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Foto: Ricardo Stuckert / PR

Cannabrava | Lula tem que aproveitar sua popularidade e apresentar um projeto nacional

Metade do país está com fome e sem trabalho; uma frente de salvação e o projeto nacional há de levar esperança para esse povo e engajá-lo politicamente
Paulo Cannabrava Filho
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

Bom Retiro, tradicional bairro em que se concentram confecções de vestimentas e lojas atacadistas e varejistas, teve 117 estabelecimentos fechados. O problema começou com a pandemia da Covid 19, mas tem se agravado ao longo desses últimos anos por conta do comércio on-line e a concorrência dos produtos chineses. Municípios que conformavam circuitos de “fábricas” de roupas, hoje os barracões estão abrigando produtos importados da China.

Outrossim, o setor da construção imobiliária está com problema de mão-de-obra, o que tem dificultado a entrega de produtos. Faltam desde engenheiros a serventes, notadamente especialistas como azulejistas, pintores, eletricistas, encanadores, todos aqueles especializados nos acabamentos de uma obra residencial.

Está havendo disputa entre as construtoras e houve até melhora nos salários, mas, há que registrar, aumento de salário é o que mais desagrada os empresários do setor. Contudo, foram obrigados a fornecer capacitação para as diversas especialidades, tudo isso, segundo eles, a afetar o preço do metro quadrado construído.

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O desemprego diminuiu de 10% para 7%, uma das menores taxas desde a década de 1980. É um dado alvissareiro, mas pouco reflete na dramática situação de quase a metade da população, 100 milhões de brasileiros, em situação crítica, com deficiência alimentar e falta de esperança. São os 10 milhões de analfabetos, os milhões de analfabetos funcionais (70% da população), os milhões de jovens nem-nem – que nem estudam, nem trabalham – e outros milhões que saíram das escolas sem nenhum preparo para inserção no mercado de trabalho.

No caso do Bom Retiro e do Brás, outro reduto de confecções e lojas de fábrica, uma das soluções é taxar as “blusinhas” chinesas, projeto que passou pela Câmara e pelo Senado, está para sanção e taxa as compras on-line de até 50 dólares. É uma maneira tradicional usada no mundo inteiro para proteger a indústria nacional. Na outra ponta, requer capacitar-se para aperfeiçoar cada vez mais as vendas pela internet. 

Hoje, os produtos de até US$ 50 vendidos em sites estrangeiros já são taxados pelo ICMS, que é estadual e tem alíquotas que variam entre 17% e 19%. Para os produtos mais baratos, a taxa de importação será de 20% sobre o valor, conforme o projeto aprovado. Para itens acima de US$ 50, o imposto previsto é de 60%, mas também foi criada uma faixa intermediária, entre US$ 50 e US$ 3 mil, que terá um desconto de US$ 20 na taxação.

A internet das coisas está aí para desafiar as empresas. O uso das novas tecnologias em praticamente todos os setores da atividade humana aumenta a falta de gente qualificada e a necessidade de formar e qualificar gente. O Brasil está atrasado e, com a qualidade das escolas oferecidas pra nossa juventude, entramos em marcha lenta nessa competição.

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A quarta ou quinta Revolução Industrial exige um repensar tudo, a começar pela educação, desde as primeiras letras à pós-graduação. O aluno tem que ser preparado para atuar criativamente nesse novo mundo cheio de paradoxos.

Roberto Requião, do alto de sua experiência e sabedoria, grita em alto e bom som que falta um projeto nacional a servir de motivo para formação de uma frente de salvação nacional. O PT é governo, está perdendo a oportunidade de mobilizar setores da sociedade para discutir e formular um projeto nacional. Os partidos de esquerda devem retomar o trabalho de base e mobilizar em torno desse projeto nacional. Que cada militante seja um quadro, mas, para isso, é preciso estar preparado e que o governo apresente o projeto nacional.

Há que levar a discussão sobre a frente de salvação nacional e o projeto nacional a cada sindicato de trabalhadores. Com isso vai devolver o protagonismo político dos sindicatos hoje debilitados. Fazer de cada trabalhador um agente propagador da frente e do projeto nacional. É fácil, pois os trabalhadores estão carentes. O difícil é a vontade política para conduzir a luta.

Sem propósitos, as lideranças sindicais abandonaram a luta de classe e conciliaram com o projeto neoliberal. O movimento sindical está atomizado em 14 centrais operárias, cada uma com sua verdade, nenhuma com um projeto de nação.

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MST e MTST, movimentos dos trabalhadores sem terra e sem teto, são exemplos a serem seguidos de organização necessária, com trabalho de base e de formação de lideranças.

A fome, a solidão e a ausência de esperança conformam o contingente de desempregados, dos trabalhadores informais sem direitos laborais. São 100 milhões com deficiência alimentar. Metade da população com fome e sem trabalho. Uma frente de salvação e o projeto nacional há de levar esperança para esse povo e engajá-lo politicamente.

Essas têm que ser as prioridades do presidente da República.

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As prioridades do Congresso, notadamente da Câmara dos Deputados, empurra o Brasil para o retrocesso na economia e nos costumes. Como enfrentar a ditadura da maioria? Há que quebrar a unidade dessa maioria com a apresentação de um projeto nacional discutido inclusive no meio empresarial. Há que mudar a correlação de forças com um vigoroso movimento de massas.

Punir a jovem estuprada é uma aberração. Seguramente não passará no Senado. Por dias, só se fala nisso. É técnica diversionista. Deixa-se de lado as pautas que realmente interessam para levar o país adiante, como a reforma tributária, a execução do Orçamento, entre outras.

Distraída a Nação, segue o Congresso infligindo derrotas ao Executivo, como o projeto da desoneração da folha de pagamento das empresas de 17 setores da atividade econômica. Para compensar essa perda de arrecadação, apresenta projeto restringindo o abatimento de créditos do PIS/Confins por empresas. Porém, o lobby das empresas já se mobilizou. Um tiro no pé, pois devia estar apoiando a neoindustrialização proposta pelo Executivo.

E assim marcha o governo sem um projeto nacional, sujeito aos caprichos de um Lira. Já dissemos e repetimos: a direita tem seu projeto e é consenso sem reparos, que é o Decálogo do Consenso de Washington, que garante a ditadura do pensamento único imposta pelo capital financeiro. 

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Sem um projeto nacional consistente e com mobilização popular, fica difícil para o presidente estabelecer pontes com os partidos como vem propondo articulistas da grande mídia. Fala mais alto a voz de um Lira, no comando do Centrão, como vem acontecendo com as derrotas no Congresso.

O projeto nacional não é uma agenda para satisfazer a esquerda, mas é um projeto de esquerda porque é desenvolvimentista, tem que romper com a ditadura do pensamento único.

Segundo pesquisa CNN/Atlas, divulgado no último sábado (15/6), 51% dizem aprovar o governo Lula e 2% dizem não saber. Os que avaliam o governo como ótimo ou bom está empatado com os que avaliam como ruim ou péssimo, 42,6% e 42,8% respectivamente. O Instituto Atlas ouviu 3.601 pessoas, a margem de erro é de 1% e o índice de confiança é de 95%.

Lula tem que aproveitar essa popularidade conferida por 51% da população para formar o contingente de apoiadores e divulgadores do projeto nacional. Sou redundante, mas é isso.

Paulo Cannabrava Filho é autor de uma vintena de livros em vários idiomas, destacamos as seguintes produções:
• A Nova Roma – Como os Estados Unidos se transformam numa Washington Imperial através da exploração da fé religiosa – Appris Editora
 Resistência e Anistia – A História contada por seus protagonistas – Alameda Editorial
• Governabilidade Impossível – Reflexões sobre a partidocracia brasileira – Alameda Editora
 No Olho do Furacão, América Latina nos anos 1960-70 – Cortez Editora


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Paulo Cannabrava Filho Iniciou a carreira como repórter no jornal O Tempo, em 1957. Quatro anos depois, integrou a primeira equipe de correspondentes da Agência Prensa Latina. Hoje dirige a revista eletrônica Diálogos do Sul, inspirada no projeto Cadernos do Terceiro Mundo.

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