Em 18 de outubro, na Bolívia, dirigentes civis da cidade de El Alto foram detidos pela polícia boliviana, acusados de “bloqueios”. Evidentemente não houve nenhuma fotografia ou outra evidência deste “bloqueio”: a perversidade do assunto está na forma como se tentava apresentar os detidos.
Acostumado a ignorar os direitos humanos, o Ministro de Governo pretendia criar a imagem de ferozes terroristas, seguramente acompanhada de alguns truculentos argumentos para demonstrar sua afirmação; esta prática é muito semelhante à que se utilizou durante a ditadura de Hugo Banzer, quando “Um comunicado das FFAA afirmava que os mortos em Cochabamba não são camponeses e sim extremistas, acrescentando ainda que a identificação dos mortos estabelece que estes não são camponeses quéchuas do Vale de Cochabambino e sim “extremistas”. No entanto, todas as fotografias que foi possível tirar dos camponeses mortos provam claramente que eram verdadeiros camponeses quéchuas do Vale. A mesma coisa se chega a estabelecer analisando os sobrenomes tanto dos mortos como dos feridos e presos”.
Como é possível que em uma democracia se repitam os fatos da ditadura? A única explicação possível é que não estamos vivendo em um Estado democrático, e sim em uma forma de governo que cooptou os demais poderes, seja retirando deles as atribuições constitucionais, como fez com o Parlamento.
E nesta forma de governo anulam-se os direitos de gestão autônoma, como é o caso das diferentes Confederações e Federações sindicais dos povos indígenas originários camponeses e interculturais, cujas sedes sindicais foram sitiadas pela polícia, fato inédito na democracia boliviana e praticada só nas ditaduras.
Permissividade sindical
Permitir ações antidemocráticas por parte de organizações com uma luta histórica pelos direitos sindicais, como a Central Operária Boliviana (COB), é o sinal claro da traição de todas as resoluções, Estatutos e objetivos do movimento operário e popular da Bolívia; mas o mais dramático é a passividade das chamadas “bases” que, domesticadas por sua direção, não atinam a tomar o destino de sua organização em suas mãos, a imagem dos trabalhadores mineiros não é nem a sombra difusa da gloriosa Federação Sindical de Trabalhadores Mineiros da Bolívia (FSTMB), que era o farol orientador do movimento operário e popular na Bolívia e principal ator na resistência às ditaduras e aos abusos dos governos democráticos.
Os dias de glória da COB hoje são apenas uma lembrança, lamentada por aposentados mal pagos e que foram essas “massas” combatentes em duras jornadas, por exemplo, contra a implementação das medidas neoliberais.
As práticas ditatoriais do governo, o debilitamento do movimento popular organizado na COB é uma estranha coincidência cuja explicação se encontra no país do norte, nos escritórios que durante anos sonharam com anular a força popular boliviana e suas organizações. Então, retificamos, não são coincidências, são fatos planejados e implementados com a cumplicidade de alguns autodenominados “esquerdistas” ou “socialistas” quando na realidade são agentes encobertos do poder imperial.
O que resta ao Povo? A auto-organização, como nos dias de resistência ao golpe de 2019, o fortalecimento das organizações genuínas que estão nos caminhos, nas ruas. Dizia Che: “Nos empurram para esta luta; não temos mais remédio senão prepará-la e decidirmo-nos a empreendê-la”. Temos a grande possibilidade histórica de reencontrar-nos com a agenda de outubro de 2003, para continuar com as necessárias transformações do Estado colonial, sua burocracia e seus métodos ditatoriais.
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