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Militar russo durante exercícios táticos especiais (Foto: Ministério da Defesa da Rússia)

Rússia e Ucrânia aguardam eleição nos EUA para replanejar estratégia bélica

Seja Trump ou Kamala a assumir a presidência dos EUA, tudo vai depender de quanto dinheiro a Casa Branca estará disposta a enviar à Ucrânia
Juan Pablo Duch
La Jornada
Moscou

Tradução:

Ana Corbisier

Faltando mais ou menos dois meses para que, em pleno outono, comecem — nos cenários principais dos combates tanto no Donbass (Donetsk e Lugansk) quanto na região de Kursk — as chuvas e o terreno se transforme em um atoleiro, dificultando o deslocamento de tropas e armamentos, tudo indica que a atual correlação de forças só poderá mudar a partir de quem for eleito presidente dos EUA, principal sustentáculo da Ucrânia.

Seja a democrata Kamala Harris ou o republicano Donald Trump a se instalar como novo inquilino da Casa Branca, e independentemente do que os países europeus possam ou queiram contribuir, tudo dependerá de quanto apoio financeiro e armamentista Washington poderá oferecer a Kiev para enfrentar Moscou.

Mas, mesmo no caso de vitória de Trump, a Ucrânia não precisa jogar a toalha, simplesmente voltará a enfrentar uma situação de carências de todo tipo, semelhante à vivida nesta primavera, quando a demora de meio ano no Congresso estadunidense para autorizar o enésimo pacote de ajuda facilitou o início da ofensiva russa no Donbass.

Às portas do outono, parece claro que as tropas ucranianas frearam os russos a 10 km de Pokrovsk, formando com reforços várias linhas fortificadas, enquanto o Estado-Maior russo há semanas relata diariamente a tomada de insignificantes aldeias pelos flancos, o que, em uma perspectiva distante, poderia resultar no golpe tático de cercar as unidades ucranianas que defendem essa zona.

E as tropas ucranianas, que um mês depois de cruzar a fronteira ocupam 1.300 km² de Kursk, afronta para o Kremlin mais do que vitória militar, tampouco podem, após explodir as pontes sobre o rio Seim, fechar o cerco aos entre dois e três mil soldados russos que estão no distrito de Glushkovo, pois é muito arriscado tentar enquanto não conseguirem destruir as seis pontes de pontão que a Rússia construiu para manter a logística de suas forças ali.

Visto com realismo, a guerra não vai acabar quando os russos conseguirem ocupar Pokrovsk nem se não forem capazes de expulsar os ucranianos do território de Kursk que controlam. Tanto Moscou como Kiev esperam o desfecho eleitoral nos Estados Unidos para poder planejar suas operações bélicas, com maior ou menor alívio, no próximo inverno.

Negociações de paz entre Rússia e Ucrânia

“Estamos dispostos a negociar (com a Ucrânia)? Nunca nos recusamos, mas queremos fazê-lo com base, não em sabe-se lá quais exigências desatualizadas, mas com base naqueles documentos que havíamos acordado e praticamente assinado em Istambul (em março de 2022)”, afirmou na quinta-feira o presidente da Rússia, Vladimir Putin, ao dirigir algumas palavras aos participantes do Fórum Econômico do Oriente, que foi inaugurado em Vladivostok.

E seguiu: “Já disse muitas vezes: praticamente tínhamos chegado a um acordo com os representantes do governo de Kiev quanto aos parâmetros de um possível arranjo político. Até mesmo o chefe da delegação ucraniana (David Arajamia), que até hoje continua sendo o coordenador da bancada do partido governante na Rada, o parlamento, marcou cada página desses entendimentos. Certamente, restavam alguns detalhes, mas, em geral, o documento contava com sua aprovação”.

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Mas, nas palavras de Putin, “chegou o senhor Boris Johnson e deu instruções aos ucranianos de combater até o último ucraniano, o que acontece hoje em dia, para conseguir a derrota estratégica da Rússia”. Se não tivessem obedecido aos seus “senhores estrangeiros”, a guerra já teria acabado há muito tempo, apontou.

Mudança de posição?

Analistas se perguntam até que ponto o que foi dito pelo líder do Kremlin em Vladivostok é uma mudança na posição da Rússia a respeito de eventuais negociações: até agora, depois que o exército ucraniano cruzou a fronteira no último 6 de agosto, Putin disse que “depois disso, nada pode ser negociado” com a Ucrânia, o que por sua vez substituiu sua proposta anterior – imediatamente rejeitada por Kiev – de negociar somente se aceitassem cumprir uma longa lista de exigências, entre elas, retirar suas tropas de Donetsk, Lugansk, Kherson e Zaporizhia, renunciar ao seu ingresso na aliança norte-atlântica e desarmar seu exército.

No entanto, Karl Nehammer, chanceler federal da Áustria, ofereceu seu país como possível sede de negociações entre a Rússia e a Ucrânia ao escrever na última quinta-feira (5) em sua conta na rede social X: “Tomamos nota da declaração do presidente da Rússia sobre sua disposição para negociar um arranjo político com a Ucrânia. Toda negociação deve ocorrer sem condições prévias e de forma presencial. A Áustria, como sede da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), está pronta para apoiar uma paz justa e sólida, assim como para servir de cenário das negociações”.

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Talvez antecipando o alvoroço que seu anúncio em Vladivostok poderia causar, o mandatário russo precisou que, para que possa haver negociações, a Ucrânia “tem que pedir”.

Expulsão das tropas ucranianas

Enquanto isso, Putin se mostrou satisfeito sobre como o exército russo “está expulsando paulatinamente” as tropas ucranianas da região de Kursk, onde há mais de um mês ocupam uma área de 1.300 km², mas para ele o mais importante é que Kiev falhou em seu objetivo de distrair nossas forças ao “transferir para as regiões fronteiriças grandes e bem treinadas unidades”, com o que o inimigo “se debilitou em setores-chave da frente e nossas tropas intensificaram sua ofensiva no Donbass (Donetsk e Lugansk), que ‘é nossa prioridade número um’”.

O chefe do Executivo russo disse que o ministério da Defesa o informa “várias vezes por dia” sobre os avanços em Donetsk e Lugansk, onde o inimigo “está tendo colossais perdas em efetivos e armamentos”. Os militares, cabe destacar, em seu relatório de guerra, afirmaram nesta quinta-feira que a Ucrânia “já perdeu 10.100 soldados e 81 tanques em Kursk”, uma quantidade que não poucos observadores colocaram em dúvida.

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Tudo indica que exagerar não é exclusivo da liderança militar russa. Na mesma quinta-feira, o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, afirmou em uma entrevista à NBC News (a divisão de notícias do canal de TV estadunidense) que “a Rússia transferiu 60 mil soldados para a linha de combate em Kursk”, o que também surpreendeu muitos especialistas, quando há pouco o comandante-chefe do exército ucraniano, Oleksandr Syrskyi, havia assegurado que a Rússia havia movido de outras frentes de combate “cerca de 30 mil soldados”.

Segundo Zelensky, a falta de mísseis e projéteis de longo alcance, bem como a informação da inteligência ucraniana de que a Rússia “tinha a intenção de invadir a região ucraniana de Sumy”, fez com que nos antecipássemos com a operação em Kursk, que por sinal “é um sucesso”.

Renovação na Ucrânia

A partir da quinta-feira, a Ucrânia já tem um governo renovado, ao concluir as demissões, fusões e outros movimentos impulsionados por Zelensky e ratificados por sua maioria parlamentar. Assim, cabe destacar que Denys Shmyhal continua como primeiro-ministro; Andrí Sibiga deixa o Gabinete da Presidência, do qual era subchefe, e é o novo chanceler no lugar de Dmytro Kuleba, que será realocado em um novo cargo, provavelmente como embaixador; Iryna Vereschuk deixou de ser vice-primeira-ministra para se tornar diretora-adjunta do Gabinete da Presidência, com as mesmas funções de “reintegração dos territórios temporariamente ocupados”.

A outra vice-primeira-ministra, Olga Stefanyshina, assume também a pasta da Justiça; Vitaly Koval ficará encarregado da Agricultura; e dois subchefes do Gabinete da Presidência passam a ministro da Cultura, Mykola Tochytskyi, e a titular da pasta de reconstrução e desenvolvimento dos territórios, Oleksy Kuleba.

La Jornada, especial para Diálogos do Sul – Direitos reservados.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Juan Pablo Duch Correspondente do La Jornada em Moscou.

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