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Cannabrava | Na pedagogia de quartel das escolas cívico-militares, a educação é inimiga

Quantas dessas negações da escola já existem? 500, mil? Com esse projeto, se está a negar às crianças o direito à educação
Paulo Cannabrava Filho
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

O Dialogando desta quinta-feira (27) foi convocado pra gente conversar sobre educação. Para isso, convidei um especialista, Dioclécio Luz, um engenheiro eletricista que se tornou um grande comunicador e acaba de lançar um livro que é um olhar crítico severo ao projeto do governo militar de ocupação de militarizar a escola pública desde o primeiro grau ao fundamental. O título do livro resume o conteúdo: “A escola do medo – vigilância, repressão e humilhação nas escolas militarizadas”.

Falar de Educação me evoca à lembrança de Darcy Ribeiro que, se vivo fosse, no dia 23, teria completado 100 anos. Darcy, junto com Anísio Teixeira, integraram o Conselho Nacional de Educação e projetaram um país fundado na educação. A Escola Parque para as crianças, a escola de tempo integral da 1ª à 9ª série. Escola de qualidade com professores bem pagos e com mobilização dos pais para uma gestão participativa. Criou a Universidade Nacional de Brasília para ser o modelo de universidade para pensar o país, e a Universidade Federal Fluminense, em Niterói.

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Perseguido pelos militares golpistas – que, a serviço dos Estados Unidos, derrubaram o governo de João Goulart –, no exílio continuou sua obra de semeador de escolas e plantador de ideias. Fez a reforma das universidades do Uruguai e da Venezuela e escreveu livros magistrais como “O Processo Civilizatório” e “O Povo Brasileiro”. Voltou para o Brasil e junto com Brizola criou os Cieps, materializando o sonho de todo educador, de ter todas as crianças na escola, na boa escola de tempo integral, onde o futuro do país é cuidado com todo o carinho, com atenção médica e odontológica, espaços para as artes e para o esporte.

Cannabrava | Escola cívico-militar: Nossas crianças em mãos de incompetentes

Sucessivos governos não entenderam a grandeza do projeto de Darcy e Anísio – eles eram unha e carne, uma aprendia com o outro. Principalmente a partir da implantação da ditadura do pensamento único imposta pelo capital financeiro, a má educação voltou a ser projeto. Com a má educação, geraram uma nação com 70% da população analfabeta funcional.

A partir da ocupação do governo pelos militares em 2018, a educação passou a ser tratada como inimiga do Estado autoritário. Em 2019, pelo Decreto 10004/05/09/19, criam o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim). Uma excrescência que dá a direção das escolas públicas para oficiais militares, das forças armadas e das forças policiais e de bombeiros, e disciplina dos quartéis para a criançada.

Não existe uma pedagogia de quartel. Com esse projeto, se está a negar às crianças o direito à educação. Evidentemente isso foi pensado pelo estado maior das forças armadas dentro da estratégia de militarizar o Estado e se perpetuar no poder.

Quantas dessas negações da escola já existem? 500, mil? Com esse projeto, se está a negar às crianças o direito à educação

Prefeitura de Arapongas
Cannabrava: Situação me faz lembrar a situação da Rússia quando da chegada dos bolcheviques ao poder em outubro de 1917

Quantas dessas negações da escola já existem? 500, mil? Só agravou a questão da violência nos bairros onde foram implantadas. Para compreender essas questões, quero ouvir Dioclécio Luz.


Como sair dessa enrascada?

São milhões de jovens abandonados. A situação me faz lembrar a situação da Rússia quando da chegada dos bolcheviques ao poder em outubro de 1917. O imperador mantinha a população analfabeta, milhões de jovens abandonados, seja por serem órfãos das guerras, seja pela extrema pobreza. Orfanatos e colônias de trabalho eram o próprio inferno.

Esse era o maior desafio, e foi encarado por uma figura maravilhosa, Anton Makarenko. O que fazer com essas crianças? Colocar na escola, certo, e daí? Manter a lei da chibata? Do trabalho forçado? O que fazer com essas crianças sabendo que nelas estava o futuro da revolução socialista recém triunfante. Makarenko impôs a pedagogia do amor. Sua prática ele mesmo sistematizou no livro “Poema pedagógico”, leitura obrigatória para todo mundo.

O seu pensamento pode ser resumido numa única frase: “O homem deve ter uma só especialidade: deve ser um ser humano verdadeiro”.

Paulo Cannabrava Filho | Jornalista latino-americano e editor da Revista Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Paulo Cannabrava Filho Iniciou a carreira como repórter no jornal O Tempo, em 1957. Quatro anos depois, integrou a primeira equipe de correspondentes da Agência Prensa Latina. Hoje dirige a revista eletrônica Diálogos do Sul, inspirada no projeto Cadernos do Terceiro Mundo.

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