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Foto: Eva Ercolanese / PSOE

Abandono da memória histórica deu espaço à ultradireita na UE, afirma ministro espanhol

Ainda segundo Ángel Víctor Torres, ultradireita "chega a uma população desencantada, antissistema, que nem sequer quer se informar"
Cathia Rodríguez Clavijo
La Jornada
Cidade do México

Tradução:

Beatriz Cannabrava

O avanço da ultradireita na Europa é uma “tendência preocupante”, diz Ángel Víctor Torres, ministro espanhol de Política Territorial e Memória Democrática. “Por isso, talvez seja necessário atravessar o Atlântico para aprender e ver o que ocorre em países da América, como é o caso do México”, agrega a propósito de sua visita à Cidade do México, para onde viajou para prestar homenagem e agradecer que, há 85 anos, o presidente Lázaro Cárdenas e o povo mexicano acolheram 25 mil exilados espanhóis após a guerra civil e o triunfo do ditador Francisco Franco.

O ministro atribui o aumento dos partidos de ultradireitistas nas eleições para o Parlamento Europeu, celebradas em 9 de maio, à falta de preservação e difusão da memória histórica: “vemos que voltam a erguer o braço, que exibem símbolos fascistas, as suásticas, os ‘aguiluchos’ (figura do escudo franquista), e isso é preocupante porque, quem faz isso, a maioria, estou convencido de que não sabe o que isso significa”, acrescenta.

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Por isso, é importante recordar que em 1939 meio milhão de espanhóis tiveram que abandonar seu país “porque defendiam uma ordem democrática”. O México recebeu primeiro cerca de 500 crianças, e depois chegou o maior contingente de refugiados, 1.600 pessoas, quase todos combatentes, a bordo do barco a vapor Sinaia.

Desafio à ordem internacional

Torres destaca que o governo de Lázaro Cárdenas desafiou a ordem internacional ao não reconhecer a ditadura franquista, como fizeram algumas potências europeias. “O México não o faz, e sempre se colocou do lado dos democratas”, ressalta. “Muitos dos reprimidos, republicanos e democratas que fugiam da Espanha atravessaram a fronteira francesa. Não foi o recebimento esperado por parte da sociedade francesa. Logo, como pudemos ver, caiu nas mãos do nazismo e inclusive foram entregues a campos de concentração que depois foram centros do Holocausto (…) Por isso foi importante que se sentisse que aqueles que chegavam ao México eram espanhóis que tinham uma oportunidade de vida, que também traziam conhecimento, que aportavam sua intelectualidade, mas também sua mão de obra para o campo, que era fundamental para a reforma que Lázaro Cárdenas queria fazer na agropecuária mexicana, e acredito que nesse sentido também contribuíram com seu grão de areia”, destaca o encarregado de Memória Democrática da Espanha.

O aporte dos espanhóis que se refugiaram no México pode ser vista em diversos campos e instituições, como é o caso do Ateneo de Espanha, fundado há 75 anos pelos exilados e que ainda hoje é um importante centro cultural. O Ateneo foi declarado – nesta visita do ministro Torres junto com o secretário de Estado de Memória Democrática, Fernando Martínez – “Lugar de Memória Democrática” pelo governo da Espanha, o primeiro fora de seu território, onde gozam dessa distinção a cidade de Guernica e o “Valle de Cuelgamuros”.

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Batizado por Franco como Valle dos Caídos, este mausoléu mudou seu nome para Cuelgamuros, com a lei de Memória Democrática de 2022, e iniciou-se o processo de exumação, restituição e reparação às famílias das vítimas dos caídos republicanos, pois aqueles que combateram ao lado de Franco foram sepultados com dignidade. “Os que eram do lado nacional tinham cada um sua caixa, com seu nome. Os do bando republicano não. Misturavam os restos de 10 ou 12 pessoas, e claro que não informavam isso aos seus familiares, nem diziam para onde os levavam”.

Este processo se desenvolve com a resistência de comunidades governadas pela ultradireita, que tentam eliminar de sua legislação a condenação à ditadura franquista. “O objetivo é fazer do Valle de Cuelgamuros um centro de democracia, de ressignificação, um centro onde se expõe também o que ocorreu para que não volte a acontecer”, diz Torres.

Lei de anistia aos independentistas

Esta semana entrou em vigor a polêmica lei de anistia, que levanta o castigo aos delitos relacionados com ações independentistas na Catalunha cometidos entre 2017 e 2023. A esse respeito, o ministro Torres defende o espírito de “convivência” de tal norma e agrega:

“Hoje, a Catalunha está nos piores momentos de sua história. Pela primeira vez em 40 anos, o independentismo não soma maioria absoluta. A vitória de Salvador Illa (chefe do Partido Socialista da Catalunha, aliado do PSOE) nas eleições recentes é uma demonstração de que o instituto político que promoveu essa lei de anistia, e também a convivência com todos os territórios das 17 comunidades da Espanha, é o que recebe o maior apoio cidadão dessa comunidade”.

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Demandas de independência como as do País Basco e da Catalunha impulsionam na Espanha, atualmente organizada em comunidades autônomas, a discussão sobre a transição para um modelo federal, que defende o governante Partido Socialista.

“A ultradireita quer eliminar o Estado das autonomias, quer centralizar o poder. A Espanha é um país plural, com realidades territoriais distintas. Há línguas cooficiais que são mais antigas que o castelhano. E, portanto, é para mim um avanço que possamos ouvir diferentes línguas – que fazem parte do acervo cultural dos territórios– no Congresso dos Deputados, e eu gostaria de ouvi-las no Senado, mas não se ouvem no Senado porque não quer o Partido Popular (PP), que busca impor um sistema monolinguista, o qual acredito que enfraquece claramente a diversidade do nosso país, sua força idiomática e cultural”, sustenta Torres, originário da região ultraperiférica das Canárias, onde foi presidente do governo. “Por isso, o PP, que tem uma visão uniforme das coisas, se complica no País Basco, se complica na Catalunha”.

Governo de Pedro Sánchez resiste à ultradireita

“Às vezes há não vitórias que são doces”, afirma Ángel Víctor Torres ao se referir ao resultado nas eleições europeias, nas quais os partidos de esquerda sofreram um duro revés. No entanto, assegura que “o governo (espanhol) de Pedro Sánchez é o que mais e melhor tem resistido ao avanço da ultradireita e da direita conservadora no seio da comunidade europeia”.

“Acreditavam (a oposição direitista) que o PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol), como lamentavelmente aconteceu com os partidos social-democratas europeus, teria um grande fracasso desde o governo. Mas recebemos mais de 30% (dos votos). A média dos partidos social-democratas da Europa é de 14%”.

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Ao analisar os resultados eleitorais, Torres diz que o direitista PP, embora tenha obtido mais votos, “perdeu a eleição, havendo ganhado”. “No fundo, é uma espécie de empate técnico em eleições como as europeias, que normalmente castigam o partido que governa na Espanha”. Baseia-se no fato de que o PP não conseguiu sua meta de se distanciar por pelo menos 10% do PSOE. O PP obteve 34,20% dos votos e 22 deputados, frente a 30,18% do PSOE e suas 20 cadeiras.

O discurso da direita e da ultradireita, “chega a uma população desencantada, antissistema, que nem sequer quer se informar, nem lê o que dizem os programas eleitorais. (Assim) conseguem esse voto do desencanto”.

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No entanto, o ministro Torres é otimista. Lembra que “a Segunda Guerra Mundial impulsionou uma grande aliança em defesa dos direitos humanos, da liberdade e da democracia, e que foi tudo isso que esmagou o nazismo na Alemanha com (Adolf) Hitler, ou o italiano de (Benito) Mussolini, ou o da Espanha com (Francisco) Franco. Espera que agora também possa haver um grande acordo entre os constitucionalistas”.

Enquanto isso, os laços entre México e Espanha “estão firmes, são governos que lutam para melhorar a vida das pessoas que têm menos recursos, aqueles que mais precisam do público”, acrescenta.

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Cathia Rodríguez Clavijo

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