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Wounded Knee e a memória coletiva

Revista Diálogos do Sul

Tradução:

1024961130_dda8161381_zJoseph Brings Plenty*

A palavra sioux lakota takini significa “morrer e voltar”, mas, a miúdo se traduz simplesmente como “sobreviver”. É uma palavra sagrada que desde há muito tempo tem estado associada com a matança perpetrada pelos soldados do Sétimo Regimento de Cavalaria dos EUA contra uma multidão de homens, mulheres e crianças dakotas desarmados, no inverno de 1890.

Wounded Knee foi chamada a última batalha da guerra dos Estados Unidos contra seus povos originários. Mas, não foi uma batalha, foi um massacre.

As tropas do exército interceptaram e detiveram a um grupo de várias centenas de lakotas sob a liderança de Big Foot, um chefe dos sioux mnicoujou, enquanto eles se dirigiam da Reserva do Rio Cheyenne para a Reserva de Pine Ridge em busca de provisões e resguardo. Depois de passar uma noite bebendo, na manhã seguinte, quando as jaquetas azuis estavam desarmando aos guerreiros lakota escapou um tiro. Os soldados abriram fogo com seus fuzis Hotchkiss. Morreram, pelo menos 150 lakotas, sendo que outros estimam ascende a 300 ou mais.

Nossa luta para sobreviver como povo continua até hoje para preservar não só nossa cultura e nossa língua mas também nossa história e nossa terra. Ainda que atualmente vivo a oeste da Reserva Indígena do Rio Gheyenne, cresci em Pine Ridge, com minha gente oglala, a poucas milhas de Wounded Knee. Um membro de minha família sobreviveu à matança; todos os demais morreram.

A matança ainda desperta uma grande emoção em todo nosso povo – lembranças de corpos gelados em formas retorcidas, daqueles que foram perseguidos e assassinados enquanto escapavam, e daqueles que fugiram, no frio glacial, pelas planícies açoitadas pelo vento. Essas historias, transmitidas por nossos antepassados, vivem em nós.

Uma história que recordo com nitidez foi contada quando eu tinha oito anos por uma anciã muito mais velha, cuja mãe tinha sobrevivido à matança ainda criança. A mãe da anciã lhe contou que, quando começaram a voar as balas, sua mãe a protegeu com seu corpo. Nesse momento, um jovem guerreiro a cavalo passou a galope e a colheu em seus braços afastando-a do perigo. Quando a menina olhou para traz viu sua mãe cair com o peito destroçado pelas balas. Disse que sempre se lembrava do sabor salgado das lágrimas. A anciã me contou isso depois de eu ter derrubado um saleiro. O sal estava sempre associado a sua mãe.

Há muitas histórias como estas. O poder espiritual de Wounded Knee explica por que membros do movimento indígena americano tomaram o local em 1973 para chamar a atenção sobre as injustiças econômicas e culturais cometidas contra nossos irmãos e irmãs dos povos originários.

Agora, nosso legado está em perigo de reduzir-se a uma transação imobiliária. Outro lote de nossa terra arrematado pelo melhor lance. Os gritos dos assassinados ainda ressoam nas colinas – os gritos que recordamos em nossos corações cada dia de nossa vida. Mas talvez sjam finalmente afogados pelos bulldozers e o tintilar das moedas do comercio.

O local Wounded Knee passou do controle do povo oglala a mãos privadas, através de um processo conhecido como parcelamento, que começou em fins do século XIX, no qual o governo federal dividiu a terra entre os indígenas e entregou outras parcelas a indivíduos de fora da comunidade. O objetivo era transferir o controle de nossas terras do coletivo para indivíduos e ensinar aos lakotas e a outros povos originários o conceito estrangeiro de propriedade privada. Para nós, esta medida foi simplesmente outra forma de roubo.

O dono do local de Wounded Knee que possui o título de propriedade do lote de 40 acres desde 1968, quer vender por 3.9 milhões de dólares. Se os oglalas de Pine Ridge não o comprarem antes de primeiro de maio será arrematado.

A Reserva Indígena de Pine Ridge é um dos lugares mais pobres dos EUA e os oglalas estão sufocados por dívidas, pelo que será muito difícil conseguir essa quantidade de dinheiro. Muitos anciãos perguntam, com razão, por que teriam que pagar. O governo federal deveria comprar este terreno e o presidente Obama deveria ordenar que seja preservado como monumento nacional – como fez no mês passado com cinco áreas federais no país, inclusive um em Maryland em honra de Harriet Tubman e o Underground Railroad.

O local do massacre tem um significado de grande importância não só para o povo lakota mas para todos os povos originários e os habitantes do país. Wounded Knee deve continuar sendo um sítio sagrado, em que as vozes dos espíritos dançantes, que há mais de um século dançaram pelo regresso das velhas formas de vida, continuem ressoando entre os pinheiros, em que os espíritos dos mais velhos continuem caminhando pelas colinas. E em que takini conserve seu significado: a sobrevivência da memória coletiva.

*chefe Joseph Brings Plenty, ex diretor da tribo Sioux do Rio Cheyenne, ensina cultura lakota na Escola Takini da Reserva Indígena  de Rio Cheyenne. In Bitácora de Montevideo.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

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