A insinuação do presidente Gustavo Petro de convocar a uma assembleia constituinte, caso persista o bloqueio das forças tradicionais ao seu pacote de reformas sociais, desatou uma grande tempestade política.
Diante de milhares de indígenas e ativistas de outros movimentos sociais congregados em Puerto Resistencia, um emblemático lugar da cidade de Cali que evoca a explosão social de 2021, Petro advertiu em tom enérgico que “se as instituições que hoje temos não forem capazes de estar à altura das reformas sociais que o povo ordenou através de seu voto, não será o povo quem vai para casa derrotado, são as transformações dessas instituições que devem se apresentar e a Colômbia teria que ir a uma assembleia nacional constituinte”.
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O chefe de Estado endureceu o tom depois de uma semana na qual o legislativo deu novos mostras de não estar disposto a aprovar as três grandes reformas sociais propostas pelo executivo – saúde, aposentadoria e trabalho – apelando a todos os tipos de artifícios procedimentais que evidentemente encheram a paciência do mandatário.
Diante da multidão de indígenas do sudoeste do país que o aplaudia entusiasmada, Petro insistiu que há setores políticos “que querem derrubar o governo do povo” e fustigou novamente a maioria dos meios de comunicação do país, acusando-os de dar informações deturpadas para confundir os espectadores: “A mim não mostram na televisão senão para falar porcarias de mim”, disse.
Iniciativa com pouco eco
A alusão do presidente a uma assembleia constituinte, no entanto, não foi bem recebida nem em setores progressistas e de esquerda, nem muito menos entre as forças do centro e da direita. O reconhecido analista León Valencia opinou que “o ambiente político atual não está para embarcar-se em um processo constituinte” e aconselhou o governo a recorrer às faculdades presidenciais para fazer as mudanças, cumprir com o plano de desenvolvimento já aprovado e levar adiante a paz com o Exército de Liberação Nacional (ELN).
Ex-presidente da assembleia que deu à luz a Constituição de 1991, o liberal Humberto de la Calle considerou que os argumentos de Petro para convocar um novo processo de reforma são fracos: “O mais grave problema nacional de hoje é a insegurança do controle territorial e isso exige uma estratégia, não uma mudança institucional”, sentenciou.
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Em declarações à La Jornada, o analista Horacio Duque alertou sobre a ausência de maiorias oficialistas no Congresso, o que impediria a aprovação da convocação de uma assembleia constituinte, embora tenha sublinhado que é legítimo que Petro busque levar adiante suas reformas através de mobilização popular: há um movimento social disposto a levar adiante as mudanças nas instituições, ainda nas mãos do bloco de poder oligárquico, assegurou Duque.
Como era de se esperar, os setores de extrema-direita evocaram imediatamente a figura do ex-presidente venezuelano Hugo Chávez, advertindo que o que Petro busca é um caminho para eliminar o artigo constitucional que proíbe a reeleição para se perpetuar no poder.
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“Venho dizendo há tempos que há uma estratégia do presidente para ficar no poder e desestabilizar constitucionalmente a Colômbia. Petro quer ficar no poder e impor suas reformas retardatárias”, expressou o ex-presidente Iván Duque (2018-2022).
Segundo a ex-procuradora-geral Viviane Morales, a proposta do chefe de Estado “é uma ameaça ditatorial emitida desde os bastiões de Porto Resistência, rodeado de guardas indígenas, para ameaçar o debate democrático pela via da ruptura institucional”.
De acordo com a Constituição vigente, o executivo teria que conseguir maiorias na Câmara e no Senado para convocar uma constituinte e obter o apoio de duas terceiras partes do voto popular, o que equivaleria a quase 14 milhões de sufrágios, três milhões a mais do que os obtidos por Petro em 2022 para chegar à Casa de Nariño.