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Wall Street pinta a Argentina como aliada do “diabo” iraniano – Parte I

Revista Diálogos do Sul

Tradução:

Charles Davis *

Paul Singer no Fórum Econômico Mundial de Davos, em 23 de janeiro de 2013. Foto: WEF/cc 2.0
Paul Singer no Fórum Econômico Mundial de Davos, em 23 de janeiro de 2013. Foto: WEF/cc 2.0

Na primeira parte desta investigação, a IPS revela como um importante doador do Partido Republicano dos Estados Unidos, Paul Singer, impulsiona uma campanha para difamar a Argentina, apresentando-a como uma nação antinorte-americana e aliada do Irã. Na segunda parte, é apresentada uma rede de centros de estudos, políticos e especialistas, vinculados financeira e pessoalmente a Singer, que se encarregam de amplificar a campanha, enquanto o empresário questiona Buenos Aires por uma dívida de centenas de milhões de dólares.

Los Angeles, Estados Unidos, 6/8/2013 – Quando a Argentina entrou em suspensão de pagamentos (default) de sua dívida, em 2001, vários fundos especulativos norte-americanos correram para comprar os deprimidos bônus por alguns centavos, acreditando que posteriormente venceriam nos tribunais de seu país e obrigariam Buenos Aires a pagar até o último dólar do preço nominal.

A batalha por essa dívida chegará à Suprema Corte dos Estados Unidos este ano, mas os credores de Wall Street – chamados “capitalistas abutres” por seus críticos – também levarão o caso ao Congresso e à opinião pública com uma campanha na mídia apresentando a Argentina como uma nação cada vez mais “renegada” e associada com os inimigos de Washington.

Este esforço de relações públicas, centrado nas relações crescentes mas amistosas de Buenos Aires com Teerã, se desenvolve enquanto o governo de Barack Obama avalia se apoia a Argentina na Suprema Corte em sua batalha com Wall Street. Segundo o jornal The Washington Post, funcionários dos departamentos de Justiça, do Tesouro e de Estado se reuniram no dia 12 de julho com advogados das duas partes para discutir o caso.

Em apresentações judiciais anteriores, a administração Obama havia argumentado que a dívida argentina não era assunto de competência da justiça norte-americana, refletindo, assim, a preocupação de que uma vitória dos possuidores de bônus causasse outro default e complicasse as possibilidades futuras de outras nações reestruturarem suas dívidas.

Entretanto, os possuidores de títulos argentinos, entre eles um dos financiadores mais importantes da direita norte-americana, já conseguiram várias vitórias. Em outubro de 2012, um tribunal federal de apelações dos Estados Unidos determinou que Buenos Aires devia pagar mais de US$ 1,3 bilhão aos seus credores. E, no dia 24 de julho, o Fundo Monetário Internacional (FMI) anunciou que não apoiaria formalmente a Argentina no processo, alegando que o governo Obama se opunha a isso.

O fato de a Casa Branca estar voltando atrás em sua defesa da Argentina indica que os milhões de dólares investidos pelos fundos de investimento para pressionar o governo, o Congresso e a imprensa estão começando a mudar o debate, no qual o Irã ganha um protagonismo semelhante ao do Iraque em 2002.

“Fazemos tudo o que podemos para que nosso governo e a mídia notem o quanto a Argentina é mau ator”, disse o diretor-executivo da American Task Force Argentina (ATFA), Robert Raben, no site de notícias The Huffington Post. Este grupo de pressão de Raben, que atuou como procurador-geral assistente no governo de Bill Clinton (1993-2001), foi criado por donos de bônus argentinos e já destinou pelo menos US$ 3,8 milhões para passar uma imagem negativa do país sul-americano. Mas esse dinheiro é ínfimo em comparação com o que os fundadores da ATFA esperam ganhar.

Em 2008, o fundo de investimentos NML Capital pagou US$ 48 milhões por bônus argentinos que, antes de cessarem os pagamentos, valiam mais de US$ 300 milhões. A matriz da NKL Capital é a Elliott Management, que encabeça a batalha legal contra Buenos Aires, sob a condução do empresário Paul Singer, principal doador dos republicanos. Depois de cessarem os pagamentos, mais de 92% dos donos de bônus aceitaram um acordo negociado que implicou para eles receber uma fração da dívida original.

Entretanto, a NML insiste que a Argentina pague os US$ 370 milhões nominais dos bônus, o que lhe daria um retorno superior a 770% de seu investimento inicial. Singer fez o mesmo outras vezes. Comprou títulos de um dos países mais pobres do mundo, a República Democrática do Congo, no valor de US$ 30 milhões, e exigiu reembolso superior a US$ 100 milhões. No caso da Argentina, os fundos por trás da ATFA esperam obter mais de US$ 1,3 bilhão. Mas, se forem considerados vários litígios em outras jurisdições, Singer espera ficar com mais de US$ 2 bilhões no final de seu processo contra a Argentina.

O pedido de entrevista feita à ATFA para esta matéria não obteve resposta no prazo requerido.

Paul Singer é um homem opulento, um dos 400 mais ricos do mundo. Segundo a revista Forbes, este gerente de fundos de investimento e fundador da Elliott Management possui ativo líquido de US$ 1,3 bilhão, que o converteu em um dos principais contribuintes do opositor Partido Republicano.

Em 2012, entregou mais de US$ 1 milhão à fracassada candidatura presidencial de Mitt Romney, e milhões mais para outros candidatos menores. Funcionários de sua empresa contribuíram com mais de US$ 3 milhões para vários candidatos, o que converteu essa firma em uma das cem principais financiadoras da política norte-americana. Todos os candidatos que apoia são decididamente de direita.

Em 2007, Singer descreveu a si mesmo como um crente da excepcionalidade norte-americana e revelou ter entregue “milhões de dólares a organizações republicanas que insistem na necessidade de um exército poderoso e no apoio a Israel”. Em entrevista ao The New York Times, Singer disse acreditar que o Ocidente “se encontra em uma fase inicial de uma prolongada luta existencial com grupos radicais de islâmicos pan-nacionais”.

Nas relações da Argentina com o Irã, que evoluíram para alcançar um intercâmbio comercial anual superior a US$ 1 bilhão, Singer conseguiu alinhar perfeitamente seus interesses financeiros e seu medo do islamismo radical: avivando o temor a Teerã, Washington pode se sentir menos inclinado a apoiar Buenos Aires.

“Qual é a verdade sobre o acordo da Argentina com o Irã?”, pergunta um anúncio de página inteiro publicado em junho pela ATFA no The Washington Post. O grupo se refere ao acordo alcançado pelos governos argentino e iraniano para criar uma Comissão da Verdade que permita investigar o ataque com bomba contra a sede da Associação Mutual Israelita Argentina (Amia) de Buenos Aires, que em 1994 matou 85 pessoas e feriu mais de 300.

Outro anúncio da ATFA inclui uma fotografia da presidente argentina, Cristina Fernández, acompanhada do mandatário iraniano Mahmoud Ahmadinejad (que no dia 4 passou o cargo), e a pergunta: “Um pacto do diabo?”. Um relatório de 2006 do promotor argentino Alberto Nisman apontava o governo do Irã como autor intelectual do atentado, supostamente cometido por membros do grupo libanês Hezbolá (Partido de Deus), o que levou a Interpol a expedir ordens de captura para vários altos comandos iranianos.

Em um relatório atualizado este ano, muito citado pela campanha na mídia contra a Argentina, Nisman diz que o ataque não foi mais do que uma prova da extensa rede de inteligência iraniana em toda a América do Sul, que não deixou de crescer desde então. Essa conclusão difere da última avaliação do Departamento de Estado, segundo a qual a influência iraniana na região está “minguando”.

Ninguém foi condenado pelo crime da Amia, cuja investigação foi prejudicada por um processo repleto de erros e corrupção judicial. Por outro lado, também foi questionada a veracidade do informe de Nisman, para quem o líder supremo iraniano, aiatolá Ali Khamenei, deu sua aprovação ao atentado em uma reunião realizada em Teerã poucos meses antes do ataque.

Essa afirmação se baseia no testemunho de um ex-funcionário de inteligência iraniano, conhecido como Abolghasem Mesbahi, que desertou da República Islâmica em 1996. Ele disse anteriormente a funcionários norte-americanos que o Irã havia financiado e facilitado os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 em Nova York e Washington. E afirmou ter tomado conhecimento da cumplicidade de Teerã ao detectar mensagens secretas publicadas em jornais. Mas seu testemunho foi rejeitado pela Comissão Nacional sobre os ataques terroristas nos Estados Unidos (Comissão do 11-S).

Em seu anúncio a ATFA cita uma carta dos senadores Kirsten Gillibrand, do governante Partido Democrata, e Mark Kirk, republicano, à presidente Cristina Fernández expressando sua preocupação de que a Comissão da Verdade “derive em uma desconsideração das acusações e em um encobrimento deste crime abominável”. O anúncio também cita um desafiante político iraniano afirmando que, “sob nenhuma circunstância”, a República Islâmica permitirá que seus funcionários sejam interrogados por nenhum juiz ou promotor argentino.

Embora a publicidade não mencione, a negativa iraniana de se submeter à justiça argentina foi a principal razão para criar a Comissão, que será integrada por um painel de juristas independentes de terceiros países para estudar o caso e, junto com seus colegas argentinos, interrogar suspeitos no Irã. Os detalhes das relações da Argentina com o Irã – que consistem majoritariamente em exportações agrícolas – não interessam muito à ATFA.

Por outro lado, como deixou claro seu diretor-executivo, o grupo quer saber “por que a Argentina está disposta a negociar com o Irã, mas não com seus credores que respeitam a lei?”. A Argentina negociou com sucesso com nove em cada dez de seus credores. Mas estes donos de bônus, liderados por Singer, pensam que podem ficar com tudo. Apesar de criada pelos capitalistas que processam a Argentina, a ATFA afirmava que, na realidade, se preocupava pelos interesses desse país.

Em 2007, o copresidente Bob Shapiro, ex-economista do governo Clinton, disse ao Financial Times que pagar o que exigiam os possuidores de bônus seria positivo para Buenos Aires. “A Argentina não pode continuar ignorando suas obrigações pendentes sem que seu povo pague o preço de receber menos investimento estrangeiro direto e continuar excluído dos mercados globais de capitais”, afirmou. Em 2012, as companhias estrangeiras investiram mais de US$ 12 bilhões na Argentina, aumento de 27% em relação ao ano anterior e só um pouco menos do que na Colômbia e no México, países aliados dos Estados Unidos.

Mas, a mensagem mudou. Em 2012 a ATFA abandonou a pretensão de ajudar a Argentina. Em uma coluna publicada no The Telegraph, a copresidente do grupo de pressão, Nancy Soderberg, embaixadora no governo Clinton, exortou os legisladores de seu país a “pegar a Argentina onde lhe dói: no bolso”. Por vários anos a Argentina “gozou de firme crescimento econômico, e suas bases se comparam favoravelmente com as de seus pares da região. A Argentina pode perfeitamente pagar suas contas”, escreveu Soderberg.

*IPS de Los Angeles, especial para Diálogos do Sul


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

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