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ToggleRodrigo Granda sente que está cumprindo com um ofício que jamais passou por sua mente: o de coveiro. Durante seus quase quarenta anos na guerrilha, viu muitas vezes o rosto da morte e quando apostou pela paz, o fez convencido de que viriam para Colômbia os tempos da vida.
Na atualidade, é o delegado de seu partido na comissão de acompanhamento e verificação dos acordos de paz pactuados em 2016, mas além de trabalhar para que se cumpra o que foi firmado entre as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e o Estado, passa meia vida denunciando a onda de assassinatos contra ex-combatentes que ameaça converter-se em um tsunami de sangue.
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Na semana passada, Granda ficou sabendo que Neftalí Orobio Venté se convertia no número 396 que caia assassinado depois da assinatura dos acordos de paz, fato ignorado pela maioria dos meios de comunicação. “O que se torna ‘normal’, deixa de ser notícia”, diz Granda.
O cadáver de Orobio foi encontrado perto de um casario chamado Santa Bárbara, no departamento de Nariño, onde liderava um projeto produtivo piscícola “com o qual buscava uma melhor futuro para sua mãe, três irmãos e dois filhos menores de idade”, segundo reza a denúncia feita pela Corporação Nacional de Reincorporação Comunes.
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Um ex-combatente assassinado por semana durante sete anos seguidos deveria ser motivo suficiente para que o governo e a sociedade colombiana ligassem seus alarmes e buscasse a forma de deter uma matança que evoca sem remédio o genocídio do qual foi vítima o partido de esquerda União Patriótica, cujos cinco mil militantes foram aniquilados ao longo de três décadas por conta de uma tenebrosa aliança entre grupos paramilitares e agentes do Estados.
No entanto, Granda se mostra desolado diante da indiferença que reina ao redor dos crimes, quase todos ainda cobertos pelo manto da impunidade. “O pior é que não só estão nos matando, mas milhares de ex-combatentes e suas famílias vivem um clima permanente de hostilidade que os abriga a deslocar-se dos espaços territoriais onde nos agrupamos desde 2016 para fazer nossa reincorporação à vida civil”, diz Granda ao La Jornada em uma conversa carregada de raiva e impotência.
Menciona dois recentes deslocamentos massivos de ex-combatentes que obrigaram umas mil famílias a deixar o pouco que haviam logrado após sua desmobilização, para voltar aos dias da incerteza vivida durante os governos de Iván Duque e Juan Manuel Santos.
“Nos últimos meses a violência contra os Comunes recrudesceu”, afirma Granda, algumas vezes qualificado pelos meios de comunicação como o “chanceler das Farc” pelas tarefas internacionais que lhe designaram no começo do presente século.
Foto: Reprodução/Twitter
Mobilização de membros do Comunes no município de Mesetas, departamento de Meta, na Colômbia
De onde vêm os tiros?
O dirigente de Comunes diz que os ataques contra seu partido provêm “de diversas vertentes”. “Aqueles que desertaram do processo de paz, ou aqueles que nunca se juntarem a ele são os que mais lideraram a ofensiva matando nossos camaradas”, assegura Granda.
Ele se refere a duas dissidências das antigas Farc que hoje operam em quase todo o território colombiano, exibindo um desconcertante poder militar que faz retroceder inevitavelmente o filme aos anos 80 e 90, quando as guerrilhas inclinaram a seu favor a balança militar pondo em xeque um Estado impotente que teve que aceitar a ação de dezenas de grupos paramilitares para impedir o avanço da insurgência.
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Com o mesmo discurso de antigamente e exibindo idêntica iconografia das velhas Farc, estas dissidências começaram seu surpreendente processo de expansão no dia seguinte da firma dos acordos de 2016, aproveitando que os governos de Santos e Duque fizeram todo o possível para não cumprir a pactuação com as Farc.
Em seu ânimo de recuperar os territórios que estiveram em mãos dos homens de Manuel Marulanda, as dissidências arrasam em seu caminho com tudo e com todos os que se oponham aos seus propósitos.
Granda assinala que além das dissidências também são vítimas de novos grupos paramilitares que agem, outra vez, com o apoio de setores das forças militares.
A fórmula do governo: paz total
No meio de semelhante tempestade, o governo do presidente Gustavo Petro continua apostando na sua estratégia de “paz total”, para o qual fez aproximações tanto com as dissidências das Farc, como com grupos armados por fora da lei, estreitamente ligados ao narcotráfico.
Com o Exército de Liberação Nacional (ELN), sustenta conversas desde novembro de 2022, e ambas as partes fizeram um pacto de cessar-fogo até março do próximo ano.
Porta-vozes do escritório do Alto Comissionado de Paz disseram ao La Jornada que continuarão trabalhando na busca de acordos com todas as forças irregulares com o objetivo de pôr fim à violência generalizada que afeta também a comunidades campesinas, indígenas e afros e que cobrou a vida de quase mil líderes sociais nos últimos cinco anos.
“Em todos as nossas aproximações das dissidências das Farc, demandamos que um requisito indispensável para seguir avançando na busca da paz é que cessem os ataques contra os ex-combatentes que assinaram o acordo de 2016”, disse ao La Jornada Danilo Rueda, comissionado de paz.
Jorge Enrique Botero | La Jornada, especial para Diálogos do Sul – Direitos reservados.
Tradução: Beatriz Cannabrava
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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