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Almodóvar, sobre ascensão da extrema-direita na Espanha: “Retrocedemos 60 anos ou mais”

“No próximo 23 de julho não estamos votando no partido que nos vai governar, estamos votando na qualidade de nossa democracia", aponta o cineasta
Armando G. Tejeda
La Jornada
Madri

Tradução:

Pedro Almodóvar, um dos cineastas espanhóis mais laureados da história, reconhece sua preocupação e estupor diante da realidade política que a Espanha está vivendo, com o auge de uma formação política como o Vox, que defende ideias homofóbicas, xenófobas e racistas, além de negar a existência da violência de gênero e dos efeitos da mudança climática, entre muitos outros assuntos que há em seu ideário. 

É por isso que o criador de origem manchego alertou que “retrocedemos 60 anos ou mais” e que se nas eleições gerais do próximo 23 de julho é confirmado o triunfo do bloco da direita, como auguram a maioria das pesquisas, o que poderia supor o “fim” da democracia no país.

Pesquisas apontam: Espanha é próximo país da Europa a eleger um governo fascista

O autor de filmes emblemáticos de história contemporânea espanhola, como “Mulheres à beira de um ataque de nervos” ou “Fale com ela“, expressou sua preocupação por meio de um artigo que publicou no periódico digital eldiario.es, na qual fala de sua inquietação diante da chegada ao poder central de uma força como Vox:

“No próximo 23 de julho não estamos votando no partido que vai nos governar, estamos votando na qualidade de nossa democracia, e devemos ser conscientes de que corremos o risco de que o resultado não seja digno de se chamar assim, democracia. Em 1933, Hitler chegou ao poder utilizando as instituições democráticas que depois ele mesmo se encarregaria de destruir. Estou exagerando? Por minha boca fala o medo e o desconcerto que sinto nestes momentos? Oxalá seja isso e não que nossa democracia esteja sendo seriamente ameaçada”.

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Em seu texto, explica ainda: “As palavras e os gestos parecem haver perdido seu significado real. Tenho a sensação de estar preso em uma espécie de bolha na qual ninguém, por muito que grite, vai me ouvir. Dá a sensação de que estamos vivendo sob uma maldição impossível de romper. Mas eu quero acreditar que podemos mudar o rumo desta maldição. Não só votando, mas com a convicção de que se um partido de ultradireita entrar nas instituições, vai por água abaixo”. 

“Pedro Sánchez disse que nos últimos vinte dias a Espanha havia retrocedido vinte anos. Se referia às múltiplas manifestações contra os direitos humanos da direita cavernícola que acabou vampirizando o PP. Eu creio que retrocedemos sessenta anos ou mais”, destaca. 

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Almodóvar se mostra especialmente preocupado pelo discurso em torno à lei que recentemente reconheceu os direitos do coletivo transexual e que tem suscitado numerosas críticas, desde a direita como a partir do movimento feminista tradicional ou “clássico”, como o denominam. “A Espanha mudou muito neste século. Os jovens transsexuais o fazem em família, sem renunciar aos seus amigos do colégio e não estão condenados a fazer a rua para sobreviver. Por muito que lhe pese o Vox, a Espanha é um país moderno e pioneiro em questões de gênero”. 

Ele agrega que lhe preocupa: o “o presente já nos está indicando por onde vão os tiros, a censura de uma obra baseada no Orlando de Virginia Woolf escrita há mais de um século, a censura de um filme infantil de desenhos animados (Lightyear) no qual duas mães se despedem com um beijo na boca. Este último fato aconteceu na localidade cantábrica de Bezana, cuja conselheira de Turismo, do Vox, Manuela Bolado, age com o beneplácito da prefeita Carmen Pérez, do PP”.

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“Isso só por falar rapidamente do imediato. Mas há motivos para a esperança: a manifestação massiva de sábado (na marcha do Dia do Orgulho), as cores de um imenso arco-íris cegando com seu brilho o eco de tanta insensatez “, sublinha.

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“No próximo 23 de julho não estamos votando no partido que nos vai governar, estamos votando na qualidade de nossa democracia", aponta o cineasta

T Wei/Flickr
Almodóvar: “As palavras e os gestos parecem haver perdido seu significado real"

Esquerda espanhola pode superar direita e extrema direita nas eleições

A esquerda espanhola tem opções para superar o bloco da direita e da extrema direita nas eleições gerais do próximo 23 de julho, nas quais se decidirá o futuro governo da Espanha. 

Segundo o Centro de Investigações Sociológicas (CIS), que realizou uma macro enquete com mais de 29 mil entrevistas, o direitista Partido Popular (PP) será o mais votado e obterá entre 122 e 140 cadeiras, muito longe das 176 que dá a maioria absoluta, o que não obteria nem sequer com um pacto de governo com Vox, que passaria para o quarto lugar, entre 21 e 29 deputados. 

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Ou seja, o Partido Socialista Obrero Espanhol (PSOE) e a coalizão de esquerdas Sumar poderiam reeditar a atual aliança de governo, com a soma das formações independentistas do País Basco e da Catalunha. 

Apesar do CIS passar pela pior etapa quanto à sua trajetória por causa da polêmica gestão do seu atual diretor, Félix Tezanos, um dirigente histórico e militante do PSOE, esta sondagem é a mais representativa de todas as publicadas quanto ao número de cidadãos consultados e, em teoria, com um questionário exaustivo para tentar desentranhar as intenções eleitorais e as preocupações dos habitantes do país.

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Se o resultado confirmar o primeiro lugar para o PP, que será com toda a probabilidade o partido mais votado, a sigla teria muita dificuldade para formar governo, caso se confirme a caída da Vox, que passaria da terceira força do Congresso dos Deputados, com 52 deputados, à quarta, com 21 ou 29 cadeiras. 

O PSOE, que obteria entre 115 e 135 deputados, poderia somar maioria absoluta com o Sumar, que passaria a ser a terceira força, com 43 ou 50 deputados. Seria uma aliança à qual se incorporaria o resto dos partidos esquerdistas, como o ERC e EH-Bildu, além do conservador Partido Nacionalista Vasco (PNV).

Assim, o PP de Alberto Núñez Feijóo e o Vox de Santiago Abascal obteriam 40,2% dos votos, enquanto o bloco de esquerdas beiraria os 48%.

 

Fim da imunidade parlamentar ao ex-presidente da Catalunha

O Tribunal Geral da União Europeia (TGUE) confirmou a retirada da imunidade parlamentar do ex-presidente da Catalunha, Carles Puigdemont, e a outros dois ex-conselheiros do governo catalão, Tomi Comín e Clara Ponsatí, que atualmente desempenham funções como euro-parlamentares e que, ao mesmo tempo, têm várias acusações pendentes com a justiça Espanhola pela sua participação na falida declaração unilateral de independência de outubro de 2017. 

Com esta decisão, que ampara as resoluções prévias das instituições jurídicas do Parlamento europeu, não poderão regressar à Espanha sem a ameaça de serem detidos pelas ordens ditadas pelo Tribunal Supremo espanhol, que continuam vigentes. 

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Puigdemont vive fora da Catalunha desde finais de junho, dias depois de ter presidido uma sessão parlamentar na qual se ditou uma declaração de independência com o que se pretendia culminar esse processo iniciado há um lustro e, sobretudo, por o referendo no qual se aprovou com mais de 95% a secessão do Estado espanhol. 

Embora a consulta tenha sido realizada à margem da legalidade espanhola e sem as garantias de uma instituição eleitoral independente, Puigdemont e seus aliados, entre eles o atual partido no governo, Esquerra Republicana de Catalunya (ERC), decidiram “suspender” a declaração de independência e abrir uma roda de consultas com as autoridades catalãs e espanholas para decidir o caminho para fazer cumprir o mandato popular ou, em seu defeito, celebrar uma nova consulta.

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Diante das ameaças desde Madri, o líder separatista e seu círculo mais próximo saíram da Catalunha de forma furtiva, sem informar aos seus aliados da ERC ou do outro partido separatista, a CUP. Desde então, não pode regressar à sua terra e ficou em sua residência em Waterloo, desde onde posteriormente fez campanha eleitoral para converter-se em eurodeputado sob sua formação política Juntas per Catalunya (ERC).

Nos últimos cinco anos, Puigdemont tem mantido uma pugna com a justiça espanhola para evitar sua extradição. Por isso, a sentença do TGUE tem uma importância vital para os interesses do ex-presidente catalão, que tinha intenção de fazer campanha na sua terra para as eleições gerais do próximo 23 de julho.

Puigdemont declarou desde Bruxelas que com esta sentença “estão sendo violados os direitos das minorias e da dissidência política no próprio coração da União Europeia, que se nega a amparar os direitos humanos”.

Armando G. Tejeda | La Jornada, especial para Diálogos do Sul – Direitos reservados.
Tradução: Beatriz Cannabrava


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.
Armando G. Tejeda Mestre em Jornalismo pela Jornalismo na Universidade Autónoma de Madrid, foi colaborador do jornal El País, na seção Economia e Sociedade. Atualmente é correspondente do La Jornada na Espanha e membro do conselho editorial da revista Babab.

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