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ToggleDesde que foi instalado em Terra Brasilis, o judiciário funciona para uma única e exclusiva classe social, a hegemônica no poder. O exemplo mais gritante dessa ditadura tivemos nos anos 2017/18 quando um juiz de aldeia, com a conivência do Supremo Tribunal Federal (STF), manteve Lula, o favorito em todas as pesquisas, fora da disputa na eleição presidencial.
Judiciário e mídia também hegemônica praticaram uma nova técnica de golpe de Estado, aperfeiçoada pelos serviços de inteligência do imperialismo estadunidense: lawfare. Usar as próprias instituições do Estado para derrubar governos. Não precisa enviar tropas, os agentes internos fazem o serviço.
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Esse judiciário não é confiável, porque, fiel a suas origens de classe, sempre que estiver ameaçado atuará para preservar o status quo. Atualmente está tranquilo, atuando contra a ultradireita que infringiu as leis, e porque a correlação de forças assegura a hegemonia. Então pôde se dar ao luxo de livrar a barra de Lula, permitindo que disputasse e ganhasse as eleições.
Não esquecer que o juiz Sergio Moro e o procurador Deltan Dallagnol trabalharam em comum acordo com o Departamento de Estado dos EUA e a Cia, o que é pior, trabalharam descaradamente, sem pudor, e foram elevados à condição de heróis nacionais.
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Juiz e promotor deveriam ser julgados e condenados por traição à pátria. Mas ao contrário de serem denunciados, foram eleitos para o Legislativo. Essa é a ditadura com apoio de massa, a exemplo do que foram o fascismo e o nazismo na Europa. A propaganda e o dinheiro a fundo perdido como instrumentos para conquista de votos mascara a ditadura.
Para o sistema, é democracia porque tem eleições.
Presidencialismo de “colisão”
Desde que instalada a República Nova, com a Constituição de 1988, o presidencialismo de coalizão se tornou um presidencialismo de colisão, em que a classe hegemônica impõe uma verdadeira ditadura de maioria. Elegeram o pior legislativo da história, em que a chamada Frente Agropecuária domina, e junto com outras frentes impõe três votos para cada um.
A República é presidencialista, a Constituição diz que o Executivo é quem executa o Orçamento. Inventaram um semiparlamentarismo em que o presidente da Câmara no comando da ralé é quem fica com a maior fatia do orçamento. Desde 2015 o Congresso vem se apropriando cada vez mais do Orçamento até chegar a situação em que estamos, em que sobra quase nada para políticas públicas de alcance social e projetos de infraestrutura.
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Essa ditadura de maioria, violando a Constituição, chegou a se apropriar do Orçamento da União. A legislação e os costumes são claros: a execução do Orçamento é prerrogativa do Executivo. Não obstante, tendo o STF proibido o tal do Orçamento Secreto, os legisladores inventaram outras modalidades, e com emendas de Comissão, emendas parlamentares e as tais de emendas Pix, se apropriaram do Orçamento. Essa tal de emenda Pix é o mesmo que um cheque em branco que chega às prefeituras.
Em 16 de agosto, o STF, em decisão unânime, ratificou a suspensão da execução das emendas decidida na véspera pelo ministro Flávio Dino. A medida favorece o Executivo, pois os recursos só poderão ser liberados com endereço certo, ou seja, obra ou política pública em execução.
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A decisão do ministro Flavio Dino deixou o presidente da Câmara, Arthur Lira, nervoso. Sendo ele quem comanda o chamado Centrão, ou seja, a maioria silenciosa que vota segundo ordens do chefe, tirou da gaveta projetos com intenção de retaliar o STF. Um deles restringe as decisões monocráticas da Corte, e outro é um absurdo que pretende facultar ao Legislativo sustar decisões do Supremo. Isso mesmo, a tradição manda que decisões do Supremo não se discutem, se cumprem, é a última instância. A Câmara pretende criar uma nova instância e ser mais que o STF. Tal absurdo não tem chance de tramitar.
O sistema inventado pelos legisladores para se apropriar do Orçamento é único no mundo. É muito dinheiro para deputados e senadores e extravasa a função legislativa das casas. Os deputados arguem que conhecem as necessidades da população local. Um absurdo porque essa atribuição é de prefeitos e vereadores, ou deputados estaduais e governadores, no caso do Senado.
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Segundo Lula, em entrevista a uma rádio local, “o presidente utilizava as emendas como fator de negociação política. O deputado que votava a favor do projeto do governo tinha direito a uma emenda. O que era coisa de dois, R$ 3 milhões. Agora, às vezes é R$ 50 milhões, R$ 60 milhões”.
Hoje as emendas custam ao todo 52 bilhões de reais. É de fato muito dinheiro para um deputado que atua como vereador. É quase metade do Orçamento. Sendo mais de 40% do Orçamento empenhado para pagamento de juros e parte do principal da dívida, sobra praticamente nada para o Executivo pagar suas contas. Tem razão Lula de se queixar do “sequestro” do Orçamento.
Mídia e as “farinhas do mesmo saco”
A mídia hegemônica está se refestelando em cobrir a “briga” entre os dois poderes, mas tem se posicionado favorável ao STF, qualificando de ilegais as emendas, exigindo que haja controle rigoroso sobre as mesmas, o que está favorecendo o poder Executivo. Mas não se trata disso e sim de reconhecer com justeza que essas emendas são ilegais e imorais.
Mesmo assim, Senado e Câmara, e onze partidos — PT, PL, União Brasil, PP, PSD, PSB, Republicanos, PSDB, PDT, MDB e Solidariedade — entraram com recurso pedindo a suspensão da liminar do ministro Flávio Dino, que interrompe todas as verbas de emendas até que sejam regulamentadas. Nem podem acusar o ministro de autocrata, pois Dino não é tonto, dia seguinte teve sua liminar apoiada pelo plenário do STF.
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Em vez de contestar, não seria mais fácil ou racional aprovar e seguir as regras em obediência ao Supremo? Como deseja o Supremo, as verbas têm que ser direcionadas para obras e políticas públicas específicas.
Não bastasse, no Senado, em trâmite acelerado, foi aprovada a PEC da Anistia, que perdoa as dívidas dos partidos políticos para com a Justiça Eleitoral. Que dívida é essa? São dívidas da previdência não recolhida e multas, penalidades aplicadas por não cumprimento das normas durante a campanha eleitoral de 2018. É um festival de irresponsabilidades. O PT é um dos que mais deve: só com a Previdência são 18,2 milhões de reais. As perdas para a União somam em torno dos 23 bilhões de reais. As dívidas serão pagas em prazos bem longos e sem juros.
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Eles, os legisladores e os partidos, aprovaram as regras, como cota para candidaturas de mulheres (ninguém cumpriu), ou 30% dos recursos às pessoas pretas ou pardas. Isso está valendo para a próxima eleição, de outubro, para vereadores e prefeitos nos mais de cinco mil municípios brasileiros. Vai ser difícil que alguém cumpra com as exigências.
Nação enferma
Esse mundo conturbado, com conflitos por toda parte, inclusive aqui, onde a guerra civil do Estado contra a Nação e seu povo cobra umas 40 mil vítimas por ano, está a afetar a saúde mental da juventude.
Jovens entre os 13 e 29 anos estão acometidos de depressão e/ou ansiedade, com número alto de casos graves que requerem internação. Os casos de internação aumentaram de 690 em 2013 para 1.629 em 2023, aumento de 136% em dez anos.
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Em Minas Gerais, pesquisa em oito universidades federais com oito mil alunos ouvidos, 60% apresentaram caso de ansiedade, dos quais, 34% apresentaram quadro severo da doença, que exige internação.
Pisou na bola
O presidente Lula e seu assessor especial, Celso Amorim, pisaram na bola ao propor novas eleições na Venezuela. Uma clara interferência nos assuntos internos do vizinho. Até mesmo a oposição, que está a declarar-se como vencedora da eleição, rechaçou por estapafúrdia a ideia. Para Corina Machado, líder da oposição, foi um desrespeito, enquanto Diosdado Cabello, chefe do partido governista, qualificou de estupidez.
Os venezuelanos é que têm que resolver esse imbróglio. Isso é sagrado nas relações entre os países, no Direito Internacional. Livre autodeterminação dos povos e não interferência nos assuntos internos. A situação é difícil. Estados Unidos vão apoiar a oposição e impor mais bloqueios à economia, tentando com isso derrubar Maduro. Mas não conseguirão. Será como um Guaidó II, um fracasso.
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O tribunal eleitoral e a Corte Suprema do país já deram posse ao presidente Maduro e países tão importantes como a China, a Rússia e o Irã reconhecem e estão a negociar com o governo. Caracas tem acordos estratégicos com esses países e manifesta vontade de ingressar nos Brics.
Venezuela é hoje mais uma zona de confronto entre os dois sistemas-mundo: o sistema Ocidental e Cristão resumido na OTAN mais Austrália, Japão e Coreia do Sul, hegemonizado pelos Estados Unidos; e o sistema do Sul Global, com os Brics insurgentes, liderados por Rússia, China, Irã e Coreia do Norte.
Paulo Cannabrava Filho, jornalista editor da Diálogos do Sul e escritor.
É autor de uma vintena de livros em vários idiomas, destacamos as seguintes produções:
• A Nova Roma – Como os Estados Unidos se transformam numa Washington Imperial através da exploração da fé religiosa – Appris Editora
• Resistência e Anistia – A História contada por seus protagonistas – Alameda Editorial
• Governabilidade Impossível – Reflexões sobre a partidocracia brasileira – Alameda Editora
• No Olho do Furacão, América Latina nos anos 1960-70 – Cortez Editora