Na semana passada, Madri foi novamente o epicentro do pensamento ultradireitista. Desta vez, dos defensores mais fervorosos do liberalismo, das vantagens do mercado em detrimento do Estado, e da expansão na sociedade desses ideais através dos governos, partidos políticos, meios de comunicação, universidades, fundações de influência (think tanks) e presença nas redes sociais.
O farol que guia estas reuniões anuais é a influente e poderosa Atlas Network, que reúne uma ampla rede internacional de grupos beligerantes contra as ideias e governos de esquerda ou progressistas, contando com mais de 600 grupos sólidos espalhados por todo o mundo. Por exemplo, a recente campanha de guerra suja nas redes sociais contra o presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, e contra a candidata do Morena, Claudia Sheinbaum, provém, segundo especialistas como o espanhol Julián Macías, dos tentáculos da Atlas Network.
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O chamado Europe Liberty Forum teve início na quinta-feira (23) em Madri e reuniu alguns dos mais fervorosos defensores da doutrina ultraliberal, como o presidente da Atlas Network, Matt Warner, Roxana Nicula, presidente da Fundação para o Avanço da Liberdade (Fundalib), e Eamon Butler, diretor do Instituto Adam Smith do Reino Unido, um dos grandes centros do pensamento ultraliberal na Europa. O encontro durou dois dias e tudo o que ocorreu ali foi hermético, fechado aos meios de comunicação e sem quase nenhum contato com pessoas alheias ao que eles definem como “o movimento global pela liberdade”. Em edições anteriores, alguns políticos participaram abertamente deste tipo de fórum, como fez o ex-presidente mexicano Felipe Calderón em março do ano passado, quando participou do encontro organizado por este grupo em Punta del Este. Ou o ex-chefe do governo espanhol José María Aznar, entre outros.
Nas portas do Hotel Intercontinental de Madri, no Paseo de la Castellana, houve um cordão de segurança pouco habitual: duas patrulhas da Polícia Nacional vigiaram ininterruptamente o edifício; na entrada houve dois agentes privados com a única incumbência de monitorar tudo o que ocorre nas imediações. No interior, o fórum se distribuiu em três salões, com mais segurança privada em cada porta, que verificava se todos os participantes são os mesmos que portam o crachá que os credenciava. Uma atendente do café do hotel afirmou a este correspondente: “Poucas vezes vi uma mobilização de segurança desse nível, e olha que sempre acontecem muitas coisas neste hotel.” Cada participante paga entre 200 e 350 euros (cerca de 1.120 e 1.965 reais) para participar, dependendo se vai apenas à primeira jornada ou à sessão completa de dois dias.
Mundo afora
A Atlas Network organiza a cada ano quatro ou até cinco fóruns deste tipo no mundo: um na América Latina, o mais recente foi na Costa Rica, em março passado; outro na Ásia e Oceania, outro na Europa, um na África e, finalmente, seu encontro anual nos Estados Unidos ou Canadá, que este ano será em dezembro e em Nova York.
O foro de Madri, por sua vez, contou ainda com um parceiro local, a Fundalib, uma espécie de think tank que inclui ideólogos da extrema-direita espanhola, como Manuel Fernández Ordóñez, e entusiastas do ultraliberalismo defendido por Javier Milei, o presidente da Argentina que esteve na Espanha na semana passada defendendo a erradicação do Estado frente ao mercado.
O primeiro dia do encontro se concentrou em analisar e estudar a situação de suas ideias na Europa, ao menos nas conferências e mesas de debate, mas neste tipo de fórum muito mais ocorre nos encontros privados, onde se definem as estratégias a seguir para impor suas ideias no mundo e que tem nas redes sociais e na “comunicação política” suas principais ferramentas. Na mesa que abriu as sessões, participou Matt Warner, presidente da Atlas Network, que trabalha para este lobby ultraliberal há 14 anos.
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Um dos principais apresentadores de quinta-feira (23) foi o economista britânico Eamon Butler, diretor do Adam Smith Institute, que sempre defende a “luta contra o consenso esquerdista compartilhado por muitos meios de comunicação e espaços de formação de opinião”, e considera que “o livre comércio está sob ataque e parte da direita populista adotou esse discurso equivocado da esquerda radical”. A maioria dos apresentadores considera a esquerda como “inimiga do progresso”. Por exemplo, Fernández Ordóñez, que destaca suas afinidades com o presidente argentino – “Milei e eu não só compartilhamos os ideais de liberdade, como também a mesma editora e editor” – acredita que o “Estado só sabe criar pobreza, a riqueza é gerada pelos cidadãos apesar do Estado, não graças a ele. O Estado constitui o monopólio legal do roubo e do saque, com um bonito envoltório de retórica social. Sempre foi assim e sempre será”.
No encontro também participaram Elena Leontjeva, cofundadora e presidente do Lithuanian Free Market Institute; Zoltán Kész, um ativista húngaro ligado ao partido do ultradireitista Viktor Orban; o britânico Adam Bartha, diretor do Epicenter, uma rede europeia de think tanks liberais com sede em Bruxelas. Além disso, há outras pessoas, como Hane Crevelari, diretora associada da Atlas Network; e, entre os mais destacados, Peter Goettler, do Cato Institute, um dos principais centros de estudos do liberalismo nos Estados Unidos.