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Rolando Ixquiac Xicará: Guatemala perde um de seus ícones das artes plásticas

Rolando Ixquiac Xicará entrou para o mais seleto mundo artístico da Guatemala com uma mensagem diferente e desafiadora. Um artista cuja obra plástica perdurará com sua força através dos anos.
Carolina Vásquez Araya
Cidade da Guatemala

Tradução:

Uma vida dedicada à arte constitui uma aventura arriscada e difícil. O mercado da arte não depende dos artistas, mas sim de tendências marcadas pelos críticos, curadores, colecionadores, donos de galerias importantes, mas muito menos daqueles que criam e produzem as obras. Neste contexto, um criador surgido de um ambiente alheio aos salões onde se decide quem vale e quem não vale é uma aposta não só difícil; também é percorrer caminhos cheios de obstáculos.

Rolando Ixquiac Xicará percorreu todos eles e entrou para o mais seleto mundo artístico da Guatemala com uma mensagem diferente e desafiadora. Suas composições cuidadosamente estudadas, sua maestria no manejo da cor e um desenho aparentemente ingênuo, mas com uma forte carga emotiva e carregada de rebeldia, enganam à primeira vista e deixam esse ressaibo de prazer natural diante da beleza. Mas somado a isso, a complexidade de seu pensamento, sua inegável habilidade para estampar em um espaço determinado todo um sofisticado universo de formas e conceitos com os quais compartilha sua visão de mundo, não deixam dúvidas sobre seu compromisso estético.

Rolando Ixquiac Xicará entrou para o mais seleto mundo artístico da Guatemala com uma mensagem diferente e desafiadora. Um artista cuja obra plástica perdurará com sua força através dos anos.

Foto Prensa Libre: cortesía Galería El Túnel
O guatemalteco Rolando Ixquiac Xicará é um dos mais destacados artista plástico da Guatemala

Os inícios de Rolando nos trabalhos manuais começaram na oficina de sapataria de seu pai. Depois, trabalhando em uma oficina de reparos e pintura adquiriu a maestria no uso dos mais diversos materiais, suas cores, texturas e plasticidade. Ao ingressar na Escola de Artes Plásticas já tinha percorrido esse valioso caminho, o que lhe facilitou a aprendizagem. Ao começar a pintar descobriu esse universo maravilhoso para o qual já possuía as habilidades emprestadas pelos seus ofícios anteriores. A pintura se converteu, então, no reduto seguro dentro de uma cidade cuja dinâmica lhe era alheia. Esse ponto de partida o levou a participar em bienais e salões de exposição no país e no mundo.

Existe, em toda a sua obra um leitmotiv absolutamente definido: o racismo. Seus personagens vêm da experiência vital de um artista cujos inícios foram marcados pela discriminação e por uma guerra cruenta e prolongada cujas vítimas foram, em sua imensa maioria, indígenas como ele. Rolando Ixquiac, que nos anos 70 não tinha porque sair do esquema trilhado do costume estético, da paleta vibrante de seus pares, dessa descrição preciosa do entorno rural, abriu passagem através de uma sociedade pouco tolerante com as diferenças étnicas e seus passos o levaram a invadir um espaço supostamente alheio. Rodeado por um mercado de arte emergente foi capaz de frequentar salões e leilões ao par de uma arte europeia por excelência. 

A coerência de sua denúncia significou críticas cujo transfundo ia dirigido mais a desqualificar sua técnica do que o conteúdo da obra, como uma maneira de matar o mensageiro diante de um mercado não inclinado ao protesto político em tempos de conflito, em uma sociedade conservadora e centrada em sua condição de superioridade étnica. Por isso a cuidadosa concepção de temas em toda a sua obra, a escolha de cores emblemáticas e a inclusão de detalhes aparentemente insignificantes, mas de grande simbolismo, elementos cuja integração no conjunto provêm de um estudo profundo da mensagem e de uma revisão exaustiva do modo de transmiti-lo. 

Hoje Rolando já não está. Sua partida cria um imenso espaço de ausência entre seus familiares e amigos, mas também no mundo da arte; esse mundo ao qual ele ingressou um dia, com toda a propriedade, pela porta principal.

 

*Colaboradora de Diálogos do Sul, da Cidade da Guatemala


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.
Carolina Vásquez Araya Jornalista e editora com mais de 30 anos de experiência. Tem como temas centrais de suas reflexões cultura e educação, direitos humanos, justiça, meio ambiente, mulheres e infância

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