No passado dia 10 de janeiro, o país recordou um dos episódios mais trágicos do novo século: O massacre de Juliaca, que deixou 20 mortos e quantiosos danos materiais.
O fato teve lugar quando a população de Puno buscou repudiar o írrito regime político de Dina Boluarte, instaurado em 7 de dezembro de 2022.
O que aconteceu nessa circunstância no sul andino não foi um fenômeno isolado. Fez parte da imensa onda de rechaço popular que gerou a derrubada do presidente Pedro Castillo e o surgimento de uma nova administração, produto de uma aliança política profundamente reacionária.
Como se recorda, os protestos massivos da cidadania desencadearam-se desde o início e alcançaram tons violentos a partir da brutal repressão consumada pelo Estado.
Primeiro em Andahuaylas, depois em Huancavelica e Ayacucho, depois em Tingo Maria, Pucallpa, Moquegua, Arequipa e outras cidades.
O regime quis que o ponto mais alto do desenfreio ocorresse em Puno. Provavelmente, Dina Boluarte já pensava então no que disse depois: “Puno não é o Peru”.
Por isso, o aparato repressivo do Estado atacou o povo como se fosse uma força estrangeira. Usaram-se fuzis AKM, pistolas de 9 mm, carros de combate, granadas e outro tipo de armamento de guerra.
Para justificar a barbárie, o regime inventou um mito que alguns repetem como papagaios, inclusive até hoje.
Disse, efetivamente, que os povoadores constituíam uma “turba” que buscava tomar por assalto o aeroporto da cidade.
Ainda agora repete essa patranha. E o faz sabendo que é mentira. Nunca houve nem tomada do aeroporto, nem intenção de fazê-lo.
Alguém viu, porventura, o edifício do aeroporto assediado? As instalações do aeroporto foram atacadas pela população? Houve escritórios destroçados ou móveis destruídos pela ação de uma “turba”? Registrou-se o caso de trabalhadores do aeroporto: pilotos, aeromoças, funcionários administrativos golpeados? Nada disso aconteceu.
O que sucedeu foi muito simples: a população que marchava pelas ruas da cidade soube que ao aeroporto chegavam aviões com reforços policiais e novas armas de guerra para atacá-los. Resolveu então o mais elementar: bloquear a pista de aterrissagem para impedir a chegada das aeronaves. A isso foi o que o regime chamou de “a tomada do aeroporto”. E isso lhe serviu para semear a morte.
Ela ocorreu, no entanto, não só nas proximidades do aeroporto, mas sim na própria cidade. E aconteceu à noite, e não só à luz do dia.
Estes elementos serviram para desnudar a mentira oficial que ainda é manchete na “grande imprensa” em todos os seus níveis.
Não obstante, o Peru pode recolher outra versão que “os meios” simplesmente esqueceram: Dina Boluarte falou da presença boliviana, dos “ponchos rojos”, das “balas dum-dum” e de outras sandices que a puseram em ridículo.
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Foto: Max Nina/Pachamama Radio
O 10 de janeiro, de hoje em diante, será um dia de luto, mas também de luta
Como se sabe, os mortos foram manifestantes ou simplesmente povoadores. Houve crianças, adolescentes, homens jovens e maduros, médicos que se esforçavam em salvar vidas e mulheres que se propunham a auxiliar feridos. As balas não discriminaram nem idade, nem sexo. Todos os caídos são heróis de nosso tempo.
Para Solaz, da ultradireita, ocorreu uma revolta no Equador. Isso lhe permitiu, impunemente, silenciar por completo os acontecimentos de Puno. Não fez nenhuma referência a eles com a esperança de que passassem despercebidos. Mas no sul andino, e em particular em Juliaca, foram realizadas manifestações imensas.
Houve canções, música, danças, rituais fúnebres, consignas e protesto constante. E em Lima, expressou-se também a ira cidadã: um importante evento na Cidade Universitária de San Marcos na segunda-feira, dia 8, uma marcha pela Colmena e Praça San Martin, um plantão diante da promotoria e um emotivo e aguerrido encontro no edifício Juan Santos Atahualpa do Congresso da República, por iniciativa da parlamentar Margot Palacios.
Em todas as partes ressoou a mesma demanda: Não à impunidade! O que as pessoas exigem é justiça. Isso implica investigar os fatos e sancionar os culpados. Todos sabem quais são. Costuma dizer-se que o sangue deixa uma profunda marca na consciência dos seres humanos. Mas também se diz que todos têm sangue. Uns nas veias e outros nas mãos.
É o caso daqueles que ditaram ordens de palavras sinistras que hoje negam porque sabem que a prisão os espera.
O 10 de janeiro, de hoje em diante, será um dia de luto, mas também de luta.
A vontade cidadã logrará, finalmente, que a verdade surja.
Gustavo Espinoza M. | Colunista na Diálogos do Sul de Lima, direto de Lima, Peru.
Tradução: Beatriz Cannabrava
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