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Fundadores, atuais integrantes e participantes reunidos para a comemoração dos 10 anos da Gibiteca Balão (Foto: Luciana Menezes)

10 anos de Gibiteca Balão: refúgio de cultura e inclusão na periferia de São Paulo

“A Gibiteca Balão se tornou uma ferramenta de mobilização e articulação, inspirando muitos a se tornarem artistas, escritores e cineastas”, conta uma das fundadoras, Letícia Ferreira
George Ricardo Guariento
Diálogos do Sul Global
Taboão da Serra

Tradução:

Marco de resistência e democratização cultural na Zona Leste de São Paulo, a Gibiteca Balão comemorou uma década de existência em 22 de junho de 2024.

O projeto foi fundado por quatro entusiastas da cultura nerd – Fábio Santos, Letícia Ferreira, Max Tavares e Miqueias Tavares – e tem sido um espaço vital para o desenvolvimento do pensamento crítico e acesso à cultura em uma região historicamente carente de oportunidades.

Em 2014, a história da Gibiteca Balão começa quando seus fundadores, todos nascidos e criados nas periferias de São Paulo, decidem criar um espaço que refletisse suas próprias vivências e paixões. “Nosso objetivo sempre foi democratizar o acesso à cultura e desenvolver o pensamento crítico nas periferias”, explica Letícia Ferreira, jornalista, produtora cultural e uma das fundadoras do projeto.

Fundadores e atuais integrantes reunidos em junho de 2024 para a comemoração dos 10 anos da Gibiteca Balão (Foto: João Martins)

Hoje, a Gibiteca oferece uma ampla gama de atividades, desde a mediação de leitura de quadrinhos até oficinas, rodas de conversa e festas temáticas, todas voltadas para envolver a comunidade local.

Atividades e organização

Os eventos da Gibiteca são cuidadosamente planejados para refletir seus pilares de inclusão e pensamento crítico. Letícia enfatiza: “buscamos perspectivas e pessoas convidadas alinhadas ao pensamento crítico de viés interseccional, como o anticolonialismo, antirracismo, anti-homofobia, anti-classismo, anti-machismo”.

A equipe, apesar do trabalho gigantesco, é enxuta, composta por oito membros que desempenham múltiplas funções, incluindo atividades de leitura e a curadoria de acervos e monitoria de jogos.

Roda de conversa realizada com quadrinista na sede da Gibiteca Balão.

Sustentabilidade e desafios

Financiar as atividades da Gibiteca é um desafio constante. A principal fonte de renda vem da prestação de serviços culturais para instituições públicas e privadas, além da participação em editais públicos como a Lei Aldir Blanc. Recentemente, a organização também inaugurou uma loja móvel para ajudar na complementação do caixa financeiro. No entanto, a operação diária enfrenta desafios significativos, como a manutenção do acervo de HQs e a gestão do espaço físico na Okupação Cultural Coragem, onde funciona o projeto, localizado na Rua Vicente Avelar, 31, Conj. Res. José Bonifácio.

Impacto na comunidade, futuro e envolvimento comunitário

O impacto da Gibiteca na comunidade local é imensurável, aponta Leítica: “Muitas pessoas nunca tiveram contato com quadrinhos ou jogos de tabuleiro antes de nos conhecer”, explica a jornalista, que acrescenta: “A Gibiteca se tornou uma ferramenta de mobilização e articulação, inspirando muitos a se tornarem artistas, escritores e cineastas”.

A presença da Gibiteca também promoveu um espaço para discussões políticas e científicas, permitindo que a comunidade tivesse acesso a pensadores e lideranças influentes.

Para os próximos anos, a iniciativa planeja continuar sua missão com novas atividades formativas, festas temáticas e eventos itinerantes, o que, segundo Letícia, torna tão importante o envolvimento da população local: “A comunidade pode ajudar participando das nossas ações, co-criando eventos e oferecendo serviço voluntário”. Além disso, doações e a compra de itens da loja da Gibiteca são formas vitais de apoio.

Aprendizados e reflexões

Ao refletir sobre os dez anos de existência da Gibiteca, Letícia destaca que trabalhar de forma voluntária em um projeto sociocultural na periferia envolve mais do que paixão. “Trata-se de um trabalho de militância política na base. A luta por melhores condições de trabalho, reconhecimento e acesso ao básico, incluindo cultura, continuará independentemente das condições externas e da existência da Gibiteca”.

Ao longo da última década, a Gibiteca Balão não apenas se estabeleceu como um ponto de encontro para os amantes da cultura nerd, mas também como um agente de mudança e inclusão social. A dedicação e paixão de seus fundadores e colaboradores continuam a inspirar e transformar a comunidade, promovendo a cultura e o pensamento crítico em uma das regiões mais desafiadoras de São Paulo.

A seguir, confira a entrevista completa com Letícia Ferreira, com informações dos também membros da Gibiteca Balão João Martins e Victor Taiguara Romero.

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Entrevista

George Ricardo Guariento: Qual é a história da Gibiteca Balão? Como e por que ela foi fundada? E quais os principais objetivos do projeto?

Letícia Ferreira: “Existe uma dimensão sobre a discussão política, a ciência, permitir que as pessoas tenham acesso a pesquisadores, grandes lideranças, pensadores e artistas” (Foto: Arquivo pessoal)

Letícia Ferreira: A Gibiteca Balão foi fundada em junho de 2014, com o objetivo de ser um espaço de convivência nerd/geek na periferia da Zona Leste da cidade de São Paulo, que tem, dentre suas principais missões, a democratização do acesso à cultura e o desenvolvimento do pensamento crítico nas periferias, através do trabalho com mediação de leitura de HQs, monitoria de jogos de tabuleiro e eletrônicos, festas temáticas e atividades formativas, como oficinas, rodas de conversa e palestras.

Como forças motivadoras da fundação desse projeto, estão as próprias vivências e vontades dos quatro fundadores, Fábio Santos (professor na rede pública de ensino de artes visuais), Letícia Ferreira (jornalista e produtora cultural), Max Tavares (jornalista) e Miqueias Tavares (estudante e trabalhador autônomo), crias das periferias do estado de São Paulo (a maioria localizada no bairro de Itaquera), entusiastas das diversas linguagens associadas à cultura nerd, como quadrinhos, jogos, cinema, animes, etc, que foram marcados pela dificuldade de acesso e fruição da cultura, devido a variados aspectos da desigualdade social.

Como vocês escolhem e organizam as atividades e eventos? 

Os eventos que envolvem as múltiplas linguagens com as quais trabalhamos são guiados pelos nossos pilares de democratização do acesso e desenvolvimento do pensamento crítico nas periferias, alinhados a uma visão política progressista e influenciada pelo conceito de materialismo histórico.

Então, quando planejamos realizar uma festa temática, roda de conversa, palestra, buscamos perspectivas e pessoas convidadas alinhadas ao pensamento crítico de viés interseccional, como anticolonialismo, antirracismo, anti-homofobia, anti-classicismo, anti-machismo, etc.

Quantas pessoas fazem parte da equipe da Gibiteca e quais as suas funções?

Atualmente, oito pessoas que realizam múltiplas funções integram o coletivo Gibiteca Balão. De modo geral, as principais atribuições de cada um são:

  • Boni Zanatta: mediadora de leitura de HQs, orientadora de público, curadora e oficineira de audiovisual, designer e comunicação;
  • Felipe Lima: monitor de jogos e swordplay, orientador de público e fotógrafo;
  • João Martins: monitor de jogos, oficineiro de escrita criativa, fotógrafo e orientador de público;
  • Letícia Ferreira: gestora e produtora cultural, designer e comunicadora, oficineira de cosplay, curadora do acervo de HQs e mediadora de leitura de HQs;
  • Lucan Henrique: mediador de leitura de HQ, orientador de público, curador do acervo de HQs e oficineiro de desenho e pintura;
  • Pedro Flores: mediador de leitura de HQs, monitor de jogos e orientador de público;
  • Plínio Figueiredo: monitor de jogos, desenvolvedor de jogos, designer e comunicador, orientador de público, oficineiro de RPG e designer de jogos;
  • Victor Taiguara Romero: produtor cultural, monitor de jogos e curador do acervo de jogos de tabuleiro.

Jogos de tabuleiro na Gibiteca Balão (Foto: Letícia Ferreira)

Como vocês financiam as atividades e a manutenção da Gibiteca?

Principalmente com a venda de prestação de serviços culturais a equipamentos públicos (Casas de Cultura, Centros Culturais…) e instituições privadas como SESCs. Outra forma que possibilita a remuneração da equipe e o financiamento de projetos culturais são editais públicos, como o Edital de Bibliotecas Comunitárias, o Programa VAI, a Lei Aldir Blanc, dentre outras políticas públicas voltadas para projetos culturais periféricos.

Recentemente, o coletivo inaugurou uma loja móvel para vender, na sede e em eventos de HQs, canecas, blocos de nota, camisetas, chaveiros, dentre outros itens para complementar o caixa financeiro.

Quais são as maiores dificuldades que vocês enfrentam na operação diária da Gibiteca?

Manter-se enquanto corpo voluntário de trabalho sociocultural (rotina de trabalho presencial, capacitação e autoformação da equipe, dentre outros aspectos que envolvem trabalhadores voluntários), manutenção do acervo de HQs e gestão do espaço físico de atuação, na Okupação Cultural Coragem.

Como a Gibiteca tem impactado a comunidade local ao longo dos anos?

Sempre buscamos oferecer algo para a comunidade quando realizamos nossos eventos. A prioridade é proporcionar um espaço em que possam consumir cultura apesar das barreiras econômicas. Muitas das vezes que fazemos uma abertura em nossa sede nos deparamos com crianças e adultos que nunca tiveram contato com quadrinhos ou jogos de tabuleiro, e dos nossos encontros saíram muitas pessoas querendo ser artistas, escritores, cineastas e criadores.

Registro da 7ª edição do Penha Geek, nos dias 7 e 8 de junho de 2024.
O Penha Geek foi realizado no Centro Cultural Penha, na Zona Leste de São Paulo.

Também existe uma dimensão sobre a discussão política, a ciência, permitir que as pessoas tenham acesso a pesquisadores, grandes lideranças, pensadores e artistas. A Gibiteca Balão se tornou uma enorme ferramenta de mobilização e articulação entre os agentes, principalmente na Zona Leste de São Paulo, mas também no resto da cidade, na região metropolitana e até no interior. Alguns grandes eventos de cultura nerd são realizados inteiramente a partir da articulação da Gibiteca.

Outro indicador de impacto na comunidade é o fato de que hoje o coletivo é formado por maioria de ex-frequentadores do projeto – pessoas que um dia foram público se apropriaram da missão coletiva e, atualmente, somam diretamente nos trabalhos da gibiteca.

A Gibiteca tem alguma ação específica que contribui para o incentivo à leitura e ao aprendizado na comunidade?

Sim, além de expormos o acervo de quadrinhos e livros e fazermos trabalho de mediação da leitura junto ao público a partir de quatro anos, realizamos encontros com quadrinistas/escritores, palestras/fóruns sobre a cena, clubes de leitura, oficinas de criação, workshops de diversas linguagens e temáticas (audiovisual, quadrinhos, literatura, jogos de tabuleiro, RPG, ilustração, cosplay, swordplay, etc.).

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Quais são os tipos de materiais, eventos ou atividades mais populares entre os frequentadores?

A mediação de leitura de HQs: mangás shonen, publicações Maurício de Souza, quadrinhos Disney e HQs de drama independentes. Os jogos de tabuleiros: King of Tokyo, Dobble, The Resistence, Welcome Back to the Dungeon, Bloqueio. Os retro games: Atari (vários jogos) e jogos clássicos de luta.

Além desses, há as outras linguagens, como o swordplay (simulação de batalha campal com espadas de espuma; oficina de cosplay).

Os eventos mais populares são a festa de final de ano, o aniversário da GB e a Festa de Dia das Bruxas.

A Gibiteca Balão enfrenta desafios relacionados ao espaço físico. Há também algum tipo de pressão política? Se sim, como vocês lidam com essas pressões e desafios?

Desde 2016, a GB está sediada dentro de uma ocupação, que é gerida por um coletivo de mesmo nome, a Okupação Cultural Coragem. Além da Gibiteca, mais de 10 grupos de diversas linguagens também ocupam o imóvel, dividindo espaço, agenda, responsabilidades de manutenção…

Roda de RPG narrado por integrante da Gibiteca Balão (Foto: Leticia Ferreira)

Devido à configuração da ocupação, que prioriza o formato de galeria, na qual recebe periodicamente exposições de artes visuais, a atuação da GB se dá de forma esporádica, com montagem e desmontagem de exposição de HQs sempre que se pretende abrir ao público. Ao final de cada dia de abertura, o coletivo se mobiliza para retirar e guardar as estantes, com o acervo do salão de acesso ao público, para o cômodo de organização da ocupação – o que torna a rotina de abertura ao público bastante fatigante.

Quanto à pressão política, os impactos e desafios maiores são sofridos diretamente pela Okupação Cultural Coragem (que neste ano deverá renovar seu contrato de concessão de uso do imóvel com a COHAB) e, posteriormente, pelos coletivos que são ligados a ela, como a GB.

Qual é a relação da Gibiteca com as autoridades locais e outros grupos comunitários?

Com autoridades locais, há atendimento cordial e escuta ativa quando somos acionados pelas autoridades locais (o que raramente acontece). Da nossa parte, a articulação que ocorre com autoridades locais se dá com apoio individual de cada integrante a vereadores alinhados às nossas lutas políticas. O coletivo se coloca de forma política, comprometido com causas, e não com partidarismo.

Nos articulamos em rede e mantemos bom relacionamento com outros coletivos da região e de outros locais do Brasil. Isso se dá através do envolvimento mútuo do nosso coletivo em ações de outros grupos na região e vice-versa, fóruns de mobilização social, etc.

Quais são os planos futuros para a Gibiteca Balão? Há algum projeto ou atividade nova que vocês planejam implementar?

Para este ano ainda iremos realizar, pelo menos, mais quatro atividades formativas, que envolvem criação de HQs e fanzines, construção de uma perspectiva anticolonial na cultura pop, criação de jogos e clube de leitura. Haverá também a Festa de Dia das Bruxas e o Bazar de Final de Ano, além de eventos itinerantes em feiras de quadrinhos e SESCs do estado de São Paulo.

Lojinha da Gibiteca Balão. A compra de artigos ajuda da arrecadação de fundos para a continuação do projeto.

Como a comunidade pode ajudar ou se envolver mais com a Gibiteca?

Com a participação como público receptivo das nossas ações, enquanto co-realizadora/co-criadora de eventos, workshops, rodas de conversa e mais.

Também, por meio de serviço voluntário na equipe fixa e/ou em eventos pontuais, a indicação/contratação dos nossos serviços culturais, a compra de itens da loja da GB e/ou a doação de equipamentos (notebook, câmera) ou dinheiro.

Quais são os maiores aprendizados que vocês tiveram ao longo desses 10 anos?

Trabalhar de forma voluntária com projeto sociocultural na periferia envolve mais que altruísmo ou “trabalhar com o que gosta”: trata-se de um trabalho de militância política na base. Por isso, enxergamos como um compromisso maior que promover o entretenimento e o lazer onde o Estado é omisso. Passa por educação, construção e fortalecimento de identidade, libertação, transformação de realidades, e não nos cabe somente uma perspectiva romântica da causa.

Logo, a luta incessante por melhores condições de trabalho, reconhecimento e acesso ao básico (cultura inclusa), independentemente de condições externas e da existência da Gibiteca, continuará.

Edição: Guilherme Ribeiro


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

George Ricardo Guariento Graduado em jornalismo com especialização em locução radiofônica e experiência na gestão de redes sociais para a revista Diálogos do Sul. Apresentador do Podcast Conexão Geek, apaixonado por contar histórias e conectar com o público através do mundo da cultura pop e tecnologia.

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