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ToggleO Haiti, uma vez mais, está no centro do palco, e sua história, forjada na resistência, continua sendo ignorada pelas grandes potências que o levaram ao colapso. As deportações na República Dominicana são só outro capítulo mais nesta tragédia, cujo fim parece distante. Com o início do mês de outubro começou-se a executar um plano de deportações em massa que tem como objetivo expulsar mais de 10 mil haitianos por semana até o fim do ano. Este processo, carregado de denúncias por violações dos direitos humanos, pôs no centro do palco internacional a situação crítica do Haiti, um país historicamente quebrado pelas potências ocidentais.
Esta situação de deportações em massa não é nova. Segundo dados da BBC, no ano passado a República Dominicana expulsou aproximadamente 250 mil haitianos, e no primeiro semestre deste ano já havia superado os 60 mil. A Convenção Americana de Direitos Humanos proíbe as expulsões coletivas em seu artigo 22, inciso 9, e há uma década a Corte Interamericana condenou a República Dominicana por este mesmo motivo.
República Dominicana desnacionalizou descendentes
No entanto, este é apenas um dos muitos capítulos de violações sistemáticas dos direitos humanos dos haitianos. Um caso paradigmático é a Sentença 168-13, do Tribunal Constitucional dominicano, emitida em 23 de setembro de 2013, que desnacionalizou retroativamente mais de quatro gerações de dominicanos e dominicanas descendentes de haitianos, afetando mais de 200 mil personas residentes no país.
A particularidade deste caso reside em que o atual presidente da República Dominicana, Luis Abinader, assumiu em maio e, desde sua campanha, promete a expulsão massiva de haitianos como parte central de seu discurso. Agora, começa a executar o que anunciou há mais de um ano. A cifra prometida está respaldada por uma estrutura de deportação massiva que o país já conhece bem, com uma capacidade operativa que parece ajustar-se cada vez mais à crueldade, violência e violações de direitos que sofrem os haitianos.
Situação dramática no Haiti
Enquanto isso, no Haiti, a situação é dramática. A fome generalizada, a violência tanto estatal como de gangues insurgentes, e uma intervenção militar internacional que envolve várias nações transformaram o país em uma caldeira. A escapatória lógica para muitos haitianos é sua vizinha na ilha, a República Dominicana. No entanto, a ilusão de uma saída se choca contra as duras políticas migratórias deste país.
Entre os exércitos envolvidos na intervenção no Haiti destaca-se o do Quênia, que enviou tropas há alguns meses. Apesar dos graves problemas internos que enfrenta, o governo queniano não só reprime brutalmente sua própria população, como também se jacta de fazê-lo do outro lado do Atlântico.
Como reeleição de Luis Abinader na República Dominicana impacta crise no Haiti
Este não é o único caso de intervenção militar no Haiti. Um exemplo relevante na região é o do Brasil. Em 6 de julho de 2005, o exército brasileiro comandou uma intervenção no bairro de Cité Soleil, na capital haitiana, que deixou mais de 60 mortos. Ainda que o fato tenha sido denunciado ante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), e se tenha indicado o general Augusto Heleno como responsável pelo massacre, este nunca cumpriu pena. Anos mais tarde, foi designado responsável pela inteligência no governo de Jair Bolsonaro e, posteriormente, Chefe de Gabinete de Segurança Institucional (GSI).
Com o Haiti, parece que tudo é possível, e nunca há sanção para ninguém. Na última reunião da Assembleia Geral das Nações Unidas, o atual presidente do Conselho Presidencial de Transição do Haiti, Edgard Leblanc Fils, recordou a fatídica dívida que a França impôs ao país em 1825 sob ameaça de intervenção militar por ter se libertado do jugo colonial. Esta dívida foi paga até 1947, mas a França nunca reconheceu esta barbaridade nem insinuou devolver o que foi roubado do país caribenho. Nesta 79ª assembleia, tampouco houve resposta a esta demanda.
As deportações massivas se inserem neste contexto, acrescentando um capítulo mais à dor de um povo que resiste e não abaixa os braços, apesar de carregar em seus ombros uma injusta marca histórica. Será que desta vez a comunidade internacional vai reagir?