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Peru, Argentina, Brasil… as faces do golpismo dos EUA e da ultradireita na América Latina

Destituição e prisão de Castillo têm paralelos ineludíveis com a pressão midiática e jurídica contra Cristina Kirchner, Dilma e Lula
Aram Aharonian
Estratégia.la

Tradução:

O golpe legislativo perpetrado na última quarta-feira (7) no Peru representa a aposta das elites para cortar de uma vez qualquer tentativa de empreender a urgente renovação institucional que o povo peruano exige e merece e criar outro obstáculo para a possibilidade de rearmar o processo de integração regional.

O que aconteceu no Peru foi um golpe de estado parlamentar com apoio militar que destituiu o professor rural e sindicalista Pedro Castillo, detido por seu próprio chefe de segurança e transferido para um quartel em Lima, para que a vice-presidenta Dina Boluarte assumisse; esta não foi eleita nem para este nem para outro cargo qualquer, traindo assim o mandato popular para somar-se ao golpismo.

Pedro Castillo foi eleito pelo voto popular com a promessa de convocar um processo constituinte que pusesse fim ao caos político e permitisse devolver uma governabilidade mínima a uma nação que hoje se encontra mergulhada em uma espécie de ditadura parlamentar.

Sabia que devia levar às ruas o povo das regiões historicamente esquecidas pelas elites e as classes médias e altas de Lima, regiões tais que com 35% dos votos definiu sempre quem seria o Presidente, para chegar a uma nova Constituição que substituísse a promulgada pelo ditador Alberto Fujimori em 1993. No Peru, há um Parlamento unicameral, pensado como contrapeso ao poder presidencial, para fazer surgir um poder capaz de gerar o equilíbrio necessário.

Destituição e prisão de Castillo têm paralelos ineludíveis com a pressão midiática e jurídica contra Cristina Kirchner, Dilma e Lula

Reprodução/Twitter
Ainda antes das eleções de 2021, a direita e a ultradireita pró-militar empreenderam uma campanha de linchamento contra Castillo




Novamente a OEA

Mas Castillo tentou governar, inclusive com as regras do inimigo, disparando desde o primeiro momento o processo destituinte que terminou com sua prisão. Neste cenário de ingovernabilidade, o governo invocou a aplicação dos artigos 17 e 18 da Carta Interamericana Democrática da OEA e solicitou sua presença como facilitador do diálogo. A demanda foi atendida por aclamação e a OEA enviou uma missão formada por chanceleres e vice-chanceleres da Argentina, Belize, Colômbia, Equador, Guatemala, Paraguai e Costa Rica.

O informe do Grupo de Alto Nível da OEA (GAN) não satisfez a oposição, já que indicava que os meios de imprensa estão concentrados em poucas mãos, carecem de objetividade e em alguns casos são desestabilizadores; e que existem setores que promovem o racismo e a discriminação e não aceitam que uma pessoa alheia aos círculos políticos tradicionais ocupe a cadeira presidencial. Tampouco gostou que se atribuísse a crise de governabilidade à “guerra civil” entre os poderes Executivo e Legislativo.

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O GAN propôs uma trégua de 100 dias e fez um apelo ao diálogo, mas nenhuma das partes aceitou. Castillo nomeou Betssy Chávez, uma ministra já censurada pelo Congresso, como presidenta do Conselho de ministros em substituição a Aníbal Torres, buscando que o Congresso lhe negasse a confiança quando apresentasse seu novo Gabinete em um prazo máximo de 30 dias. Ao ser rejeitado pela segunda vez, o Executivo estaria liberado para dissolver constitucionalmente o Congresso e convocar novas eleições.

Mas o jogo terminou em 7 de dezembro com seu anúncio do rompimento institucional. O Conselho Permanente da OEA realizou em Washington uma sessão extraordinária, em que seu secretário geral, Luis Almagro, apelou ao diálogo e chamou de “alteração da ordem constitucional” as ações de Castillo (dissolver o Parlamento) e, quase imediatamente, reconheceu Boluarte como nova presidenta.

Na sessão da OEA houve algumas vozes que alertaram sobre a constante conspiração enfrentada por Castillo, e o governo do México comunicou que oferecera asilo político ao presidente destituído, que agora deve enfrentar um processo penal, motorizado por um poder judiciário que também colaborou para jogá-lo contra as cordas, por tentar dar um golpe de Estado.


Os processos destituintes

As direitas latino-americanas substituíram os sangrentos quartelaços e as ditaduras militares por campanhas de difamação e de cultivo de ódio e de pânico, pela subversão e a ingovernabilidade induzidas pelo apelo e tumulto legislativos.

A condenação da vice-presidenta argentina Cristina Fernández de Kirchner é um novo capítulo da articulação na América Latina dos poderes judiciário, econômico e midiático contra os governos populares, como ocorreu nestes últimos anos.

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Em sua impossibilidade de apelar ao Poder Militar como disciplinador, como no século XX, apelam aos outros poderes do Estado. Agora não se trata apenas de prescrever Cristina e inabilitá-la politicamente, e sim de desmantelar um movimento popular que não puderam destruir no passado e seguramente tampouco poderão fazê-lo agora.


O apuro de Washington

Washington reagiu dando luz verde ao golpe de Estado antes que ocorresse e festejando-o uma vez consumado: quando Castillo anunciou a dissolução do Congresso, o início de um governo de emergência excepcional, a reorganização do Poder Judiciário e da Procuradoria da Nação, assim com a convocação de uma Assembleia Constituinte, a embaixada estadunidense em Lima rejeitou categoricamente qualquer ato extraconstitucional para impedir que o Congresso cumprisse seu mandato. 

E apelou para que fosse revertida a tentativa de fechar o Parlamento para prosseguir com o funcionamento normal das instituições democráticas. Na quinta-feira (8), o Departamento de Estado elogiou as instituições peruanas e as autoridades civis por assegurarem a estabilidade democrática, ou seja, para seguir sua cartilha de golpe brando. Já um porta-voz do Departamento de Estado declarara que considerava Castillo um “ex-presidente”.

Este governo “democrata” estadunidense continua imperturbável em seu desprezo pelas soberanias do resto dos países e em sua crença de que possui atribuições para ditar aos governantes o que podem ou não fazer. O pior é que há dirigentes em nossas nações que seguem essas determinações ao pé da letra. A sabotagem parlamentar contra o governo de Castillo foi permanente nestes 16 meses.

Isto obrigou a realizar 60 mudanças no gabinete neste período, e que nos últimos seis anos tenha removido três presidentes. É normal o funcionamento das instituições para referir-se a um sistema político que desde 2016 impediu o desenvolvimento completo de um mandato presidencial e fez desfilar seis presidentes, com episódios tão vergonhosos como a presidência de cinco dias de Manuel Merino ou a diplomação de Mercedes Aráoz sem sequer permitir-lhe chegar a ocupar o cargo?

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A profunda disfuncionalidade do sistema político vigente só favorece a direita oligárquica e as imposições de Washington para a eleição de outro presidente corrupto (sete dos últimos 11 presidentes foram processados por esta acusação), ou deixar o país em mãos de um Parlamento com poderes ilimitados, o que torna impossível governar.


Golpe a golpe, verso a verso

A destituição e prisão do presidente Pedro Castillo no Peru têm paralelos ineludíveis com a pressão midiática e jurídica na Argentina contra a vice-presidenta Cristina Fernández de Kirchner, com a perseguição midiática, legislativa e jurídica que depôs Dilma Rousseff no Brasil e levou à prisão do agora presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, assim como com a ilegal destituição de Fernando Lugo, no Paraguai.

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E mais: tem relação direta com as maquinações midiáticas e jurídicas que antecederam os golpes de Estado perpetrados contra José Manuel Zelaya (Honduras, 2009) e Evo Morales (Bolívia, 2019).

Há um denominador comum: todos eles são dirigentes progressistas que buscaram reverter com êxito variado as injustiças sociais de que padecem seus países e a vergonhosa submissão às políticas ditadas por Washington praticadas pelas oligarquias, os poderes fáticos, a imprensa hegemônica, quando conseguem encarapitar-se no poder político.

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O suicídio político televisivo de Castillo foi o capítulo final de uma espécie de golpe de Estado em câmera lenta que vinha sendo construído desde o momento em que o professor rural assumiu a presidência; que tinha como propósito encurralar o governante para tornar impossível o exercício de seu cargo e impedir que cumprisse o mandato popular que recebeu dos cidadãos.

Em 18 meses de governo, Castillo não pôde levar a cabo sua proposta, que incluía a convocação de um congresso constituinte e a desativação do Tribunal Constitucional – porque sua gestão foi sistematicamente sabotada pela direita e a ultradireita fujimorista e militar, nos âmbitos legislativo, judiciário e midiático.

A proposta de reorganização institucional foi marcada por 15 meses de ingovernabilidade, habitual no Peru das últimas décadas, que torna inviável a gestão do Executivo. Os dados não deixam dúvidas: desde 2018, o país teve seis presidentes, vários deles destituídos pelo Legislativo, e até processados por acusações (reais ou falsas) de corrupção, que levaram ao suicídio do ex-mandatário Alan García.

A disfuncionalidade das instituições foi aproveitada desde o primeiro dia de seu governo por uma direita corrupta, racista e oligárquica que viu como um agravo a chegada ao Palácio de Governo de um sindicalista indígena disposto a aplicar um programa de justiça social, soberania e recuperação dos poderes mais básicos do Estado em matéria de economia. Talvez com a ingenuidade de que isso seria possível.

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A classe governante peruana nunca pôde aceitar que um professor rural e líder camponês pudesse ser levado à presidência por milhões de pobres, negros e indígenas que viam em Castillo a esperança de um futuro melhor. Ante os permanentes ataques, Castillo foi se distanciando cada vez mais de sua base política. Formou quatro gabinetes diferentes para apaziguar os setores empresariais, cedendo cada vez mais às exigências da direita de destituir os ministros de esquerda que desafiavam o status quo. Rompeu com seu partido, Peru Livre, e foi questionado por seus dirigentes.

Pediu ajuda à já desacreditada Organização de Estados Americanos para buscar soluções políticas, em vez de mobilizar os principais movimentos camponeses e indígenas do país. No fim, Castillo lutava sozinho, sem apoio das massas nem dos partidos de esquerda. E a OEA lhe oferecia um salva-vidas de chumbo: garantia o golpe parlamentar com a desculpa do tropeço do ex-mandatário, talvez sugerido pela mesma organização desestabilizadora da América.

Ainda antes das eleções de 2021, a direita e a ultradireita pró-militar empreenderam uma campanha de linchamento contra Castillo, para o que lançaram mão de sua mídia, de seus partidos e de todas as posições de poder que controlam, não hesitando em cerrar fileiras em torno da candidatura de Keiko Fujimori, filha do ditador Alberto Fujimori, um dos mandatários mais corruptos e repressores da história recente.

Boluarte assume a presidência sem ter um partido que a apoie, sem uma bancada parlamentar em um Congresso dirigido por um militar repressor, José Williams, enfrentando o que era seu partido e com uma direita que já demonstrou estar disposta a tudo para defender seus interesses subalternos. Enquanto isso, o clamor da rua continua sendo o mesmo que há quase duas décadas: que se vão todos.

*Jornalista e comunicólogo uruguaio. Mestre em Integração. Criador e fundador da Telesul. Preside a Fundação para a Integração Latino-americana (FILA) e dirige o Centro Latino-americano de Análise Estratégica (CLAE) 

Aram Aharonian | Estrategia.la
Tradução: Ana Corbisier


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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Aram Aharonian

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