Enquanto Espanha, Irlanda e Noruega anunciam o reconhecimento da Palestina como Estado e parece que deveríamos celebrar o que já é um fato, continuamos pensando em como esta guerra e os diversos conflitos armados são mais um dos cenários em que o papel das mulheres e pessoas do coletivo LGBTIQ+ é invisibilizado, apesar de serem tão protagonistas quanto os homens e sofrerem as consequências.
Atualmente, no Ocidente, parte da população percebe o genocídio em Gaza pelas mãos de Israel e normaliza a guerra entre Rússia e Ucrânia, mas parece não se dar conta da existência de outros conflitos bélicos, guerras, genocídios, massacres e desastres aos quais a sociedade sucumbe que estão ou estiveram ativos até recentemente em diversos pontos do planeta, como em Mali, Haiti, República Centro-Africana, República Democrática do Congo, Ruanda, Somália, Mianmar, Saara, Sudão, Síria, Iêmen, Etiópia e Burkina Faso, para citar alguns.
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Grandes conflitos armados como outros que deixaram marcas em grande parte da geografia mundial e na vida e história de quem não só os protagoniza, mas também os sofre e, na melhor das hipóteses, sobrevive. É o caso de muitas mulheres e pessoas dissidentes sexo-genéricas, que assistem ao franco deterioro da infraestrutura básica, da segurança e da situação humanitária de seus territórios.
Situações que lamentavelmente não são o único desafio que enfrentam, pois guerras, conflitos e crises podem ter um impacto especialmente duro na vida de mulheres, meninas e corpos feminizados, onde um dos maiores riscos que enfrentam é a violência de gênero. As mulheres e meninas estão expostas a índices de violência sexual, abusos e tortura sem precedentes em condições de guerra. O estupro e a violência sexual são frequentemente usados deliberadamente como armas de guerra. Por isso, o tráfico sexual e a escravidão podem se tornar o pão de cada dia para elas.
Estupro como arma de guerra
Sem ir muito longe, e apesar das leis que reconhecem o estupro como arma de guerra desde 1949, quando sobrevivem à guerra e chegam aos campos de refugiados, as investigações da ONU mostram que uma em cada cinco mulheres e meninas sofreu violência sexual.
O estupro como arma de guerra não é novidade, mas continua sendo negligenciado e vemos com horror como os conflitos prenunciam um enorme retrocesso na igualdade, desde a perda de educação das meninas até o aumento das taxas de casamento infantil. Sabemos que, apesar dos esforços do Direito Internacional para zelar pela segurança da população civil durante os conflitos armados e tentar limitar o sofrimento humano durante as guerras proibindo o uso de certos métodos de combate como a guerra química, o lugar das mulheres nos conflitos armados continua sendo crítico.
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19 de junho é o Dia Internacional para a Eliminação da Violência Sexual em Conflitos, e apesar do esforço para visibilizar e comemorar a luta das mulheres que sobreviveram a essa forma brutal de violência, dia a dia as mulheres e pessoas dissidentes sexo-genéricas seguem expondo seus corpos e suas vidas em múltiplos cenários e de diversas formas.
Este é o caso das defensoras de direitos humanos e da terra, com quem o Calala Fondo de Mujeres colabora desde o início, para que possam levar adiante seus objetivos como grupos organizados nessa defesa. Mulheres e dissidências sexo-genéricas que encarnam as lutas em seus territórios, defendendo a vida do planeta e dos povos originários e promovendo o cuidado da terra e do meio ambiente; que trabalham pela igualdade exigindo verdade e justiça enquanto buscam pessoas desaparecidas; que acompanham as pessoas migrantes e exercem o direito à informação e à livre expressão das mulheres e do coletivo LGBTIQ+. Coletivos de base com os quais colaboramos porque sabemos que hoje, mais do que nunca, o emblema de Rita Segato estabelecido para Ciudad Juarez continua vigente e é sistemático: “Corpo de mulher = perigo de morte”.
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Hoje, sabemos que, com enorme vontade de vida, trabalho conjunto, estratégia e solidariedade, estas e outras grandes mulheres têm estado à frente das resistências e têm sido fonte de inspiração para muitas, sendo constantes em seus esforços para mostrar que também podemos não só sofrer, mas colocar nosso intelecto e inteligência afetiva a serviço de processos de resistência, como no caso das mulheres no Curdistão e sua luta anticapitalista e antipatriarcal para sustentar seu modelo de sociedade, seu amor à terra e à natureza, e os valores que estão se perdendo no mundo ocidental.
Mulheres como muitas das que participaram em diferentes frentes nos processos de levante e revolução na independência de grande parte do Abya Yala, que com sua astúcia e ousadia puderam combater, resistir e também morrer para que pudéssemos ser livres e soberanas.
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Agora, as mulheres não buscamos a guerra, sabemos que, como diz Sun Tzu em A arte da guerra, “a melhor vitória é vencer sem combater”, já que qualquer conflito colocará nossos direitos em jogo e o retrocesso desses direitos continua sendo uma possibilidade enquanto os que governam e detêm o poder continuarem sendo os mesmos. Mas as mulheres sempre existimos, resistimos e re-existimos, para lutar por ser quem sempre fomos, pessoas e sujeitos de direito, que nascemos dignas e temos o direito de escolher a vida que queremos.