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ToggleComo se não fosse suficiente a perpetração de tropelias, dano à democracia e destruição que representa a Contrarreforma eleitoral autoritária no Peru, e a crise de regime em curso, o Legislativo se dispõe em breve (junho de 2024) a garantir a impunidade de quem cometeu graves delitos de lesa humanidade, com o que retrocedemos aos momentos mais pérfidos da ditadura em que o congresso aprovou uma anistia geral que favoreceu o sinistro destacamento Colina.
O plenário do Congresso da República do Peru decidiu em primeira votação (com 60 votos a favor, 36 contra e 11 abstenções), em 6 de junho, aprovar o projeto de lei N° 6951/2023-CR, que declara a prescrição dos processos relativos a delitos de lesa humanidade correspondentes a fatos anteriores à vigência do Estatuto de Roma e da Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes de Lesa Humanidade.
“Se for aprovada seria a impunidade frente a investigações e processos judiciais em curso, entre eles: Cabitos, Huanta, Manta e Vilca (década de 1980), Rio Chari, Universidade do Centro (década de 1990), Caraqueño-Pativilca, Esterilizações Forçadas (em que está sendo investigado/processado Alberto Fujimori Fujimori), entre outros; inclusive anularia as sanções impostas àqueles que já foram considerados culpados destes fatos, como são os casos Accomarca, Chumbivilcas, Cabitos 83 e Chuschi (1980), Barrios Altos, La Cantuta, Gómez Palomino, Sótanos del SIE (casos durante a ditadura de Fujimori)”. APRODEH, CNDDHH entre outros. (06/06/2024)
A degradação da política
Em 2024 a policrise continua de mal a pior. Em 28 de maio, o Procurador da Nação, Juan Carlos Villena, apresentou nova denúncia constitucional contra Dina Boluarte pelo ‘caso Rolex’. Boluarte é indicada como suposta autora de delito contra a administração pública, delitos cometidos por funcionários públicos, na modalidade de cofato passivo impróprio.
A Procuradoria manifesta em sua denúncia constitucional que a presidenta Dina Boluarte teria agido “dolosamente” ao receber como “doações” os Rolex e joias de Wilfredo Oscorima, atual governador de Ayacucho, em troca de Decretos e leis outorgando uma ampliação orçamentária para sua região. O cofato passivo impróprio trata de um delito previsto no artigo 394 do Código Penal que poderia ser interpretado coloquialmente com o termo suborno. Estimamos que o processo não avançaria no Congresso.
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Esta é uma segunda denúncia constitucional apresentada contra a mandatária. A primeira foi pelas mortes nas manifestações sociais. A equipe Especial de Procuradores para casos com vítimas durante as manifestações sociais (EFICAVIP) de 2022 e 2023 pôs em marcha 62 investigações nas que estão envolvidas 324 pessoas pelas mortes e lesões ocasionadas a 766 vítimas.
Segundo o informe publicado por esta equipe, estes fatos geraram 50 mortos e 716 lesionados, o que mostra a gravidade da violência durante a denominada “explosão social”. Mas estes delitos, tanto da primeira como da segunda acusação, não estão no artigo 117 da carta magna, o que não permitiria acusá-la no cargo. Por isso a estratégia de Boluarte é durar e buscar impunidade.
Agrava-se a crise dos poderes estabelecidos
O início do mandato de Castillo ocorre no contexto de uma “crise destituinte” que diferentes setores tipificaram como de: democracia de baixa intensidade (López), de recessão democrática (Transparência) e/ou de esvaziamento democrático (Vergara e Barnechea). Desde 2021 existe no Peru um sentimento de sistema esgarçado (Ipsos Global Advisor – Pesquisa de 25 países agosto 2021) a mesma que indica que 60% da cidadania considera que a sociedade está fraturada.
Pedro Castillo Terrones assumiu seu mandato presidencial (2021-2022) depois de um quinquênio (2016-2021) de instabilidade política destituinte. A situação do Peru é de aguda crise política e de uma institucionalidade democrática deteriorada, imprevisível, degradada, e que “desmorona” (Cairo), a mesma que se expressa no último sexênio tendo tido o Poder Executivo 6 presidentes em apenas dois períodos constitucionais, além dos processados, investigados, condenados, presos e um que se suicidou.
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Exerceram a função de presidente 6 cidadãos: Pedro Pablo Kuczynski (PPK), Martin Vizcarra, Manuel Merino, Francisco Sagasti, Pedro Castillo e Dina Boluarte. Isso, sem considerar o juramento falido de Mercedes Araoz. Dos 6 presidentes que exerceram o cargo só dois foram eleitos (PPK e Castillo); os outros quatro foram nomeados pelo Congresso.
O saldo desta crise do executivo (2016-21) inclui nove (9) gabinetes ministeriais, aproximadamente 200 ministros (desde PPK a Sagasti) e, durante a presidência de Castillo, em menos de 500 dias (497), cinco gabinetes, 78 ministros de Estado e a atual gestão Boluarte, já com três (3) gabinetes em um ano e meio (o primeiro gabinete durou só 11 dias).
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Além de mudanças inconsistentes de ministros. Dez (10) ministros lideraram o setor do interior durante o atual período de governo de Castillo (7) e de Boluarte (3), apesar da crise de segurança, considerada como prioritária na agenda pública. Quanto a isso, 92% considera que os ministros do interior foram escolhidos por interesses pessoais e não por mérito ou capacidade; segundo IPSOS, 78% de peruanos desaprova a gestão de Boluarte em matéria de segurança cidadã.
Hoje, no Peru, 90% dos peruanos desaprovam a condução do governo, frente a apenas 5% de aprovação. Entre os mais pobres (segmentos D e E), só 3%. Boluarte se encontra em seu pico mais alto de rejeição cidadã quanto à percepção sobre sua gestão, que é considerada “pior que nunca e na qual crise aumenta”, segundo a última pesquisa nacional urbano-rural do Instituto de Estudos Peruanos (IEP www.larepublica.pe). 72% dos peruanos consideram que a situação econômica do país é pior do que há 12 meses e 55% pensam que a condução se agravará em 2025.