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ToggleÉ a primeira vez, desde a reforma constitucional de 1994, que o Congresso rejeita um decreto de Necessidade e Urgência do poder Executivo. De qualquer forma, vale por enquanto, porque para este decreto ser anulado requer também o voto contrário da Câmara dos Deputados, que poderá tratá-lo em breve.
Por 42 votos contra 25, o Senado pronunciou-se contra o DNU 70/23, considerado pelos próprios apoiadores de Milei como o coração ideológico da “mudança” que o libertário pretende levar adiante.
A outra perna é a chamada “Lei Omnibus“, que também foi rejeitada. Enquanto o Senado se preparava para o DNU, o Executivo enviou um novo projeto de lei ao Congresso, com menos artigos.
O Decreto 70/2023, que Milei publicou no Diário Oficial, no dia 21 de dezembro de 2023, dias após assumir a presidência, está em vigor na Argentina, com força de lei desde 29 do mesmo ano, oito dias após sua publicação. Com ela, mais de uma centena de regulamentos foram revogados e/ou modificados, em uma tentativa brutal de transferir recursos dos trabalhadores para os mais poderosos, em diversas áreas.
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As medidas do DNU vinculadas aos direitos trabalhistas foram suspensas preventivamente pela Justiça. Contudo, as propostas econômicas continuam em vigor, pelo menos até a Câmara dos Deputados, eventualmente, também as rejeitar
Embora os números da oposição não sejam tão grandes na Câmara dos Deputados, alguns analistas garantem que estes estão perto de alcançar a maioria simples para revogar o DNU.
A questão é, primeiro, se a oposição tentará uma votação rápida na Câmara, e depois se – ao contrário da vice-presidente Victoria Villarruel, que como chefe do Senado deu luz verde à sessão – o partido no poder consegue atrasar a votação.
Enquanto isso, Milei trola
Enquanto as notícias ocupavam todas as manchetes, o presidente se dedicou ao jogo que melhor joga e que – ao que parece – é o que mais gosta: ler postagens na rede X e retuitar contas que, com violência crescente, apontam os senadores que votaram contra o DNU ou mesmo, mais longe, contra a vice-presidente Villarruel.
– Que onda el congreso, que función cumplió estos últimos 3 meses??
+ La función de ellos fue FRENAR TODO CAMBIO POSIBLE, Y QUE SIGA TODO IGUAL DE MAL. NO LES IMPORTA LO VOTADO POR EL 56% DE LOS ARGENTINOS, SOLO LES IMPORTA LA GUITA Y SUS “PRIVILEGIOS”.
CASTA PURA Y DURA pic.twitter.com/HhAmNYU9YT
— Milei SheIby (@TommyShelby_30) March 14, 2024
É o caso da conta de Milei Shelby que publicou uma foto de Milei com um taco de beisebol, que foi retuitada pelo presidente. Sabe-se que esta é uma das formas preferidas da extrema-direita de “dizer sem dizer”, embora na Argentina ninguém duvide que estas re-publicações devam ser tomadas como indicações concretas do que o presidente pensa ou acredita.
Estos son los DELINCUENTES que votaron en contra de ACABAR con mos curros de la política.
UNION POR LA PATRIA:
Guillermo Andrada.
Daniel Bensusan.
Jose Maria Carambia.
Lucia Belen Corpacci.
Eduardo De Pedro.
Juliana Di Tullio.
Claudio Doñate.
Maria Eugenia Duré.
Carlos…— Escuela Austriaca de Economía (@DiegoMac227) March 14, 2024
Outra das contas favoritas de Milei é a autoproclamada Escola Austríaca de Economia. A extrema-direita publicou novamente uma lista dos senadores que votaram contra, a quem descreve como “criminosos que votaram contra o fim dos empregos na política”.
O que acontece agora com Villarruel?
As mesmas contas no X que apoiam o presidente Milei, assumiram a responsabilidade de difamar a vice-presidente Villarruel nas últimas horas, desde que foi divulgada a agenda da sessão desta quinta-feira (14). Enquanto tantos analistas de diferentes vertentes políticas e meios de comunicação com interesses conflitantes alertavam para um cisma no governo de La Libertad Avanza.
Villarruel não vem do partido do presidente. O seu apoio político é especialmente das forças de direita, fortemente ligadas ao antigo partido militar (União Cívica Radical), que defende o fim dos julgamentos por crimes contra a humanidade durante a última ditadura militar (1976-1983) e para a reivindicação irrestrita do terrorismo de Estado.
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Antes da posse de Milei, especulava-se que Villarruel assumiria o controle das áreas de segurança e defesa do governo libertário. Mas isso não aconteceu. Neste curto período, desde dezembro, a vice-presidente foi relegada para segundo plano. Mas, com a rejeição do DNU na Câmara, ela volta ao ringue, e revela o que pode ser o início de um choque maior.
Agora segue o que acontece na Câmara dos Deputados, onde o resultado do DNU é incerto. Por enquanto, Milei recebeu o golpe político mais forte desde que se tornou presidente, enquanto não há setores dispostos a apoiá-lo nas ruas, enfrentando uma crise econômica e uma recessão formidável cujas consequências mais duras apenas começaram a ser verificadas.
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Milei cambaleia? Seus aliados estão se preparando para abandoná-lo? Talvez seja muito arriscado, pelo menos por enquanto, este cenário. Mas com um personagem com as características psicológicas do presidente argentino, podem-se esperar explosões de raiva, pancadas na mesa e – com certeza e sobretudo – mais violência verbal. Um coquetel explosivo que pode acabar em colapso.