Macri, Martín Guzmán atribui “uma grande responsabilidade pelo ocorrido na Argentina” com “empréstimos que foram parte de uma jogada política”. Não obstante, há certo otimismo com a substituição ocorrida da ex-diretora do FMI, Christine Lagarde (com quem Macri assumiu empréstimos impagáveis), pela búlgara, Kristalina Georgieva que indica uma linha flexível.
Soma-se a isto o fato do Papa Francisco haver declarado, já no início do ano, em reunião com Georgieva no Vaticano, na presença do ministro argentino Guzmán, sobre a dívida com o FMI: “Não se pode pretender que se pague com sacrifícios insuportáveis”. Na Páscoa reforçou ao mundo um chamado à moratória das dívidas externas: “este não é o momento do egoísmo” e pediu que “as grandes necessidades do momento sejam enfrentadas por todos os países, reduzindo ou até perdoando a dívida que pesa nos orçamentos dos mais pobres”.
Outro respaldo com o qual contou o governo de Alberto Fernandez foi dos mandatários da União Europeia, da Espanha, França, Alemanha e Itália. Certamente, a vários credores europeus, no contexto do debacle econômico capitalista global acelerado pela Pandemia, torna-se conveniente ceder para não perder tudo.
Recordemos que dos 104 bilhões de dólares de empréstimos assumidos por Macri volatizaram-se 88 bilhões; os dólares entraram para o ciclo da especulação financeira, com juros altíssimos, em meio a uma acelerada corrida cambial e se foram para o exterior, sem entrar no investimento produtivo e industrial nacional. Leia.
Entretanto, a questão do pagamento da dívida externa, gera ruído inclusive no seio das forças progressistas. Certamente que esta renegociação alcançada pelo governo, de emergência frente às carências econômicas do povo argentino, não é plenamente justa, nem suficiente. Poderão opinar precisamente, os especialistas de política econômica. Mas, é evidente que é fundamental ter-se chegado a este alívio, e poder destinar boa parte do que se recupera da obrigação de pagamento das dívidas, para solucionar os problemas candentes da economia agudizados pela Pandemia.
De fato, Alberto Fernández, após anunciar os resultados vitoriosos da negociação da dívida, lançou, em cadeia nacional de rádio e TV (como compete a um estadista sério) várias projetos: de créditos construção e reforma de casas (que gerará 128 mil empregos diretos e 84 mil indiretos) reativando o plano habitacional Procrear criado pelo governo de Cristina Kirchner), simultaneamente com um Plano Nacional de Solo Urbano (remodelação das cidades, onde provavelmente se inserem a questão “favelas”); de finalização de estradas e obras públicas (interrompidas na era Macri), e um plano de reestruturação das prisões (reduzidas a “tumbas” coletivas) com fins humanitários, de recuperação social e reinserção no trabalho.
Todos os projetos implicam reativação econômica e emprego de mão de obra. Além disso, citou metas para que o país não incorra em novas dependências, garantindo uma soberania financeira em função do interesse social: diminuir o déficit fiscal, aumentar a balança comercial, a entrada de dólares com as exportações, desenvolvimento produtivo e mercado interno, e buscar assegurar um dólar competitivo.
Ao mesmo tempo, pergunta-se qual é a política e o mecanismo que possibilitará recuperar o dinheiro que entrou emprestado, endividou o país, não produziu bens e fugiu aos paraísos fiscais.
Setores da extrema esquerda questionam o pagamento da dívida aos credores, dentro do conceito de justiça social e, portanto, reivindicam a moratória total e que paguem aqueles que a contraíram e evadiram, ou seja, os promotores do fiasco político e econômico.
Porém, nada indica haver uma correlação de forças políticas para impor esta saída, nesta emergência, considerando o conjunto dos projetos estruturais da nação e da soberania popular golpeados nos últimos 4 anos. Talvez a curto prazo, a força econômica e política da China e da Rússia terá um peso que permita romper definitivamente com a dependência das economias latino-americanas com relação ao poder financeiro dos EUA e das finanças globais.
A negociação da dívida foi alcançada em meio a uma guerra econômica e midiática enorme da oposição, com campanhas fascistas anti-quarentena, anti-reforma judicial com juízes na Corte Suprema cúmplices do lawfare, que ainda não foram derrotados. Certamente, à medida em a Reforma Judicial se imponha, e a Justiça avance contra a impunidade dos magnatas evasores das grandes fortunas enviadas aos paraísos fiscais, crescerá o caudal econômico da cobrança da dívida externa.
O deputado Itaí Hagman, pronunciou um forte discurso, elogiado pela vice-presidenta Cristina Kirchner. Além de explicitar que o problema do país não é somente da dívida externa, mas da estrutura, do modelo global do país. “É importante assumirmos isso, porque, se não tivermos um diagnóstico preciso da natureza da crise econômica, corremos o risco de acreditar que, quando a pandemia passa, a economia se reativa e recuperamos os níveis anteriores, mas a Argentina pré-pandêmica explica a gravidade desta crise. Não queremos voltar à Argentina pré-pandêmica”.
Em outra parte disse: “Não estou feliz que tenhamos que pagar uma dívida externa assumida de maneira irresponsável para financiar a fuga de capitais, mas assumimos um compromisso com o povo argentino em resolver esse problema. O que precisamos fazer é refletir, entender por que isso aconteceu. Porque essa crise da dívida está acontecendo” Veja.
A Pandemia pôs à luz enormes carências econômicas e sociais e colocam na pauta soluções urgentes em vários campos contemporaneamente. O Congresso argentino está convocado a unir esforços para sustentar os projetos do governo de Alberto e Cristina a curto prazo.
A oposição busca negar o funcionamento do Parlamento em exitoso modo virtual (devido à pandemia), com o propósito de barrar todas as novas leis progressistas em curso: a reforma judiciária e a dos impostos de emergência sobre as grandes fortunas (já aprovada por mais de 70% da opinião pública). A campanha da mídia hegemônica da oposição, instrumentada pelos grupos Clarin e La Nación é atroz e desestabilizadora.
A Frente de Todos leva um combate acirrado através de quadros jovens e combativos do peronismo-kirchnerismo contra as forças opositoras de Cambiemos-PRO. O deputado Máximo Kirchner, concentrou de forma exemplar este ânimo, como chefe da bancada da Frente de Todos. Vale a pena ouvi-lo.
Helena Iono, colaboradora de Diálogos do Sul desde Buenos Aires
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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