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Garra-Espada: a operação militar especial (ignorada pelo Ocidente) da Turquia na Síria

Pela primeira vez em 2022, o Sultão Erdogan promete também uma invasão por terra dos territórios controlados pelos curdos na Síria
Pepe Escobar
Diálogos do Sul Global
Líbano

Tradução:

Há uma outra Operação Militar Especial no mercado. Não, não se trata da Rússia “desnazificando” ou “desmilitarizando” a Ucrânia – e, portanto, não é de admirar que essa outra operação não esteja irritando os ânimos do coletivo ocidental.

A Operação Garra-Espada foi lançada pelo presidente turco Recep Tayyip Erdogan como uma vingança – altamente emocional e coordenada – pelos ataques terroristas curdos contra cidadãos turcos. Alguns dos mísseis lançados por Ancara nessa campanha aérea traziam os nomes das vítimas turcas. 

A versão oficial de Ancara é que as Forças Armadas Turcas atingiram plenamente os “objetivos da operação aérea” ao norte da Síria e no Curdistão iraquiano, fazendo com que os responsáveis pelo ataque terrorista contra pedestres civis na rua Istiklal, de Istambul, pagassem com a vida de “multidões”.

E, ao que se diz, esse é apenas o primeiro estágio. Pela primeira vez em 2022, o Sultão Erdogan promete também uma invasão por terra dos territórios controlados pelos curdos na Síria.

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No entanto, segundo fontes diplomáticas, isso não vai acontecer – mesmo que dezenas de especialistas turcos afirmem terminantemente que a invasão é necessária, e o quanto antes.

O Sultão astuto se vê imprensado entre seu eleitorado, que apoia a invasão, e suas extremamente nuançadas relações coma Rússia – que abrangem um vasto arco geopolítico e geoeconômico.

Ele sabe muito bem que Moscou pode aplicar pressões de todos os tipos para dissuadi-lo. Por exemplo, a Rússia, no último minuto, anulou o envio semanal de uma patrulha conjunta russo-turca no Ain al Arab, que ocorria todas as segundas-feiras.

Pela primeira vez em 2022, o Sultão Erdogan promete também uma invasão por terra dos territórios controlados pelos curdos na Síria

Reprodução/Twitter
Luz verde para a Garra-Espada partiu de Erdogan, a bordo do avião presidencial, voltando da reunião do G20 em Bali

Ain al Arab é um território altamente estratégico: o elo perdido, a leste do Eufrates, capaz de oferecer continuidade entre Idlib e Ras al Ayn, ocupada por suspeitíssimas gangues alinhadas aos turcos, próximo à fronteira da Turquia. 

Erdogan sabe que não pode pôr em risco seu posicionamento como potencial mediador entre a União Europeia e a Rússia, enquanto obtém o máximo de lucros contornando o combo embargo-sanções anti-russas.

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O Sultão, driblando diversos dossiês graves, está plenamente convencido de ter todas as qualificações para levar a Rússia e a Otan à mesa de negociações e, mais adiante, pôr fim à guerra na Ucrânia.

Paralelamente, ele acha que pode se sair bem nas relações Turquia-Israel, na reaproximação com Damasco, na delicada situação interna no Irã, nas relações Turquia-Azerbaijão, nas infindáveis metamorfoses que ocorrem por todo o Mediterrâneo e no impulso em direção à integração eurasiana.

Ele vem tentando equilibrar suas relações com a Otan e com a Eurásia.


‘Fechem todas as nossas fronteiras ao sul’

A luz verde para a Garra-Espada partiu de Erdogan, a bordo do avião presidencial, voltando da reunião do G20 em Bali. Isso se deu apenas um dia após seu encontro com o Presidente Joe Biden, no qual, segundo uma declaração do próprio Erdogan, o assunto não foi tratado.

“Não tivemos encontros nem com o Sr. Biden nem com [o Presidente russo Vladimir]  Putin sobre a operação. Ambos já sabem que podemos tomar medidas como essa a qualquer momento nesta região”, disse a declaração.

Washington não ser informada da Operação reflete o fato de Erdogan não ter sido convidado para uma reunião extraordinária do G7-Otan, em Bali, realizada nos bastidores do G20.

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Essa reunião foi convocada pela Casa Branca para tratar do agora notório míssil ucraniano S-300, que caiu em território polonês. Naquela ocasião, ninguém tinha informações conclusivas sobre o que havia acontecido. E a Turquia sequer foi convidada para se sentar à mesa – o que deixou o Sultão profundamente ofendido. 

Não é nenhuma surpresa, portanto, que Erdogan, em meados da semana, tenha dito que a Garra-Espada estava “apenas começando”. Se dirigindo a legisladores do partido AKP no Parlamento, ele disse que a Turquia está determinada a “fechar todas as nossas fronteiras ao sul … com um corredor de segurança que evite a possibilidade de ataques a nosso país”. 

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A promessa de invasão por terra continua existindo: ela começará “no momento que nos for mais adequado”, e terá como alvo as regiões de Tel Rifaat, Mambij e Kobane, que o Sultão chama de “fontes de problemas”.

Ancara já criou o caos usando drones sobre o principal quartel-general das Forças Sírias Democráticas, apoiadas pelos Estados Unidos, cujos comandantes acreditam que o principal alvo de uma potencial invasão turca por terra seria Kobane.

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É significativo que essa seja a primeira vez que um drone turco tomou como alvo uma área extremamente próxima a uma base dos Estados Unidos. E Kobane é altamente simbólica: foi ali que os americanos selaram uma colaboração com os curdos sírios para – em tese – lutar contra o ISIS.

E é por essa razão que os curdos sírios estão tão horrorizados com a falta de resposta americana aos ataques turcos. Eles culpam – quem mais seria? – o Sultão, por atiçar “sentimentos nacionalistas” logo antes das eleições de 2023, na qual Erdogan tem grandes chances de sair vitorioso, apesar do estado catastrófico da economia turca.

No momento, não está havendo concentração de tropas próximo a Kobane, apenas ataques aéreos. O que nos traz ao importantíssimo fator russo.

Manbij e Tel Rifaat, a oeste do Eufrates, são muito mais importantes para a Rússia que Kobane, por serem, ambas, vitais para a defesa de Aleppo contra possíveis ataques salafi-jihadis.

O que pode vir acontecer em um futuro próximo torna a situação ainda mais sombria. Os serviços de inteligência da Ancara podem vir a usar os jihadis Hayat Tahrir al-Sham – que já tomaram partes de Afrin – como uma espécie de “vanguarda” na invasão por terra do território curdo na Síria.


A venda de petróleo sírio roubado para a Turquia

O atual nevoeiro de guerra traz também a ideia de que os russos talvez tenham entregado os curdos, ao deixá-los expostos aos bombardeios turcos. O que não se sustenta, uma vez que a influência russa sobre o território curdo na Síria é negligível, comparada à dos Estados Unidos. Só os americanos poderiam “entregar” os curdos.

Na Síria, quanto mais as coisas mudam, mais elas continuam as mesmas. A situação pode ser resumida como um impasse monumental. Fica ainda mais surrealista porque, de fato, Ancara e Moscou já encontraram a solução para a tragédia síria.

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O problema é a presença das forças americanas – que, em essência, servem para proteger os comboios alquebrados que roubam petróleo sírio. Os russos e os sírios sempre discutem a questão. A conclusão é que os americanos vão ficando por inércia. Eles ficam porque conseguem ficar. E Damasco é impotente para expulsá-los.

O Sultão joga o jogo com um cinismo consumado – na geopolítica e na geoeconomia. A maior parte do que continua sem solução na Síria gira em torno dos territórios ocupados por verdadeiras gangues que se chamam de curdas e são protegidas pelos Estados Unidos. Elas traficam petróleo sírio para vendê-lo principalmente… à Turquia.

E então, de uma hora para outra, gangues armadas que se dizem curdas podem simplesmente abandonar sua luta “antiterrorista” … libertando os terroristas aprisionados por elas, aumentando assim a “ameaça terrorista” por todo o nordeste da Síria. E eles culpam – quem mais seria? – a Turquia. Em paralelo, os americanos aumentam sua ajuda financeira a essas gangues armadas sob o pretexto de uma “guerra ao terror”.

A distinção entre “gangues armadas” e “terroristas”, obviamente, é muito sutil. Para Erdogan, o mais importante é ele poder usar os curdos como moeda de troca nas negociações de comércio relativas a contornar os embargos e sanções contra a Rússia.

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Isso explica por que razão o Sultão pode se decidir a bombardear o território sírio sempre que lhe convier, apesar das condenações de Washington ou de Moscou. Os russos, de vez em quando, retomam a iniciativa no terreno – como aconteceu durante a campanha de Idlib em 2020, na qual os russos bombardearam as forças militares turcas que vinham fornecendo “assistência” aos jihadi-salafistas.

Agora, um ponto de virada pode estar à vista. O exército turco bombardeou o campo de petróleo al-Omar, ao norte de Deir ez-Zor. O que isso significa na prática é que Ancara vem destruindo nada menos que a infraestrutura petrolífera da tão louvada “autonomia curda”.

Essa infraestrutura foi cinicamente explorada pelos Estados Unidos no que se refere ao petróleo que chega à fronteira com o Iraque, no Curdistão iraquiano. Em um certo sentido, portanto, Ancara vem atacando os curdos sírios e, simultaneamente, o roubo de petróleo sírio pelos americanos.

O ponto de virada definitivo pode estar se aproximando, e será o encontro entre Erdogan e Bashar al-Assad. (Lembram-se do refrão que já completa uma década de “Assad tem que ir embora”?).

Lugar: Rússia. Mediador: Vladimir Putin, em pessoa. Não é exagero imaginar que esse encontro prepare o caminho para que aquelas gangues armadas curdas, que essencialmente são usadas por Washington como idiotas úteis, acabem dizimadas por Ancara.

Pepe Escobar | Asia Times
Tradução: Patricia Zimbres | Brasil 247


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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Pepe Escobar Pepe Escobar é um jornalista investigativo independente brasileiro, especialista em análises geopolíticas e Oriente Médio.

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