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Imagem: Nación Mapuche

2 anos de estado de exceção na terra mapuche: “É muito chocante. Nos tratam como terroristas”

Em entrevista, a cantora de rap mapuche MC Millaray fala dos danos da medida de Bori: "está se tornando normal ver tanques e militares" na região
Sonia Donoso
El Diário.Es
Santiago del Chile

Tradução:

Ana Corbisier

Há dois anos que o presidente chileno, Gabriel Boric, decretou o estado de exceção e ordenou o deslocamento militar para várias localidades do sul do Chile em uma tentativa de conter o aumento de sabotagens e ações violentas em território indígena causadas pelo conflito entre o Estado chileno, o povo mapuche e grandes empresários e latifundiários. Desde 16 de maio de 2022, a polêmica medida foi prorrogada no Congresso chileno dezenas de vezes e, paradoxalmente, Boric tornou-se o mandatário progressista que mais tempo manteve os militares na zona em disputa.

“A militarização no território, na realidade, é vivida há muito mais de dois anos, desde que tenho memória”, diz a cantora de rap mapuche Millaray Jara Collio –ou MC Millaray, como ela mesma se faz chamar– em uma entrevista a ElDiario.es. Apesar de, em seu lugar na Câmara dos Deputados, Boric ter criticado duramente o deslocamento de soldados para a zona ordenado por seu antecessor, o falecido Sebastián Piñera, só dois meses depois de chegar ao poder recuou em sua estratégia de abordagem do conflito.

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“É muito chocante, para mim, visitar os territórios (mapuche) e ver tanques e militares na entrada, mas está se tornando normal, sobretudo para as novas gerações, os menores”, diz em uma entrevista a ElDiario.es MC Millaray. “Em alguns momentos nos indicaram, não sei com que intenção, mas apontaram para o carro”, acrescenta.

Com 18 anos recém feitos e oriunda de la Pincoya, um bairro popular da periferia de Santiago, a artista se tornou uma das vozes mais promissoras do rap no Chile, cantando em castelhano e em mapudungun, língua mapuche que aprendeu com sua bisavó materna, uma anciã quase centenária que ainda vive em Wallmapu, o território mapuche. “Com a música podemos inculcar nos jovens valores de respeito a nossa história; a nossa língua, para que não morra; e a nossa luta pela terra a que pertencemos”, diz a jovem, que publicará seu primeiro disco no segundo semestre de 2024. 

“Fazem nos ver como terroristas”

Segundo cifras do Governo, os atos de “violência rural” nas regiões do sul da Araucânia e BioBío diminuíram 35% em relação a 2023 e 51% em relação a 2021; enquanto os “ataques incendiários” reduziram-se 44% em relação ao ano passado. No entanto, a zona centro-sul atravessa agora um complexo cenário porque, aos ataques associados a reivindicações políticas e ancestrais, soma-se outro tipo de fenômeno, como o narcotráfico, o crime organizado e o roubo de madeira. Uma mescla de que se ressentem, sobretudo, as comunidades locais. “Nos impõem a Lei Antiterrorista, culpam-nos de coisas que não existem e nos fazem ver como terroristas”, lamenta MC Millaray. 

Nas últimas semanas, os alertas e suspeitas no território mapuche dispararam devido ao tríplice assassinato policial ocorrido na zona em abril. Trata-se do atentado mais grave da história recente do país perpetrado contra o corpo de Carabineiros, tanto por tratar-se de um assassinato múltiplo simultâneo como pela forma como foram mortos os agentes: um grupo disparou contra a patrulha policial e queimou seu veículo com eles dentro.

Ninguém reivindicou o ataque, até agora não há detidos e as investigações seguem seu curso, mas as autoridades concordam em que o “modus operandi não corresponde à violência rural” nas localidades afetadas pelo conflito. “Somos tachados de muitas formas, quando na realidade sofremos várias montagens; fala-se das supostas zonas vermelhas e violentas, mas jamais se fala dos traumas que a violência deixa nas crianças e anciãos mapuche”, critica a cantora, que também é porta-voz da Rede da Infância Mapuche.

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Para MC Millaray ficam longe as mobilizações históricas de 2019 em que a sociedade chilena, em uma espécie de reconciliação histórica, levantou-se com o povo mapuche, que representa 9% dos quase 20 milhões de habitantes do Chile. Balançavam suas bandeiras e seus símbolos e lemas eram onipresentes em todas as marchas. A jovem participou das manifestações, cantou rap e gritou na praça principal de Santiago enquanto acreditava na possibilidade real de enterrar a Constituição atual, herdeira da ditadura, e substituí-la por outra que reconhecia a plurinacionalidade do Estado chileno e dava maior autonomia aos povos originários

Tudo permaneceu um sonho que se esvaiu quando o texto foi rejeitado por uma ampla maioria: “Foi como viver uma união que não se tinha visto antes, como se de repente existisse uma empatia conosco; mas, depois, foi tudo muito decepcionante, um grande retrocesso”. Da sociedade chilena, pensou: “Poderiam ter feito algo importante por nossos direitos, mas preferiram ficar com uma Constituição que arrastava tanta dor”. 

“Avançar sem esquecer”

Millaray, que significa “flor de ouro” em mapudungun, canta a terra, a natureza e reivindica os direitos de seu povo a recuperar suas terras ancestrais: “Existe uma dívida histórica com a terra, que nunca foi paga”, diz. Para tentar avançar nesta direção, determinar a demanda de terrenos mapuche e fixar um prazo para devolvê-los, o Governo de Boric implementou há um ano a Comissão para a Paz e o Entendimento que elabora um cadastro em várias regiões do sul do Chile. “Jamais vão poder saldar esta dívida porque é muito grande, é muito o território e muito já nem sequer pertence ao Estado chileno”, afirma a compositora e ativista do meio ambiente. “As transnacionais instalaram-se no lugar e se fala de devolver uma terra que foi vendida àqueles que a estão devastando”, acrescenta.

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Cética quanto aos acordos que possam resultar dos diálogos da Comissão para a Paz ante um conflito centenário e enquistado por décadas, MC Millaray “não espera nada do Estado” porque – diz – “jamais se cumpriram as leis, nem sequer os tratados internacionais assinados (pelo Chile) voluntariamente”. Viveu desde pequena o racismo e a discriminação, inclusive “por parte de pessoas próximas e de professores”, e em suas redes, onde acumula mais de 37 mil seguidores, sofreu assédio e ameaças. “Como mulher mapuche, como mulher indígena, isto não me tira a esperança”, afirma. Sua agenda para o conflito propõe “seguir adiante, sem jamais esquecer o passado” e, sem uma solução de fundo à vista, conclui: “Não podemos perdoar, mas, sim, podemos avançar”.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Sonia Donoso Correspondente de El.Diario em Santiago do Chile.

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