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Imagens: Reprodução / Mídias sociais

Atentado contra Evo Morales: possível envolvimento de militares configuraria terrorismo de Estado

Advogado e ex-ministro de Evo Morales, Wilfredo Serrano, destacou importância de chamar atenção da comunidade internacional: "tentativa de magnicídio"
Redação Página 12
Página 12
Buenos Aires

Tradução:

Guilherme Ribeiro

Diante da tentativa de magnicídio deste domingo (27) contra o ex-presidente boliviano Evo Morales, o atual presidente, Luis Arce, ordenou a abertura de uma investigação sobre os fatos, nos quais “desconhecidos” dispararam contra os veículos em que o líder do MAS e aliados se deslocavam. Foram 18 disparos, após os quais o motorista do veículo em que Morales viajava ficou ferido. Do entorno do ex-governante, responsabilizaram agentes do Estado e pediram que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos intervenha na investigação.

Segundo relatou Morales, ele estava a caminho de Villa Tunari para a localidade de Lauca Ñ, em Cochabamba, para participar de seu programa dominical na emissora Kawsachun Coca (RKC) quando foi atacado por um grupo de indivíduos encapuzados montados em caminhonetes ‘Tundra’, semelhantes às utilizadas pela polícia local.

Embora o motorista de Morales tenha conseguido desviar o trajeto, as caminhonetes continuaram perseguindo-os até interceptá-los e dispararem quatro vezes contra o veículo, furando um dos pneus e forçando-o a trocar de carro.

Após a parada, o ex-presidente entrou em um segundo veículo que foi atingido por outros 14 tiros antes do fim da perseguição, ferindo o motorista na nuca e nos braços. Os agressores conseguiram fugir, mas o fato foi registrado em um vídeo filmado por uma mulher que viajava no carro com Morales.

“Abaixe-se, presidente, abaixe-se, presidente!”, diziam a Morales os dois ocupantes do veículo, enquanto o líder do Movimento ao Socialismo (MAS) falava ao telefone tentando alertar sobre o que acontecia. O vídeo mostra três buracos de bala no para-brisa do veículo, enquanto o motorista sangra devido a um ferimento na nuca.

Morales, que finalmente conseguiu fazer sua coluna na RKC, explicou que o ocorrido, por volta das 6h25 no horário local, foi uma tentativa de assassinato contra ele.

“Para mim foi surpreendente. Felizmente, hoje salvamos nossas vidas (…) Isso foi planejado, era para matar a Evo”, afirmou Morales ao microfone.

O ex-mandatário explicou que seu veículo estava na altura do quartel militar da Nona Divisão, em Villa Tunari, quando duas caminhonetes os surpreenderam. “No início, pensei que algum bêbado queria nos parar, mas depois suspeitei que era estranho”, contou à rádio.

Premeditação

Para o líder aymara, a perseguição sustentada, apesar dos desvios, mostra certa premeditação, que ele associou a ameaças que vem denunciando há anos. “Desde 2022 ou 2023, vínhamos denunciando. O general Zúñiga, em reuniões, dizia: ‘Temos que derrubar o Evo’. Em termos militares, derrubar é matar”, disse, ressaltando que o objetivo da operação era acabar com sua vida.

Após o atentado, os carros foram deixados no mesmo quartel da Nona Divisão do Exército, onde foram reconhecidos por um grupo de seguidores de Evo. Segundo afirmou o MAS em comunicado, “testemunhas do fato” viram como “os veículos que transportavam os agentes que perpetraram o atentado” entraram no quartel e “depois em um helicóptero que os esperava na pista de pouso”.

Um vídeo fornecido pela RKC mostra a chegada de uma multidão de habitantes do Trópico de Cochabamba aos portões do quartel militar, de onde é possível ver as caminhonetes.

Com a chegada, um militar disparou tiros para o alto como advertência, mas os manifestantes insistiram, conseguindo que duas caminhonetes, uma branca e uma vermelha, fossem entregues. Elas estavam sem placas e são suspeitas de terem sido usadas no atentado. Em outro vídeo, vê-se um dos militares discutindo com os manifestantes, admitindo que policiais entraram no quartel nesses veículos e que depois foram evacuados por meio de um helicóptero.

Mudança na cúpula militar

O atentado ocorreu um dia depois de Arce trocar a cúpula militar do país, em meio aos bloqueios de estradas em protesto contra as condições de vida e a inabilitação da candidatura de Morales.

A Defensoria do Povo da Bolívia emitiu um comunicado em que reprovou “a gestão governamental diante da situação de conflito”, pois, em sua opinião, “as medidas de protesto são a expressão de demandas cidadãs não resolvidas oportunamente”.

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O órgão de defesa dos direitos humanos também afirmou ao Executivo que “a intervenção das Forças Armadas não deveria ser uma opção para resolver essa crise” e exortou os manifestantes a estabelecerem “pontes solidárias” para garantir o livre trânsito.

No sábado (26), a Chancelaria boliviana denunciou à comunidade internacional que os protestos liderados por Morales “pretendem interromper a ordem democrática” e, pouco depois, Arce trocou o alto comando militar, com o pedido de que protejam a ordem pública e a democracia.

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Manfred Reyes Villa, prefeito da cidade de Cochabamba, instou o Governo Federal a intervir nas manifestações em massa no dia 21 de outubro, mencionando a aplicação de um estado de sítio na província.

A versão oficial

O atual presidente da Bolívia, Luis Arce Catacora, ordenou a investigação do ataque, que classificou como “suposta tentativa” contra a vida de Morales, indicando “uma investigação imediata e minuciosa para esclarecer o ocorrido”, em mensagem publicada em sua conta na rede social X.

Alguns dirigentes aliados ao governo de Arce sugeriram que o ataque a Morales poderia tratar-se de um ‘autoatentado’. O vice-ministro de Segurança Cidadã, Roberto Ríos, ofereceu uma coletiva de imprensa após o atentado, na qual esclareceu que não existe uma ordem de prisão contra Morales, o que o levou a descartar que agentes da lei tenham realizado uma operação para sua captura.

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“Considero que a população boliviana já tem uma opinião sobre um possível caso de autoatentado. No entanto, como autoridades, estamos na obrigação de investigar qualquer denúncia, seja verdadeira ou falsa”, disse Ríos neste domingo.

Para Rolando Cuéllar, um deputado do MAS alinhado com Arce, o ocorrido trata-se de um “autoatentado mal planejado”, que Morales utiliza para “se vitimizar e buscar apoio na população e nos organismos internacionais”.

Uma “saída antidemocrática”

Após o ocorrido, Morales apontou o governo de Arce como responsável e afirmou que “hoje foi cumprido” o plano de tentar matá-lo, após o fracasso das tentativas de destruí-lo politicamente e processá-lo judicialmente.

O ex-presidente apresentou uma denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), em que alegou que “agentes de elite do Estado Boliviano” atentaram contra sua vida, em meio a “operações conjuntas para reprimir as manifestações” que o apoiam, conforme informou em um post na rede X.

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A direção nacional do MAS, por sua vez, emitiu um comunicado responsabilizando o presidente e os ministros de Governo, Eduardo del Castillo, e de Defesa, Edmundo Novillo, pelo ocorrido.

Em meio à comoção, o ex-ministro da Presidência de Morales, Juan Ramón Quintana, fez um chamado aos movimentos sociais aliados para proteger o ex-mandatário, após afirmar que “a Bolívia já não é segura para ele” diante do que classificou como uma ofensiva do governo.

Irresponsabilidade total

Em conversa com Página12, Gabriela Montaño, que foi Ministra da Saúde de Morales, considerou que classificar o ocorrido como um autoatentado é de uma “irresponsabilidade total”, ao mesmo tempo em que destaca que a presença dos veículos protagonistas do atentado no quartel militar é “um elemento muito forte que indica a participação de instituições estatais”, em oposição às versões divulgadas pelo governo.

A ex-presidente da Câmara de Deputados lamentou que na justiça boliviana “não existam as garantias necessárias para uma investigação imparcial do ocorrido”, o que torna necessária a intervenção de organismos internacionais para assegurar a transparência.

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Para Montaño, o ocorrido deve ser entendido em um contexto mais amplo, considerando as mudanças no comando policial há menos de uma semana, bem como as realizadas na cúpula militar nas vésperas do atentado, além dos pedidos de estado de sítio por parte de autoridades ligadas ao governo, que demonstram uma posição contrária à resolução democrática do conflito.

“Em um período mais longo, todas as opções de resolução dos conflitos pela via democrática foram encerradas”, ressalta Montaño, destacando a tentativa de proscrição do MAS nas primárias, os ajustes que afetam a população e a pobreza institucional que atravessa o país, fatores que fomentam uma “saída antidemocrática” para o conflito.

“Maratona de desinformação”

Wilfredo Chávez Serrano, ex-ministro do governo de Evo e parte da equipe de representação legal do MAS, concordou na importância do apelo à comunidade internacional diante do surgimento da tese de autoatentado, que ele considerou uma “maratona de desinformação” por parte do governo, conforme declarou ao Página/12.

Para o advogado, que também atuou como procurador-geral durante o governo de Arce, o atentado, se comprovado, seria uma instância clara de terrorismo de Estado, pelo uso do aparato estatal em um “tentativa de magnicídio”.

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“A situação continua se desenrolando e estamos aguardando as declarações do procurador-geral”, informou Chávez, que também destaca que as mudanças operativas nas forças são um sinal de “certa premeditação”, especialmente considerando a intensificação dos conflitos nos bloqueios em meio às modificações na cúpula militar e policial.

Após o ocorrido, Carlos Romero, ex-ministro de Governo de Morales, convocou o recém-nomeado procurador-geral, Roger Mariaca, que até o momento não se pronunciou, para iniciar uma investigação do fato, que, em sua opinião, foi uma tentativa de assassinato “a sangue frio” por parte de “agentes de segurança do Estado”.

Relatório: Mateo Nemec
Página/12, especial para Diálogos do Sul – Direitos reservados.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Redação Página 12

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