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Olga Álvarez, durante entrevista (Foto: Vanessa Martina-Silva)

Oposição acusa fraude, mas não apresenta provas, diz especialista eleitoral da Venezuela

Com mais de 10 anos de experiência, Olga Álvarez explica funcionamento do sistema eleitoral da Venezuela; motivo de histeria da mídia hegemônica, regulamento prevê até 30 dias para divulgação de dados detalhados
Vanessa Martina-Silva
ComunicaSul
Caracas

Tradução:

mundo pede que a Venezuela publique as atas das eleições presidenciais realizadas no último domingo (28) e que, de acordo com a apuração de votos realizada pelo Conselho Nacional Popular (CNE). Na segunda-feira (29), de madrugada, foram apresentados dados de 80% das urnas, com tendência irreversível. Nesta sexta-feira (2), o órgão atualizou a informação, com 96% das urnas abertas.

De acordo com os dados atualizados, a participação foi de 59,97%, com 12.386.669 eleitores. Assim, Nicolás Maduro obteve 6.408.844 votos (51,95%), Edmundo González, 5.326.104 votos (43,18%), Luis Martínez 152.360 votos (1,24%), Antonio Ecarri, 116.421 votos (0,94%), Benjamin Rausseo 92.903 votos (0,75%), José Brito, 84.231 votos  (0,68%), Javier Bertucci 64.452 votos (0,52 %), Cláudio Fermín 40.902 votos (0,33%), Enrique Márquez 29.611 votos  (0,24%) e Daniel Ceballos 20.056 votos (0,16%).

O Ocidente Coletivo, no entanto, espera que a divulgação das atas desminta o CNE e indique que, na verdade, o candidato fantoche da oposição Edmundo González, na verdade Maria Corina Machado, é o verdadeiro vencedor do pleito. Tanto é assim que Estados Unidos e Argentina já o reconhecem como presidente do país em uma estratégia classificada pelo governo como Guaidó 2.0.

Esse reconhecimento parte de dados divulgados pela oposição — sem nenhuma auditoria externa e sem qualquer garantia de que são verdadeiros — segundo os quais González teria ganhado de Maduro por 70% a 30%. Isso baseando-se nas tais atas eleitorais.

Diante disso, o presidente pediu ao Tribunal Superior Eleitoral que convoque todos os ex-candidatos para apresentarem as atas que têm em seu poder para que sejam auditadas e verificadas quanto à sua autenticidade. A convocação pelo órgão foi feita para esta segunda-feira (2), às 14h de Caracas.

Para esclarecer quaisquer dúvidas, a ComunicaSul entrevistou a advogada constitucionalista Olga Álvarez, que nos explica que as atas eleitorais, na Venezuela, onde as urnas são eletrônicas, são um documento assinado por todos os fiscais de mesa dando conta de que o que consta nos boletins de urna coincide com os dados saídos das urnas. O documento é enviado para o CNE e cada fiscal fica com uma cópia, assinada por todos.

Caso esses fiscais encontrem inconsistência nos dados, eles fazem um registro nessa ata detalhando o acontecimento para que sejam tomadas as devidas providências. Com 10 anos de experiência por ter trabalhado na Sala Eleitoral como relatora e outros 10 tendo atuado em observações eleições em todo o continente, bem como em assessoria de tribunais eleitorais, a especialista garante que qualquer partido que tivesse comprovação de que venceu por mais de cinco pontos percentuais, não hesitaria em apresentar as provas. O que não foi feito pela oposição até o momento.

Confira, a seguir, a entrevista de Álvarez:

Funcionamento do sistema eleitoral

É importante destacar que na Venezuela, desde 2004, nós automatizamos 100% o sistema e tudo que for relacionado ao sistema eleitoral. O que isso quer dizer? Que o voto registrado eletronicamente é o voto válido dentro do sistema. Ao eleitor é dado um comprovante para que verifique no momento do voto que é seu voto de fato, que vai registrado no computador e é o que está lendo no seu comprovante.

O comprovante é depositado na urna. Por quê? Porque nós estamos convencidos que um sistema automatizado é eficaz, desde que seja verificável e auditável em todas as suas fases e em todo momento.

Temos várias auditorias técnicas prévias que são feitas na presença das testemunhas e dos técnicos dos partidos políticos que certificam que toda a fase do sistema eleitoral, todo o software utilizado está em condições de segurança para ser utilizado no momento do voto. Lembramos que aqui se trabalha com código-fonte, com sistema de transmissão criptografado, onde os participantes e as organizações políticas que participam compartilham o código para poder avançar até a totalização. É um dos mecanismos de segurança.

Digamos que a força do sistema é sua auditabilidade e a possibilidade de ser verificado não somente pelos atores políticos que estão participando, mas também pela cidadania. Há vários momentos em que até o cidadão eleitor comum participa dessas verificações.

Auditoria ao vivo

Nós fazemos uma auditoria quente [ao vivo] no momento de fechamento das mesas. Nós, na Venezuela, diferente de todos os sistemas regionais, auditamos na hora 54% das mesas, ou seja, mais da metade do universo das mesas eleitorais são auditadas diante da cidadania que está ali presente, além dos fiscais, aqui chamados testemunhas [testigos] dos partidos políticos. Em que consiste esse procedimento?

Na mesa é emitida a ata de apuração antes da transmissão com a finalidade de dar certeza e segurança aos partidos e aos participantes de que o dado transmitido posteriormente vai ser comparado com o que está na ata. Uma vez que se emite a primeira ata de apuração, todos os membros da mesa e as testemunhas assinam. Então, é realizada a auditoria quente.

As mesas são sorteadas de acordo com uma lógica: se há quatro mesas em um centro, metade será auditada; se há cinco, três serão auditadas. As mesas auditadas são definidas por sorteio realizado pelos presidentes de mesa. Para chegar aos 54%, a caixa de resguardo é aberta pelos membros da mesa, na frente das testemunhas e são contados os comprovantes de voto: quantos votos para o candidato “A”, quantos votos para o candidato “B”, para o candidato “C”, para o candidato “D”, etc.

De acordo com o ato instrutivo, podem verificar não somente a quantidade de votos, mas quais partidos, ou seja, podem fazer as comparações que quiserem naquele momento da auditoria. Depois dessa auditoria, imediatamente se fecha novamente a caixa de resguardo, porque é material eleitoral a ser preservado e se transmitem os resultados, a ata de apuração.

Ata de apuração

A ata de apuração é totalizada automaticamente na Junta Nacional Eleitoral, na comissão de totalização. O que ocorre? Uma vez transmitida, as atas podem ter suas cópias entregues às testemunhas [fiscais dos partidos]. A cópia é idêntica à original. E as testemunhas [fiscais] também assinam, juntamente com um membro da mesa. Cada uma das cópias é emitida com um código de segurança, um código QR e devem ter a assinatura dos membros da mesa. A lei estabelece que as testemunhas devem assinar.

Se alguma testemunha encontrar qualquer inconsistência ou quiser fazer uma observação, pode fazê-lo na própria ata — original — da mesa eleitoral, que vai para a Junta Nacional Eleitoral. Também pode anexar uma folha onde explique exatamente quais elementos de irregularidades, vícios ou inconsistências encontrou do dia da eleição nessa mesa eleitoral.

Inconsistências e impugnação

Essas atas, essas cópias, são o respaldo que os partidos têm para impugnar as mesas. Eles fazem essa ata se acharem que em algumas mesas houve inconsistência para depois comparam com a totalização feita. Se acharem que há irregularidade, podem impugnar perante o organismo competente que é a Sala Eleitoral [turma da Suprema Corte especializada em Direito Eleitoral, equivalente em competência ao nosso TSE].

As impugnações são conhecidas pela jurisdição eleitoral do tribunal máximo da República mediante o contencioso eleitoral, que é um recurso com prazos suficientes dentro de todo o processo para que as partes possam apresentar todos os elementos probatórios que considerem necessários para sua reivindicação.

Publicação das atas

O que acontece com as atas? O CNE não tem obrigação de publicar as atas, porque ele publica o escrutínio e a totalização em sua página web. Neste momento, como informou o presidente, o site do CNE tem disso alvo de ataques cibernéticos.

Mas publicar na internet é uma questão de conveniência, porque a lei estabelece que o CNE, dentro de 30 dias, publique o escrutínio e a totalização em um jornal especializado para os temas eleitorais [uma espécie de diário oficial específico].

Lá são publicados os resultados totais e os dados mesa por mesa. Normalmente, o CNE publica também digitalmente para que os interessados tenham acesso e possam facilmente baixar a informação digital para fazer todas as comparações que queiram.

Neste momento, ainda não publicaram, mas há uma pressão internacional — até o ponto de os EUA, que não tomam decisões na Venezuela, dizerem que estão perdendo a paciência porque o CNE não publica as atas.

Primeiro, o CNE está dentro do prazo legal para fazer as publicações correspondentes. O CNE já totalizou a quantidade suficiente de atas para adjudicar e proclamar o candidato vencedor do processo.

Fraude

Quem alega fraude tem que prová-la no contencioso eleitoral, quem apresenta a denúncia, o vício, tem que prová-lo ou pelo menos apresentar os indícios suficientes para que seja declarada a admissibilidade do recurso e a Sessão Eleitoral da Suprema corte possa continuar com o processo e solicitar ao órgão eleitoral que entregue um expediente administrativo para levar adiante o curso do contencioso eleitoral.

Lamentavelmente, isso não aconteceu por parte dos setores da extrema-direita que participaram, mas não assinaram o acordo de reconhecimento do órgão eleitoral. Houve situações fora do âmbito legal que têm a ver com o mundo da antipolítica.

Atos terroristas

Realizaram ações de rua, com ações terroristas e formação de esquadrões, muito bem armados, catalogados nos órgãos de segurança venezuelanos como “hampa” [facção/ máfia], como o “Tren del Llano”, que tanto dano causa.

Temos um histórico de muitos anos em que as ações deles foram vinculadas à extrema-direita, como quando Juan Guaidó se autoproclamou. Isso deve ser avaliado porque são ações fora do permitido. Temos também a vulneração que se realizou ao sistema eleitoral em sua estrutura.

O sistema eleitoral não é só técnico. Após a proclamação [de Maduro], eles realizaram incêndios a órgãos eleitorais, a escritórios do CNE. Estamos falando também do maciço ataque cibernético ao sistema de transmissão e totalização, como denunciado.

Essa fase do processo é muito sensível e tem uma grande camada de segurança, porque é criptografada. Apesar das reiteradas tentativas, os hackers conseguiram atrasar a divulgação dos dados, mas não conseguiram criar um túnel, um buraco para entrar no sistema e mudar as informações por meio de um vírus malicioso. Por isso digo que o sistema é seguro e não está baseado na internet.

Veracidade das atas opositoras

Então tentaram atacar o sistema eleitoral, o sistema que garante a transparência, a vontade do eleitor e a soberania finalmente expressa no voto. A oposição, através das câmaras, através de domínios em outros países, em sites, publicou aparentes atas eleitorais, mas não há maneira de verificar a veracidade, a certeza ou a legalidade delas.

Por isso tem que haver um processo de comparação delas com as atas em posse do conselho eleitoral. A única forma para ter certeza da legalidade dessas informações seria mediante um processo judicial, como solicitado pelo presidente Nicolás Maduro, que ajuizou um recurso contencioso eleitoral na Sala Eleitoral.

Eu desconheço os detalhes da petição, mas o presidente solicitou que se comparem todas as atas. O que o presidente pediu é que o tribunal solicite a todas as partes interessadas [ex-candidatos] os elementos para dar certeza dos fatos relacionados aos resultados eleitorais, com os elementos de prova que os partidos têm.

Com quem se compararia? Não se compararia somente entre os partidos, se compararia com as atas do Conselho Eleitoral na Sala Eleitoral do Poder Judiciário. Dentro do procedimento, sempre tem que chamar o órgão que tem elementos de convicção que são indiscutíveis nesse sentido.

Então essa é a situação que temos agora, um contencioso eleitoral solicitado pelo presidente da república para dar certeza pela via jurisdicional do anunciado pelo Conselho Nacional Eleitoral. Por que esta via? Porque a extrema-direita tem, digamos, manipulado [a opinião pública] com a ideia de fraude. Então que possam dar conta de que há espaços para se dirigir e para mostrar as provas.

Auditoria da votação

Eu trabalhei 10 anos na Sala Eleitoral como relatora. Além disso, passei mais de 10 anos observando eleições em todo o continente e assessorando tribunais eleitorais. Nenhum partido que tenha mais de 10 pontos de diferença, sete, ou até cinco pontos duvidaria em apresentar suas provas perante o órgão competente. Seguramente.

Ninguém, nenhum partido sério que esteja convencido dos votos que tem, duvidaria em pedir auditoria, como pediu o Súmate, em 2004, com Ramos Allup. Neste ano realizamos o referendo revogatório e foi quando estreou a instituição do direito eleitoral na Venezuela.

Foi muito dramático, sabe por quê? Porque se auditou 100% das máquinas. Os funcionários da OEA dormiam em cima das caixas. Eu estive naquele momento e também quase dormia lá porque eu era funcionária eleitoral e estava também envolvida nas atividades de processo de auditoria.

Durante quatro ou cinco dias, 24 horas por dia, nos revazávamos por turnos, a cada oito horas. Como funcionou? As pessoas auditavam as atas, as comparavam com os cadernos de votação, com os comprovantes de voto e com todos os dados.

Vocês sabem o que a oposição fez? Não foi, não quis participar. Depois de mover toda uma organização, todas as missões de observação para realizar essa vitrine, não participaram.

Em outras oportunidades também falaram de fraude. Digamos que o único meio sério foi [Henrique] Capriles, em 2013, que pelo menos teve a intenção e o fez, de apresentar um recurso à sala eleitoral, mas não apresentou provas. Você tem que determinar como esses vícios afetam realmente o voto.

Você não pode alegar qualquer coisa absurda. Não está proibido por lei, mas essa situação pode influenciar ou torcer a vontade do eleitor, assim como qualquer outro vício que possa se apresentar, ou fraude no sistema ou qualquer situação.

Capriles não apresentou atas, não apresentou nenhum tipo de elemento probatório. Apenas apresentou que um jornal dizia que em um lugar, de forma isolada, uma única pessoa, teve sua identidade substituída. Isso não é uma prova. O caso é que efetivamente estamos diante de um sistema eleitoral muito confiável. Continua sendo o mais confiável do mundo, verificável e auditável, com pressões brutais da mídia, das redes sociais, do magnata da tecnologia [Elon Musk].

“Mais 72 horas”

O CNE não precisa demonstrar a ninguém os resultados. Eles serão publicados no momento oportuno, dentro do prazo, que não expirou.

Há uma confusão. Falam de 72 horas, mas as 72 horas são apenas para a totalização e a totalização foi feita na mesma noite. O processo de contabilização dos resultados, que fala de uma tendência irreversível e permite adjudicar e proclamar.

Falsos positivos

Estamos novamente em uma fase de desestabilização. Tentaram, por meios ilícitos, com o apoio de setores da comunidade internacional, mediante simulação de crimes. Filmam pessoas que supostamente estão mortas, mas duas quadras adiante são vistas subindo em uma moto, tomando um refrigerante ou algo parecido. E como há tantas câmeras, tantos celulares, tudo isso fica registrado. Muitos deles já foram detidos. Muito já reconheceram que foram pagos para simular, assim como aconteceu na praça verde da Líbia.

Um pequeno fato que foi forjado de forma teatral para gerar um processo de desestabilização na Líbia, com a terrível vivenciada lá, com o extermínio de todo o governo líbio, como nunca se viu na história das últimas décadas. Isso foi tentado aqui, mas não funcionou e não vai funcionar.

Primeiro porque temos muita experiência em guerra psicológica. Segundo, porque conhecemos muito bem nossa Constituição, nossas leis, nossos procedimentos. Temos também especialistas que explicam tanto no âmbito político, como psicológico e comunicacional. Temos também o apoio de muitos países do mundo que não vão permitir que seus governos se juntem a essa campanha. Nem mesmo na OEA conseguiram votos suficientes.

Guerra psicológica, cognitiva

Estava claro na narrativa da campanha eleitoral da extrema-direita que não havia objetivo de captação de votos. Há um objetivo de aproveitar a plataforma eleitoral para organizar as pessoas, com aparência de legalidade, mas para ações terroristas.

Do total de pessoas detidas até agora, pelo menos 64% não votaram, segundo o Ministério Público. Muitos têm antecedentes criminais, estavam sob efeito de drogas e alguns deles são menores de idade. Além disso, a maioria sequer está registrada no sistema eleitoral. Então estavam defendendo o que se não votaram?

Isso é para que a comunidade internacional entenda que não havia um objetivo eleitoral, era um objetivo de guerra, de guerra de quinta, de sexta geração. Neste momento, o que estamos vendo, nos meios de comunicação, nas redes sociais, é uma guerra cognitiva para que no imaginário coletivo se construa uma realidade que não existe na Venezuela.

Tanto com Guaidó quanto neste momento, o objetivo não é o poder político. É um interesse econômico que vai além das relações que permite o poder político. Estamos falando que se articulam aqui grandes mercenários que, assim como ocorreu no Iraque, atuam para desestabilizar, destruir e depois entram no negócio da reconstrução.

* Entrevista realizada conjuntamente por ComunicaSul – Diálogos do Sul, Peopple Dispach, Press TV, Kawsachun, Breakthrough News, Brasil de Fato.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Vanessa Martina-Silva Trabalha há mais de dez anos com produção diária de conteúdo, sendo sete para portais na internet e um em comunicação corporativa, além de frilas para revistas. Vem construindo carreira em veículos independentes, por acreditar na função social do jornalismo e no seu papel transformador, em contraposição à notícia-mercadoria. Fez coberturas internacionais, incluindo: Primárias na Argentina (2011), pós-golpe no Paraguai (2012), Eleições na Venezuela (com Hugo Chávez (2012) e Nicolás Maduro (2013)); implementação da Lei de Meios na Argentina (2012); eleições argentinas no primeiro e segundo turnos (2015).

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