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Família Rocha venceu contratos enquanto membro assessorava pasta na era Bolsonaro

Aurélio Rolim Rocha, o Lelinho, é dono da Fazenda Annalu, a mesma onde foi gravada a novela da Globo Terra e Paixão
Bruno Stankevicius Bassi
De Olho Nos Ruralistas
São Paulo (SP)

Tradução:

A novela “Terra e Paixão”, escrita por Walcyr Carrasco, reproduz uma narrativa comum às tramas rurais exibidas pela Rede Globo. O roteiro cria uma dualidade entre dois personagens ideais do campo brasileiro. De um lado, o latifundiário Antônio La Selva, um homem violento, inescrupuloso e símbolo do atraso, vivido por Tony Ramos. De outro, seu filho Caio, interpretado por Cauã Raymond, como um empresário consciente, uma visão idealizada do agronegócio moderno.

Fazenda Annalu aderiu à campanha “nacionalista” de Tereza Cristina. (Foto: Reprodução/Instagram)

Em determinado ponto da novela, os dois personagens discutem sobre o apoio de La Selva a políticos sul-mato-grossenses, com o propósito de livrá-lo de quaisquer acusações. Nos últimos capítulos, o tema novamente volta à tona, com o fazendeiro sendo liberado da cadeia após acionar seus contatos em Brasília.

Na vida real, os donos do imóvel onde foi gravada “Terra e Paixão” também nutrem uma relação de proximidade com a política. Em uma série de reportagens, De Olho nos Ruralistas revelou o histórico de violações ambientais da Fazenda Annalu, que vai do desmatamento e criação de gado em área de Reserva Legal ao desvio do curso de um afluente do Rio Dourados para atender um megaprojeto de piscicultura de tilápias. A série detalha a dimensão do império agropecuário erigido pela família Rocha, para além da propriedade que inspirou a La Selva da novela.

A Fazenda Annalu está registrada em nome de Aurélio Rolim Rocha, o Lelinho. Aos 30 anos, o diretor da Valor Commodities, um dos maiores grupos de comercialização de grãos, bois e pescado do Mato Grosso do Sul, formou-se em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas, fala inglês fluente e dedicou-se desde cedo ao desenvolvimento no comércio exterior. Ainda durante a graduação, especializou-se em Relações Internacionais e foi assessor para missões internacionais nos governos de João Dória e Bruno Covas na prefeitura de São Paulo.

Atualmente, Lelinho é diretor-suplente da Associação de Criadores do Mato Grosso do Sul (Acrissul), principal organização de classe dos pecuaristas do estado. Em 2013, a Acrissul esteve entre as organizadoras do “Leilão da Resistência“, que reuniu dezenas de empresários e políticos para arrecadar recursos para a contratação de “serviços de segurança” visando combater as retomadas de fazendas pelos povos Guarani Kaiowá e Terena. Ao todo, as vendas de gado geraram R$ 860 mil, mas o dinheiro foi bloqueado por decisão da Justiça, que julgou que o leilão teria “o poder de incentivar a violência” e colidia “com os princípios constitucionais do direito à vida, à segurança e à integridade física”.

O empresário também atua como consultor de Relações Internacionais para a Federação das Indústrias de Mato Grosso do Sul (Fiems), tendo liderado a missões do grupo à Índia e ao Paraguai.


Empresário viajou com a ministra para Ásia e Europa

Lelinho posa ao lado da ex-ministra durante viagem internacional pelo Mapa. (Foto: Reprodução/Instagram)

Entre 2019 e 2021, Lelinho Rocha ocupou os cargos de assessor internacional e de coordenador de Promoção de Imagem e Cultura Exportadora do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), acompanhando a ex-ministra Tereza Cristina (PP-MS) em viagens internacionais à China, Alemanha, Inglaterra, Índia e Arábia Saudita.

A relação com a senadora sul-mato-grossense inclui a adesão de Lelinho à campanha bolsonarista da Semana da Pátria, em 2020. A ação, deflagrada pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e pela própria Tereza Cristina, convocava fazendeiros a hastearem a bandeira do Brasil na entrada de suas propriedades para celebrar o Dia da Independência em meio à pandemia de Covid-19. Em sua conta no Instagram, o diretor da Valor Commodities parabenizava a ação com uma foto da própria Fazenda Annalu.

Durante o período em que Lelinho atuou no governo de Jair Bolsonaro, uma das empresas do grupo foi agraciada em contratos públicos dos Ministérios da Defesa e da Economia. Segundo dados do Portal da Transparência, a Mirage Aero Combustíveis Ltda, dona de seis postos de abastecimento de aeronaves, espalhadas por Mato Grosso do Sul, Paraná e Santa Catarina, recebeu R$ 414.478,76 do governo federal. As contratações são relativas a 32 operações de compra de querosene e combustíveis pelo Comando da Aeronáutica e pela 9ª Superintendência da Receita Federal, em Curitiba (PR).

A aviação agrícola é um dos principais filões de negócios da Valor Commodities, além de principal meio de transporte entre as fazendas do grupo. Em uma foto no Instagram, Lelinho posa dentro de um jatinho ao lado do avô, Nilton Rocha Filho, o fundador do grupo empresarial e dono original da Fazenda Annalu. Em 2020, o empresário recebeu da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) a autorização para instalação de um aeródromo na Fazenda Salto, em Nioaque (MS), somando-se à pista privada existente na fazenda de “Terra e Paixão”.


“Orientado” de FHC, Lelinho visa carreira política

Antes de assumir os negócios da família, Lelinho Rocha foi um dos 250 herdeiros de grupos empresariais brasileiros selecionado para ingressar no programa Legado para a Juventude. Segundo a página no Linkedin, o projeto visava conduzir “as novas gerações da elite empresarial brasileira a conhecer a fundo o Brasil”, encontrando “seu próprio caminho de protagonismo no país”.

Lelinho posa ao lado de FHC, conselheiro de programa de capacitação para herdeiros. (Foto: Reprodução/Instagram)

O nome da plataforma vem do livro homônimo de Fernando Henrique Cardoso e da educadora Daniela Rogatis, que atuaram como conselheiros do programa. Encerrado em 2019, o Legado para a Juventude foi dirigido por Marina Cançado, ex-integrante do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência, durante o governo de Michel Temer, e que atualmente presta consultoria relativa a créditos de carbono. Entre os professores, três ex-ministros de FHC — Armínio Fraga, Pedro Malan e Gustavo Franco —, além do colunista Joel Pinheiro da Fonseca, da Folha.

A relação com o ex-presidente foi celebrada por Lelinho em sua conta no Instagram, desativada após a publicação da série deste observatório sobre a Fazenda Annalu. O diretor da Valor Commodities chama FHC de “orientador” e declara sua admiração pelo político.

Ele também possui fotos com Michel Temer e com o dono da Havan, Luciano Hang, a quem considera uma “fonte de inspiração”. “É uma pessoa que acredita no Brasil, uma pessoa excepcional”, afirma Lelinho, em vídeo publicado ao lado do empresário.

O jovem não disfarça a vontade de ingressar na política. Em entrevista ao podcast Publi & Cast, o herdeiro detalha seus propósitos:

— Eu gosto muito de política. Eu acho que hoje, se você perguntasse assim: ‘Lelinho você quer ser candidato?’ Hoje, eu não gostaria de ser. Por quê? Porque eu acho que tem muita coisa que tem que mudar. Fora que eu tenho uma coisa muito positiva que é a idade que eu tenho. Para eu ser candidato, o que eu penso: eu quero ter uma história para apresentar.

Continua após a imagem

Aurélio Rolim Rocha, o Lelinho, é dono da Fazenda Annalu, a mesma onde foi gravada a novela da Globo Terra e Paixão

Foto: Reprodução/Instagram
Lelinho Rocha, dono da Fazenda Annalu, ao lado de Tereza Cristina, com quem trabalhou durante sua passagem pelo Ministério da Agricultura

Vídeo detalha histórico de violações ambientais

Ao longo da série de reportagens, De Olho nos Ruralistas identificou um longo histórico de irregularidades ambientais na Fazenda Annalu, que sediou as gravações de “Terra e Paixão”, e nas outras propriedades do grupo Valor Commodities, controlado pela família Rocha.

Essas histórias são contadas em um vídeo publicado no no canal do De Olho nos Ruralistas no YouTube, que mostra, em imagens, os impactos do desmatamento e da degradação causadas pelos drenos e pela criação de gado em Deodápolis (MS).

Além das videorreportagens, o observatório produz documentários sobre questão agrária, como Elizabeth e SOS Maranhão, e mantém editorias fixas sobre História e sobre as ações da bancada ruralista no Congresso.

Bruno Stankevicius Bassi | Coordenador de projetos do De Olho nos Ruralistas.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Bruno Stankevicius Bassi Coordenador de pesquisa do De Olho nos Ruralistas.

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